CAPITULO 8

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Tico procurou o amigo com os olhos. Já era hora do almoço e só agora se dava conta de que Celso não tinha vindo trabalhar. Achou que ele estivesse trabalhando no salão de troca de óleo, mas a turma de lá não o tinha visto. Tico largou os sarrafos que carregava e foi ter com Zetti, o empreiteiro, que trabalhava no esmeril.

— O Zetti, tá sabendo por que o Celso não veio?

O homem que estava de capacete e óculos de proteção na frente do aparelho continuou trabalhando. O barulho era ensurdecedor. Zetti estava concentrado em afiar o corte de alguns enxadões. Os homens teriam de aumentar uma vala que corria ao fundo do posto de gasolina para a coleta da água pluvial.

Tico, impaciente, cutucou as costas do chefe.

— O Zetti! — gritou,

O homem virou um instante tirando um dos protetores auriculares, mas sem parar com a tarefa e visivelmente aborrecido com o cutucão do auxiliar.

— Fala, homem.

— Tô perguntando do Celso! Você sabe por que ele não veio? — perguntou aos berros. -— Dentista. Foi ao dentista. — gritou de volta.

Sem dar mais atenção, Zetti voltou ao fio do enxadão, encostando o ferro no esmeril e fazendo

uma cascata de fagulhas encher o ar.

Tico deu de ombros estranhando um pouco. O Celso não tinha falado de dor de dente nenhuma. Deu um sorriso e balançou a cabeça enquanto punha novamente o capacete. Talvez fosse invenção do amigo para descolar um atestado e ganhar um dia de moleza.

O fato é que ao final da tarde Tico se pegou novamente pensando no colega de trabalho. Tinham combinado tanto de ir aquela noite ao forró Esperança. Pelo menos uma ligação o desgramado tinha de dar. Tico tinha tentado duas vezes o celular de Celso e nada. Estava distraído, mordendo seu pão e tomando um gole de café quando viu Nelson chegando ao trabalho. Olhou para o relógio de pulso. Já era cinco e meia. Cara folgado. Já estavam no final do expediente e agora é que dava as caras. Aborrecido, Tico sorveu mais um gole do café quente. A pausa do café tinha sido mais tarde, era só comer e ir para o chuveiro. Ficou olhando para a avenida dos Autonomistas. O quartel de Quitaúna bem ali ao lado. Diziam que estava cheio de zumbi lá dentro. Que aquele rebuliço dos mortos-vivos era a mais pura verdade e que bem uns cem deles estavam trancafiados num daqueles galpões. Passou a olhar para os ônibus da Viação Osasco que enfileiravam-se diante do farol vermelho. Os intermunicipais seguiam em frente, rumo à divisa com Carapicuíba que estava a coisa de quatrocentos metros dali. Alguns dobravam no farol do outro lado da rua e rumavam em direção ao bairro Cidade das Flores. Tico voltou a olhar para os amigos no posto de gasolina. O Nelson estava falando com o empreiteiro Zetti. Mostrava um papel em branco e volta e meia passava a mão na bochecha inchada. Foi nessa hora que sentiu um frio na espinha. O Zetti tinha se enganado com os nomes por causa do barulho do esmeril. Só podia ser isso. Era o Nelson que tinha ido ao dentista, não o Celso. Tico levantou-se aturdido. Tirou o diminuto celular do bolso e ligou de novo. Estava no mesmo lugar onde estivera com Celso na tarde anterior. O celular chamava e chamava e Celso não atendia. Os ônibus na avenida deram um tempo com o barulho assim que se afastaram do semáforo. Tico engoliu em seco olhando para o imenso reservatório de gasolina, com a escotilha de alimentação aberta. Sentiu outro frio na espinha ao ver que a ponta da escada de madeira usada por Celso ainda estava lá, dando acesso ao interior do gigantesco tanque. Tico foi se aproximando pé ante pé. O celular do amigo caiu na caixa postal, sem resposta humana. Tico apertou o botão para rediscar. Novamente chamando. Chegou perto da boca aberta do reservatório. Via os

Os Filhos De Sétimo (saga O Turno Da Noite Vol.1) André ViancoOnde histórias criam vida. Descubra agora