Aléxia despertou. Queria continuar em seu sono repara-dor, queria voltar a ser a sedutora de antes. No entanto a consciência voltou bruta como um vômito, atirando de volta a realidade que não queria. O tato confirmava seus temores, a pele da face ainda estava grossa. Levantou-se com agilidade e apanhou o pedaço de espelho. Seu rosto continuava medonho, horrível. Mais uma vez um grito de ódio infestou as paragens onde o trio noturno habitava. Dessa vez Hélio não veio em auxílio da vampira. Aléxia aproximou-se de Paola que era banhada pela luz da primeira noite de lua cheia. Paola, bela, e já quase perfeita, sem uma marca em seu rosto, dormia alheia a tudo. Aléxia pousou a unha longa no pescoço de Paola. Enchê-la-ia de cicatrizes. Poderia atear fogo ao corpo da vampira. Acabaria com ela, vingar-se-ia, aliviaria seu terror e desespero. Aléxia afastou-se de Paola, com tanto ímpeto que bateu contra a parede, derrubando poeira e tijolos velhos. Paola não tinha culpa de sua aparência. Paola era sua amiga, sua irmã no trilho eterno. Aléxia caiu e começou a chorar. Um choro de raiva e desolação. Levantou-se e saiu do casebre. Hélio estava caído lá fora. Contorcia-se. A vampira elevou os olhos para a lua cheia. Ele estava se transformando. Aléxia manteve os olhos no corpo do rapaz que se debatia, tomado por convulsões. Dois calombos grotescos surgiram em suas costas. As mãos de Hélio incharam-se. Ele gritava de dor. O barulho de ossos estralando escapavam de seu corpo. Os olhos da vampira encheram-se com aquela visão. Finalmente os pensamentos de Aléxia abandonavam sua aflição e distraíam-se observando a dor do outro. As costas nuas de Hélio encheram-se de pêlos grossos e escuros. O garoto urrou, um urro de fera. Não era mais humano. As costas distenderam-se, ampliando o tamanho da criatura. O que fora um corpo humano dos mais ordinários convertia-se em coisa fantástica. A cabeça do jovem tornou-se mais oblonga ainda e a boca espichou para a frente e os olhos, que vertiam um suco vermelho sanguinolento, cresceram com o corpo enchendo-se de pêlos escuros. Hélio ergueu os olhos para a lua e urrou. A transformação estava quase completa. Aléxia permanecia imóvel, impressionada, hipnotizada pelo bicho. Aquele ritual mutante lembrava-lhe Sétimo.
Hélio virou-se para a vampira e fixou-a com seus olhos de lobo. Grunhiu mirando a vampira envolta no manto de cobertor. Abaixou o corpo, quase tocando a barriga no chão e avançou dois passos em direção à pálida criatura. Aléxia manteve-se imóvel apesar do rosnado ameaçador que lhe lançava o lobisomem. A fera chegou ainda mais perto e lançou outro daqueles pavorosos grunhidos e ameaçadoras mordidas no ar, como um cão enraivecido, exibindo as fileiras de dentes, aproximando-se tanto que seu focinho gelado e úmido tocou o rosto da mulher.
Aléxia, hipnotizada e extasiada, pousou a mão no focinho do lobo e acariciou-o.
— Está com sede, animal?
Hélio afastou-se e pôs-se sobre duas patas, uivando para a lua.
— Vamos, lobo. Vamos buscar sangue. Se o sangue de três não bastou, significa que preciso de muito mais para voltar a ser a deusa da beleza e da noite. Os olhos dos homens devem me amar, não se afastar de mim.
Hélio voltou a ficar de quatro e novamente aproximou-se da vampira. Aléxia montou em seu dorso e partiram a todo galope, embrenhando-se na mata que circundava a represa.
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Os Filhos De Sétimo (saga O Turno Da Noite Vol.1) André Vianco
VampireO Turno da Noite surgiu para agitar o submundo. Quatro vampiros recém-trazidos para a vida noturna são atraídos por um vampiro ancião que vive em São Paulo. Ignácio oferece proteção e ensinamentos para os novatos em troca de suas habilidades para lu...