Capítulo 11

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.....

Harry

   O silêncio pairou entre nós. Talvez eu tivesse sido bem rude com Alene, mas era ruim para mim. Era uma questão pessoal sobre eu gostar de estar em boa aparência para mim e para quem vê. Isso me tornava normal de novo. Não que eu fosse anormal ou uma espécie de monstro somente por eu não conseguir enxergar, mas talvez a definição fosse: diferente. Às vezes era complicado ser diferente.

    Eu me esforçava constantemente para eu não usar minha cegueira como um empecilho. Ela não poderia me atrapalhar de fazer as coisas. Mas ainda era difícil para mim. Estava em um processo. A maturidade vem com o tempo. É o que Gemma sempre diz.

― Ok. Desculpe, tudo bem? ― escutei o timbre amável da voz de Alene sonar em meus ouvidos, e senti sua mão tocando de leve em meu ombro.

― Tudo bem. ― fiquei um pouco sem graça por ter transformado aquele clima agradável naquela coisa desconfortável. Eu tinha esse dom de as vezes conseguir transformar da água para o vinho. Mas eu gostava mais de quando eu deixava o ruim no bom, e não ao contrário.

― Eu tenho uma surpresa para você. ― ela disse e segurou em meu pulso. Levantei-me na mesma hora, como um extinto, deixando a sacola do Mc Donald do lado. Não iria mais comer. Aquela frase surgiu na hora perfeita para ser a própria transformação da água para o vinho. Iria seguir a surpresa de Alene para o clima agradável voltar à tona. — Nossa que rápido. ― escutei suas risadas e me toquei do quanto isso foi esquisito.

   Senti minhas bochechas esquentarem de vergonha, e se eu pudesse me enxergar em um espelho qualquer, diria que eu apresentaria um visível rubor no rosto. Lembro-me bem de como eu era na infância, e minha cor era bem clara. Em virtude do clima não-tropical de Carolina, eu devo continuar o mesmo branquelo de antes. E agora, envergonhado, passou pela minha cabeça que eu tenha agido como um desesperado. Talvez, ela tenha entendido de uma maneira errada. Porém, seja o que for essa surpresa, eu só a usei como saída para Alene não ficar chateada comigo.

   Ela entrelaçou os braços no meu e começou a me guiar para direção onde eu sempre escutava os pássaros. Percebi isso porque os cantares deles começaram a ficar mais altos e subitamente sorri com isso. Eu adorava ouvi-los.

   Mesmo não fazendo ideia de como era aquele lugar onde os pássaros estavam, eu sempre imaginava uma área mais isolada e mais verde. Com árvores grandes e tingidas em um tom de verde escuro. Na minha mente, eu colocava naquele lugar, algumas flores também no chão, e eu esperava, sinceramente, que tivesse.

   Quando Alene parou, ela tirou os braços do meu e eu fiquei inerte como um poste tentando entender que surpresa era aquela. Senti suas mãos tocando em minhas mãos e ela colocando um pincel sobre minha palma. Fiquei confuso com o seu gesto e, principalmente, surpreso. Deslizei meus dedos pela madeira e pelas cerdas macias do pincel, e enfim reconheci. Era meu. Franzi o cenho no mesmo instante, tentando entender o que a garota propunha para mim.

― O que você está fazendo? ― perguntei.

― Quando pequena eu ia à exposições de arte com o meu pai e eu o perguntava porque os artistas pintavam tais coisas. Meu pai dizia que eles pintavam o que sentiam. Eles eram inspirados! ― ela disse, e parecia como em cada palavra dita eu conseguisse imaginar seu sorriso. ― naquele dia em que fomos comprar suas tintas, você me disse que estava sem inspiração. ― a senti entrelaçando meu pulso com seus pequenos dedinhos e me puxando para frente. ― acho que você está carregado de emoções, e pronto para pôr em pratica. — e ela levou a minha mão para a tela a minha frente. Meu coração começou a acelerar e eu não conseguia me definir naquele momento. Como Alene disse, carregado de emoções, eu deslizei os dedos pela tela, e deixei que o cantar dos pássaros, tão alto quanto eu ouvia no banco, consumisse à minha alma.

He Can't See Me • h.sOnde histórias criam vida. Descubra agora