A Verdade

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Something just isn't right
I can feel it inside
The truth isn't far behind me
You can't deny
When I turn the lights out
When I close my eyes
Reality overcomes me
I'm living a lie
(TogetherAvril Lavigne)

   — Davina, — senti alguém me chacoalhando e ouvi no tom de voz de Melissa um certo quê de desespero — Davina, por favor acorde...
  Abri meus olhos e foquei no ambiente escuro à nossa frente, as paredes eram de uma pedra fria e lisa, a única luz que entrava vinha de uma pequena abertura na porta de ferro. Levantei-me e olhei ao redor.
  — Só pode ser brincadeira — sabia que era inútil, mas mesmo assim tentei abrir a porta.
  — Você acha mesmo que se a porta estivesse aberta, — Melissa sentou-se na cama onde eu estava e me olhou com uma expressão cansada — nós ainda estaríamos aqui?
  — Fico feliz em saber que você não me largaria neste lugar — sentei-me ao seu lado, cama não era bem a palavra certa para descrever aquele colchão fino sobre a pedra fria.
  — Isso é irônico — comentou Melissa colocando a cabeça em meu colo — "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade" — citou, e indicando a cela em que estávamos, completou — Isso não me parece muito com espírito de fraternidade.
  — Onde estão os direitos humanos quando precisamos? — ironizei sem nenhum pingo de humor em minha voz.
  Ficamos um longo tempo sem fazer nada, apenas observando o escuro, o sono veio se apoderando de nós e algum tempo depois estávamos dormindo novamente.
 

Ouvi as dobradiças da porta rangendo, me levantei tomando cuidado para não acordar Melissa e encarei as três figura que adentraram na cela. Na penumbra do ambiente eu não conseguia ver suas faces, mas sabia que eram maiores e bem mais fortes do que eu, portanto lutar seria inútil.
  — Fiquem calmas, — disse o do meio, sua voz era doce e tentava me passar segurança — Não vamos machucá-las.
  — Então nos sequestrou porquê? — disse Melissa ironicamente — Por acaso queria companhia para o chá da tarde?
  — Se não posso matar a mais velha, — disse a garota que estava à direita do rapaz que tentava nos tranqüilizar — Deixe-me ao menos matar a insolente.
  — Você não vai encostar nela! — disse um garoto que estava à esquerda, fora ele quem separara Melissa de mim, e ao ouvir sua voz dei um passo para trás procurando por minha irmã que agarrou ambas as minhas mãos.
  — E a pessoa a me impedir de fazer isso seria você? — provocou a garota.
  — Chega Andrômeda! — pediu o rapaz do meio, depois se voltou para o garoto que estava com os punhos serrados e tocou-lhe o ombro — Paz Alec. Não vamos machucar ninguém, — disse para todos nós — Mas a partir de hoje as senhoritas são nossa hóspedes, nunca mais sairão desta casa...
  — O termo correto para isso é prisioneira — interrompi.
  — ... Vocês tem duas opções — prosseguiu como se eu nada houvesse dito — Podem vir conosco e ser acomodadas em quartos suntuosos como verdadeiras hóspedes, ou podem ficar aqui e se tornar verdadeiras prisioneiras. A escolha está inteiramente em suas mãos.
  Olhei para Melissa e pensei no que era melhor para ela, poderíamos morrer de frio naquela cela escura e eu não confiava muito que eles nos trariam comida e água...
  — Espero que a sua palavra valha de alguma coisa — apesar de seu rosto estar envolto por sombras, pude ver o traço de um sorriso no rosto do rapaz do meio ao liberar a passagem para Melissa e eu.
  O corredor era feito da mesma pedra fria que a cela, por isso não me senti tão confortável nele.
  — Meu nome é Sebastian, — disse voltando-se para nós assim que trancou a porta, seus cabelos eram dourados como o nascer do sol, sua pele era branca e imaculada e suas feições belas transmitiam paz ao meu coração que bateu acelerado, mas apesar de toda a aparência tranquila, seus olhos eram completamente frios, olhos que já viram de tudo, olhos que contemplaram face a face a morte — Dou minha palavra de honra que nem eu, meus irmãos ou qualquer um de nossos criados nunca irão tentar machucá-las.
  — Como eu disse antes, — falei encarando seus olhos frios enquanto ele encarava os meus apavorados — espero que sua palavra valha de alguma coisa.
  — Pode ter certeza de que vale. — respondeu e depois virou-se seguindo seus irmãos, Melissa e eu não tivemos outra opção que não fosse segui-los.
  Conforme íamos andando, Sebastian virava para trás, presumo que para ter certeza de que Melissa e eu ainda continuavamos os seguindo e quando percebia que eu também o observava, sorria como se realmente estivesse feliz por termos escolhido ser suas hóspedes.
  Alec, que caminhava à frente de todos, levantou a porta do alçapão e após subir ele estendeu a mão para Melissa que me olhou desconfiada. Fiz um aceno positivo e ela aceitou a ajuda, depois de puxa-la, Alec continuou a guiar Melissa pelo corredor, Andrômeda havia sumido, deixando Sebastian e eu sozinhos na escuridão.
  Olhei em volta procurando por algo que me auxiliasse a subir e soltei um longo suspiro ao perceber que Sebastian era minha única opção. Ele caminhava em círculos ao meu redor, fazendo com que eu me sentisse exposta e vulnerável, permaneci parada sem mover um músculo. Finalmente ele parou atrás de mim e pairou suas mãos ao redor de minha cintura em um pedido de permissão silencioso.
  — Fará alguma diferença se eu disser que não? — perguntei impaciente.
  — Acredite, — ele segurou firme porém gentilmente minha cintura e sem esforço algum lançou-me para cima, logo depois subiu atrás de mim — Eu nunca encostaria em você para qualquer coisa sem a sua permissão.
  — Tenho sérias dúvidas — mormurei.
  Assim que as palavras terminaram de sair de minha boca, Sebastian me atirou contra a parede e disse com os dentes serrados:
   — Você não sabe quem sou, nem do que sou capaz, portanto, não me provoque!
  Um eletricidade preencheu o ar e uma vontade enorme de beijá-lo subiu por meu corpo, era evidente que ele sentia o mesmo, sua boca foi ficando cada vez mais próxima e faltando apenas alguns milímetros sussurrou:
  — Peça — eu estava completamente perdida, até que ele esclareceu sem se afastar um centímetro sequer — Eu prometi que não a tocaria para qualquer coisa, fosse ela boa ou má, sem a sua permissão.  Peça, e eu farei de você uma mulher realizada... — sua boca chegou perto de meu ouvido e ele sussurrou em um tom sedutor — Apenas peça Davina...
  — Me beije, — minha voz não passou de um sussurro quase inaudível e antes que eu terminasse de falar, a boca de Sebastian já estava na minha.
  O beijo de Sebastian era doce, gentil, em palavras mais exatas, era inacreditável. Apesar de todas aquelas sensações, a imagem de Percy me veio à mente e naquele momento me dei conta de que estava traindo meu namorado.  Coloquei minhas mãos no peito largo de Sebastian e antes que eu pudesse afastá-lo, uma luz branca surgiu entre minhas mãos e seu peito, jogando-o contra a outra parede do corredor e deixando-me intacta onde estava.
  — Quantas vezes eu já não lhe disse para não mexer com bruxas brancas, menino Sebastian? — disse uma senhorinha baixinha e enrugada que o ajudava a se levantar.
  — Me desculpe Alma, — disse dando um leve sorriso de criança travessa — Você me conhece, sabe que não gosto de nenhum tipo de bruxa, mas ela... — ele olhou no fundo de meus olhos assustados que ainda não compreendiam nada — ... Ela é linda.
  — Sim, eu concordo, ela é linda. Mas você sabe o que ela é, — Alma lhe lançou um olhar sério — e principalmente, você sabe o que tem que fazer.
  — O que eu sou? — falei alternando meu olhar entre os dois, e então foquei em Sebastian — E o que você deve fazer?
  — Você ainda não contou a ela? — Alma lhe lançou um olhar desaprovador.
  — Eu esperava que a sua delicadeza feminina pudesse dar conta disso... — Sebastian me olhava de uma forma receosa.
  — Vamos querida — disse Alma envolvendo minha cintura — Isso não é uma conversa para se ter no meio do corredor.
  Alma me guiou por corredores que ostentavam vários tipos de pinturas e artefatos, e um tapete vermelho com bordas douradas se estendia até onde os olhos podiam ver. Ela parou em frente à uma porta dupla branca com detalhes dourados e a abriu para mim, um belo quarto luxuoso com paredes cor de creme se estendeu à minha frente, havia uma lareira com belos lobos cinzentos esculpidos em sua moldura e um belo quadro de uma paisagem maravilhosa estava pregado logo à cima da lareira.
  Alma se sentou na cama enorme de madeira nobre, sentei-me ao seu lado e ela disse passando as mãos pelos meus cabelos cor de rosa:
  — Eu não gosto de rodeios, por isso vou direto ao ponto...
  — Alma? — interrompeu Sebastian.
  — Sim?
  — Eu acho melhor você ser um pouco mais delicada, — sugeriu com uma voz doce — Ela cresceu alheia ao nosso mundo, pode ser um choque...
  — Davina querida, — prosseguiu Alma sem se importar com o aviso de Sebastian — Você acredita em magia?
  — Mas é claro que não! — respondi sem pestanejar.
  — Isso é porque você cresceu em um mundo sem magia ao qual você não pertence. Você Davina, pertence ao nosso mundo.
  — Ao seu mundo? — perguntei meio desconfiada do papo de maluco em que estávamos adentrando.
  — Um mundo onde há magia, reis, rainhas, fadas, elfos e todo o tipo de criatura mágica — disse Sebastian olhando pela janela — Um mundo de "conto de fadas"...
  — Bem, Davina — Alma atraiu minha atenção novamente para si — A questão aqui é que você deve acreditar em magia pois é isso que flui do seu ser. Você é uma bruxa Davina...
  — O quê?! — levantei e me afastei de Alma — Isso é impossível, magia não existe!
  — Então o que foi aquilo que você fez quando Sebastian estava te beijando? — as palavras de Alma me deixaram muda, ela me olhou no mais profundo de meus olhos e disse calmamente — Se magia não existe, o que é isso que você está fazendo agora?
  Ao olhar ao redor, tudo que estava à minha volta flutuava, a lareira havia se acendido sozinha e lá fora o céu estava escuro e cheio de nuvens, uma tempestade se aproximava, uma tempestade que fora convocada por minha magia...
  Cai de joelhos e tudo voltou ao normal, o céu voltou a ficar azul e sem nenhuma nuvem, o fogo se apagou e as coisas que antes estavam flutuando voltaram aos seus lugares. Sebastian fez sinal para Alma nos deixar sozinhos, ao passar por mim, Alma me deu um beijo na testa e então saiu.
  Sebastian se ajoelhou à minha frente e passou as mãos pelos meus cabelos, seu olhar era estranho pois eu não conseguia identificar. 
  — Eu deveria te contar o porquê de termos te arrancado de seu mundo e a trazido para o meu... — suspirou.
  — Por favor, não. — pedi — Já tive informações suficientes para um dia só.
  Sebastian apenas concordou e voltou para a janela, depois de algum tempo o observando parado e imóvel olhando para fora, me levantei e fiquei ao seu lado, meus olhos não acreditaram no que viram e foi preciso que Sebastian me sustentasse. 
  Estava escurecendo e a floresta ao nosso redor ia ficando cada vez mais negra, depois dela haviam vários casebres e de suas chaminés simples saía uma fumaça tímida. Ao fundo, protegido por uma muralha enorme e milhões de guardas, havia um palácio enorme feito de pedras brancas, os muros eram quase tão altos quanto o palácio era bonito e a mais alta torre parecia arranhar o céu, Sebastian apontou para ela e disse:
  — Foi lá que você nasceu, aquele é o palácio de seus pais. Dizem que na mais alta torre, depois de vinte horas em trabalho de parto, a rainha deu à luz a uma menininha de cabelos brancos na mesma hora em que a lua estava no seu ponto mais alto no céu.
  — Meus cabelos não são brancos. — falei com os olhos ainda colados no palácio — Eles são...
  — De um loiro tão claro que chaga a ser branco — cortou-me Sebastian e se virou para me encarar.
  — Como sabe disso? Faz anos que comecei a pintá-los — olhei em seus olhos puramente negros.
  — Eu nunca tinha reparado que seus olhos são violeta — ele chegou seu rosto muito perto do meu e continuou a fitar meus olhos violetas — Parecem até duas fluoritas...
  Sua aproximação fazia minha respiração acelerar e eu podia sentir algo se agitando dentro de mim. Os olhos de Sebastian vagavam por meu rosto, mas seu foco principal era minha boca.
  — Pode beijar — falei sem pensar, parecia que a presença de Sebastian esvaziava minha mente.
  Sebastian me tomou em seus braços e caminhou em direção à grande cama, ele me colocou deitada perto da beirada e se sentou ao meu lado, inclinando seu corpo sobre o meu, pousando sua boca na minha. Involuntariamente comecei a pensar nas coisas mais bonitas que já vi e senti e deixei que aquilo inundasse Sebastian também, ele sorriu e disse traçando uma trilha de beijos por meu pescoço:
  — Você é tão inocente Davina, quase me faz querer arrancar isso de você... — seu tim era sombrio e eu me retraí ao ouvir aquilo, Sebastian parou de me beijar e seus olhos negros brilharam de desejo — Você é sábia em sentir medo de mim, mas algo aqui dentro — e tocou o coração — me diz que eu nunca teria coragem de ferir alguém tão puro como você.
  — E arrancar minha inocência fará você se sentir melhor? — perguntei sem pensar.
  — Não — ele saiu de cima de mim e apoiou os cotovelos nos joelhos — Eu me sentiria horrível, me sentiria um monstro se te arrancasse sua pureza.
  Abri minha boca para responder quando Alec entrou no quarto e sem cerimônia alguma se sentou na poltrona perto da lareira.
  — Não sabe bater ao entrar no quarto das pessoas? — perguntou Sebastian lançando um olhar mortífero a Alec.
  — Sou um dos donos dessa casa — deu de ombros e acrescentou — Andrômeda quer conversar sobre o que vamos fazer com ela.
  — Não vamos fazer nada com Davina. — Sebastian não ergueu somente a voz, mas também o corpo — A partir de hoje Davina também será dona desta casa e você a tratará como tal, começando por pedir permissão para adentrar em seu quarto!
  Alec me lançou um olhar de ódio e saiu do quarto, ao se virar novamente para mim Sebastian estava com um olhar mais ameno:
  — Me desculpe por isso, acho que depois de tanto tempo comigo e Andrômeda, ele se tornou uma pessoa amarga — ele sorriu e acrescentou — Creio que Melissa pode resolver este problema.
  — Não sei se quero Alec perto de minha irmã — falei em tom firme.
  — Ele tem uma boa alma Davina, ele pode mudar. — Sebastian se ajoelhou a minha frente e disse — Eu não sei o que você tem de tão especial, mas sinto que você pode me mudar, eu sinto que posso mudar por você. Minha alma é mais escura que a de Alec, então se eu posso mudar, porque ele seria diferente?
  — Ninguém pode ser ajudado se não quiser ser ajudado. — respondi.
  — Tenho certeza de que por Melissa ele quer ser ajudado — Sebastian tomou minhas mãos e olhou em meus olhos, a escuridão sem fim de seus olhos contemplando o brilho cegante de duas fluoritas — Eu quero ser ajudado Davina, mas a questão aqui é: você quer me ajudar? 
  — Eu não posso te ajudar se você não me contar o que aconteceu.
  — Você me pediu para não contar, disse que era informação demais para um dia.
  — E é mesmo! Digamos que é meio surreal ser sequestrado e acordar em casarão da era vitoriana, e uma governanta super simpática joga a bomba no seu colo e supresa! Você é uma bruxa!
   — Bem, então façamos assim, amanhã vamos ao jardim para conversar e você decide se quer me ajudar ou não.  — ele acariciou meu rosto e plantou um beijo em meus lábios, estava prestes a abrir a porta quando eu disse:
  — Como sabe que gosto de jardins?
  — Digamos apenas que eu venho te observando a algum tempo e sei algumas coisas sobre você... — ele deu um sorriso tímido e saiu.
  Depois de algum tempo Alma veio trazer meu jantar e notícias de que Melissa estava bem, ela abriu uma porta que ficava no canto do quarto e que escondia um banheiro luxuoso. Depois de um longo e relaxante banho, Alma me ajudou a vestir uma longa camisola branca de alcinhas.
  Acordei no meio da madrugada com uma sensação horrível de estar sendo observada. O quarto estava mergulhado na completa penumbra, eu não conseguia enxergar um palmo à frente do meu nariz mas sabia que havia alguém ali.
  Como que para testar minha magia, fechei meus olhos e me concentrei, ao abri-los novamente o quarto estava completamente iluminado e Sebastian me observava sentado em uma poltrona grande perto da cama.
  — Eu espero que isso não a incomode — disse após muito tempo calado.
  — Bem... — eu estava meio sem graça e achava aquilo bastante bizarro, mas não queria que Sebastian fosse embora — Pode ficar.
  Ele se levantou e sentou na cama, acariciou meu rosto e olhou em meus olhos.
  — Seria bem mais fácil se você simplesmente pedisse — falei sob seu feitiço, a bruxa podia ser eu, mas quem enfeitiçava era ele.
  — Posso? — seu olhar era cheio de expectativa e em resposta me afastei um pouco da beira para que ele se ditasse ao meu lado.
  Assim que Sebastian se deitou, pousei minha cabeça em seu peito e ele me envolveu com seus braços fortes, algum tempo depois, peguei no sono.

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