Capítulo 02

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— Isso não significa que seja um fantasma, Alene! — Lynn declarou, tentando desesperadamente negar a realidade de ter urinado no chão do meu quarto na noite anterior.

— Você, literalmente, se mijou de medo, e agora está recusando acreditar? — eu falava enquanto o seguia pelo corredor da escola. Meu amigo, diferente de mim, andava rápido e olhava para os lados a todo momento, ignorando o contato visual comigo.Eu conhecia aquela reação. Era o típico comportamento dele quando ficava nervoso ou com medo, como daquela vez em que assistimos Atividade Paranormal — por mais ridículo que fosse o filme — e ele passou semanas evitando crianças, incluindo meu irmão.

Houve somente uma vez que ele foi me visitar, após duas semanas de termos assistido ao filme. Lynn chegou alarmado na minha casa, andando rápido e olhando em todas as direções possíveis a procura de uma cabeleira ruiva. Foi quando ele encontrou o meu irmão jogando videogame e quase enlouqueceu. O fiz sentar ao lado do meu irmão para ele ver que não tinha que ter medo, que aquele filme estava longe de ser real. Entretanto, Lynn passou o dia inteiro fazendo o meu irmão jurar que não conhecia nenhuma Kate e nenhum Toby.

— Merda, Alene! Não vai espalhar isso, né? — Ele parou de andar abruptamente, fazendo com que eu trombasse no peito dele. Lynn me encarava com o olhar fulminante, enquanto eu tentava segurar o riso.

— Claro que não, babaca. Agora anda, a aula vai começar. — Empurrei-o para dentro da sala antes que ele tivesse tempo de lançar outra de suas caretas irritadas.

-x-

Naquela tarde, meu irmão Valentim decidiu que o parque era mais importante que minha sanidade mental. Não que ele tenha pedido com educação. Primeiro vieram os choramingos, depois os olhares de cachorro sem dono, e, finalmente, a chantagem emocional: "Se você não me levar, vou contar pra mamãe que você guarda chocolate naquele potinho de costura do armário!". Aquele demônio em forma de criança sabia exatamente onde atingir. Não tive escolha. Entre perder meu esconderijo e arrastar o pequeno terrorista ao parque, escolhi a segunda opção.

Claro que ele fez questão de transformar tudo em um teste de paciência. Primeiro, a exigência materna do capacete. Era amarelo, reluzente e tão chamativo quanto uma placa de "Cuidado, Zona de Obras."

— Você queria ir ao parque, Valentim. Agora aguenta o capacete da vergonha. — Apertei a trava em seu queixo, sem nenhum remorso.

— Ai! — ele reclamou, com aquele tom dramático digno de um Oscar.

— Ah, nem doeu! — fiz uma careta e ajeitei-o na garupa da bicicleta. — Segura firme, pirralho. Se você cair e morrer, é a minha cabeça que vai rolar.

Ele me lançou uma de suas caretas de "te odeio agora, mas te perdoo depois", antes de me mostrar a língua. Adolescente ou não, eu ainda era um ser humano e soltei uma risada. Ele revirou os olhos, mas segurei firme no guidão e comecei a pedalar.

Ignorei Valentim por um tempo, enquanto ele fazia barulhos irritantes e brincava de ser meu co-piloto: "Mais rápido! Não, mais devagar! Vira à esquerda! Por que você pedala como uma velha?". Mas minha atenção logo foi roubada pela paisagem. O parque estava vivo, a natureza vibrava, e, por um instante, consegui esquecer o demôniozinho grudado atrás de mim.

Quando finalmente chegamos, Valentim arrancou o capacete e o atirou na minha direção como se fosse a bola de um campeonato. Antes que eu pudesse xingar ou devolvê-lo, ele já corria para brincar com outras crianças, rindo e cheio de energia. Se ele era um furacão comigo, parecia uma tempestade completa com os amigos.

He Can't See Me • h.sOnde histórias criam vida. Descubra agora