- Vejamos... Você vai trabalhar... Como faxineira?
- Temporariamente. - eu disse à minha irmã, enquanto ela dava voltas pelo quarto.
- E quanto dura esse tempo?
- Não mais que três semanas. Pode escrever o que digo: quem quer que more nessa casa não vai me aguentar por mais tempo que isso.
- Só, pelo amor de Deus, não arranje nenhum problema muito grave! - a garota disse, visivelmente preocupada.
- Claro que não. Eu sei me cuidar, sua pestinha. Agora me dá um abraço. - Liz sempre pareceu a mais velha de nós duas. A menina era realmente esperta, não fútil como a maioria das garotas da idade dela.
- Mas me diga, sinceramente, você está com medo? Por que esse Lorde não tem uma reputação nada boa. - a menina continuou.
- Não tem nada para se ter medo. É só mais um cara rico que se acha grande coisa. Vai ficar tudo bem, Liz, eu prometo. - a abracei mais forte.
Eu passei o resto daquela tarde trancada no quarto, tentando ler um livro enquanto minha irmã estudava com uma lupa uma espécie de mapa. Depois de folhear as páginas do que costumava ser minha peça de Shakespeare predileta por horas a fio, decidi ir até o jardim para respirar.
Era uma paisagem verde com flores de diversas cores diferentes que enfeitavam o local como as presilhas que ficavam no cabelo da minha mãe. A diferença era que essas presilhas eram completamente cafonas. Margaret estava muito bem para os seus quase quarenta anos e eu simplesmente não entendia como ela continuava parecendo jovem sendo uma pessoa tão avarenta e cruel.
A noite já havia chegado, e a pouca iluminação do lugar me dava arrepios. Fazia muitos dias que eu não visitava o que costumava ser meu local preferido da casa. Acho que de todos os desnecessários treze quartos, três salas, dois escritórios e quatro salas de jantar, aquele seria o único lugar do qual eu sentiria falta.
Eu caminhava por entre as árvores muito bem tratadas que, por incrível que pareça, produziam frutos quase o ano inteiro, enquanto assobiava uma das sonatas de Beethoven. A essa hora, provavelmente o jardineiro já havia ido embora e eu teria um pouco de paz para passear e colher algumas flores. Mesmo eu não gostando muito de natureza, eu podia me sentir segura e acolhida naquele lugar.
O jardim também tinha diversas esculturas daquelas que eram da moda, como anjos tocando harpas ou com flechas de cupido. Foi de trás de um desses monumentos que ele apareceu. Dei um grito que foi abafado pelas minhas próprias mãos.
- Terence, você me deu um susto! - gritei, me jogando em seus braços.
- Shhh...Sentiu minha falta? - o mais velho dos meus irmãos disse, pegando-me no colo.
- O que está fazendo aqui? E a faculdade? - continuei falando bem alto.
- Se você parar de gritar eu conto, filhote de gralha. - deu um tapinha na parte de trás de sua cabeça.
- Ah, seu idiota. Diz logo. - agora eu sussurrava.
- Bem, digamos que eu tenha largado a universidade escondido e decidido que eu ia gastar a minha parte na herança viajando pelo mundo. - ele falou, orgulhosamente.
- Sério? Você é meu ídolo. Mas é maluco.
- Agradeço o elogio. Mas não vai perguntar o que nossos pais acham disso?
- Não mesmo. O que eles pensam já não me interessa mais.
- Ótimo, pois você é a única que sabe e permanecerá assim. Agora eu preciso ir. - ele disse isso enquanto passava a mão pelo meu cabelo. - Sempre adorei sei cabelo! - sorriu.
- Espera, Terence! Nossos pais vão descobrir de qualquer jeito... E eu não quero ficar sem você!
- Quando eles descobrirem, quero estar o mais longe possível daqui. Espero que um dia você possa ter a oportunidade de ser livre como eu. A propósito, fique com uma das minhas pulseiras... A de flores, você sempre gostou dela. E mande lembranças para Liz. - eu pude ver que seus olhos estavam começando a avermelhar. Ele me deu um último abraço forte e se foi, sem ao menos me dar a oportunidade de falar nada, rápido como uma raposa. Por um momento, esqueci do Lorde K, do trabalho e da crueldade da minha mãe e comecei a somente pensar no Terence.
Eu amarrei a pulseira em meu braço direito com um nó tão apertado que, na minha concepção, jamais seria desfeito, me ajoelhei no chão molhado de neve derretida e comecei a chorar incessantemente, pois eu sabia que esse tipo de coisa meus pais nunca perdoariam.
Voltei para o meu quarto desolada, tentando tirar da minha mente a ideia louca de fugir. Fugir de casamentos arranjados, de uma família rigorosa e de uma felicidade de aparências. Naquela noite, eu não dormi nem por um minuto. Pela primeira vez em anos prestei atenção em o quanto a lua é bonita e em quantas coisas eu iria deixar para trás no dia seguinte. Sonhei acordada com diversas possibilidades de destino e futuro e tentei, em vão, decidir o que fazer a respeito da minha vida.
Quando eu levantei pela manhã, a Liz já estava acordada me esperando. Ela tinha feito as minhas malas, uma coisa que me surpreendeu, e disse que o papai queria falar comigo.
Fui até a sala principal, onde ele estava sentado numa poltrona de frente para a porta. O homem de quase cinqüenta anos se levantou, beijou minha testa e disse:
- Adeus minha filha. - de um modo ligeiramente frio.
- Só isso? Nem um "vou sentir sua falta" ou "te amo"? Errei em esperar mais de você, pai. - ele simplesmente abaixou a cabeça e ficou em silêncio. - Vou embora.
Eu fui até o meu quarto, troquei de roupa, me despedi de cada criado e empregado que tinha feito parte da minha criação, peguei minhas malas e saí. A charrete estava me esperando na rua.
- Gretta, espere! - ouvi minha irmã chamar. - Vice não vai embora sem me dizer adeus.
- Eu jamais faria isso. - abracei a jovem menina e sussurrei em seu ouvido:
- Terence mandou lembranças. - Liz sorriu.
Entrei na charrete que era guiada por três cavalos que pareciam estar bem cansados e desgastados. Eu não era a única dentro do veículo, outras duas moças que pareciam ser de uma classe social bem inferior à minha me encaravam dando risinhos.
A viagem foi bem longa e eu fiquei o tempo todo em silêncio tentando ignorar as mulheres que aparentavam ter uma idade próxima a minha falando sobre homens. Eu não podia aguentar tamanha futilidade. Finalmente, depois de quase cinco horas, eu pude ver a ilustre mansão do Lorde Kollantino. Era bem maior do que a minha casa e também bem mais assustadora. Imagino que esse Lorde não deva se importar tanto em seguir a moda quanto a minha mãe. Era uma espécie de castelo da época vitoriana no meio do nada. Quando chegamos, notei que tinham no mínimo outras cinco charretes paradas em frente a casa.
Descemos da charrete, vimos uma porta muito mais alta que eu e fomos atendidas por uma das dezenas de criadas que deviam trabalhar naquele "castelo". Era umas cinco da manhã e estava chovendo muito, o que era bem estranho para o nosso país, que quando não estava nevando, estava fazendo um sol desgraçado. A atmosfera daquele lugar não era nem um pouco boa e eu realmente não me sentia bem naquele castelo. Como se acontecesse algo de muito ruim ali que eu não podia evitar.
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Psicodelicamente
General FictionAVISO: A história não está completa e eu tenho demorado bastante pra fazer atualizações porque não tenho tido muito tempo para me dedicar a ela, mas eu não desisti de escrevê-la :) "A minha consciência tem milhares de vozes, E cada voz traz-me milha...