A criada guiou a mim e às outras 30 garotas por um corredor imenso que continha no mínimo quinze portas e vários lustres exuberantes. Fiquei maravilhada com como aquele simples corredor era bonito. Toda a casa tinha um aspecto sombrio e escuro, fazendo-me sentir um pouco de receio ao caminhar por entre os cômodos. A robusta mulher que era quase da altura de minha irmã mais nova explicou que, como somos empregadas, devemos sempre entrar pela porta dos fundos. "Uma grande idiotice.", pensei.
Depois de algum tempo andando incessantemente pelo castelo, paramos em uma das diversas salas de estar e descansamos. Sinceramente, esse tinha sido o passeio mais exaustivo e inútil que eu já havia feito em toda a minha vida, pois era bem provável que ninguém utilizasse nem um terço de todos aqueles quartos. A mulher, que eu descobri ser a governanta da mansão, deu a cada uma de nós um folheto que dizia onde iríamos ficar e todos os nossos afazeres diários. Também vi que a casa era dividida em sete áreas diferentes, duas para cada andar e uma para o último.
- Quero que vocês se dividam em filas: garotas com nome de A à E, F à J, K à O, P à T, U à Z. As regras desta casa são bem claras: não tocar em nada que você não for limpar; só entrar na área que for estipulada para você limpar; não fazer o que não mandaram você fazer; não sair de seu quarto depois das oito horas da noite; nunca, em nenhuma circunstância, entrar na última área sem ser autorizada e, por último, nunca dirigir a palavra a alguém que vocês não conheçam (O Sr. Kollantino tem muitos convidados). Se desrespeitarem alguma das regras, serão severamente punidas. - a mulher tinha uma voz imponente, que ecoava pelos nossos ouvidos como um ronco.
Ela também nos entregou um vestido bem cafona e tenebroso que se parecia com o que ela usava, rosa, mas o nosso era azul e sapatos, ao meu ver, bem desconfortáveis.
- Eu não vou usar isso. - eu disse, com um olhar provocativo.
- Então você que é a riquinha? - ela riu de mim. - Queridinha, se quiser trabalhar aqui, vai ter que aprender a fazer tudo que eu quiser. E se desobedecer, já sabe. Agora todas as filas vão para os seus quartos e se vistam. Aqui o trabalho começa cedo.
- A gente não vai começar hoje, não é? Estamos exaustas! - uma ruiva que parecia ter vindo de uma classe social melhor disse.
- Vocês favorecidas são uma comédia! - a governanta riu de novo. - A palavra cansaço não existe nesse lugar. Vão ter que aprender a trabalhar sem cessar. - ela passou o dedo em uma mesa de madeira que estava toda suja. - Está vendo esse pó aqui? Ele se renova a cada dia e a cada dia nós também temos que nos livrar dele! - riu novamente.
- Ah, me esqueci de uma coisa! - ela prosseguiu. - Vocês lavam suas próprias roupas, cuidam das suas coisas e não se atrasem nunca. Banhos no final do dia, antes do toque de recolher, e almoços ao meio-dia em ponto. E nunca, sobre qualquer circunstância tentem fugir. - ela lançou um olhar assustador em minha direção. - Agora andem!
Todas as garotas me olhavam como se eu tivesse vindo de outro planeta, o que já era de se imaginar, pois eu e a ruiva éramos as únicas que não vestiam o que minha mãe chamaria de " trapos". Pelo fato de várias outras garotas estarem na mesma situação que eu, comecei a achar que Margaret tinha me colocado em algum tipo de programa para jovens aprendizes, mas ao invés de ser mandada para uma universidade ou uma escola, fui mandada para limpar uma mansão. Que sorte!
Todos os quartos das empregadas ficavam no terceiro andar, e a minha fila, que era a segunda, ficou com os quartos que tinham janela. "Pelo menos algo bom.", pensei. Mas, enquanto tentava abri-la, ouvi a minha colega de quarto dizer:
- É melhor nem tentar abrir, porque se não podem achar que você está tentando fugir. Prazer, sou April. Você é Gretta, não é?
- Como sabe?
- Todas sabem sobre você. Sua mãe deve ser uma vaca, mesmo. - a loira riu.
- Nem me fale. - comecei a rir também. - Você está aqui há muito tempo? Não lembro de você junto com meu grupo.
- Três anos. As novatas dividem quartos com as veteranas. Renovamos as empregadas de três em três anos.
- Então o programa só dura seis anos? - perguntei.
- Na teoria, sim. Mas às vezes sofremos "pequenos acidentes".
- O quê?! - espantei-me.
- Nada com que você deva se preocupar agora. Vista logo seu avental, por que a jamanta vem aí.
- Quem? - Nessa hora, eu ouvi um bater de panelas nos corredores. Coloquei rapidamente aquele vestido horroroso e fui orientada a jogar minhas antigas roupas no lixo. Foi muito doloroso.
Depois eu entendi. O apelido da governanta era jamanta pelo fato da mulher ser muito corpulenta. Cômico. Naquele dia, eu fui designada a limpar a área quatro com outras seis garotas, incluindo a ruiva. Cheguei perto dela para tentar conversar, mas ela me olhou de um jeito tão amedrontador, que me fez parar de gostar da garota na hora.
Eu esfreguei o chão até a hora do nosso intervalo de almoço, e meu braço direito já estava quase ficando inchado. No refeitório, que também era no terceiro andar, as veteranas conversavam animadamente, enquanto as novatas encaravam umas as outras com olhares assustados. Eu quis sentar perto da April, que estava com outras seis ou sete garotas falando sobre algo que não fiz questão de prestar atenção. Era a pior comida que eu já tinha experimentado em toda a minha vida, e nos não tínhamos direito nem a um copo d'água. Eu não via a governanta - a propósito, seu nome era Frida.
O almoço durava vinte minutos, tempo que não fora suficiente para o meu braço melhorar. Então decidi procurar Frida para ver se eu podia colocar um pouco de gelo nele. Mas, antes que eu saísse do refeitório, uma das garotas que eu conheci quando estávamos limpando a sala me chamou e disse:
- Gretta, você pode me fazer um favor? Você parece ser uma garota legal.
- Que tipo de favor? - perguntei, desconfiada.
- Frida me pediu para buscar algumas frutas no armazém do lado de fora da casa, mas eu estou atolada em tarefas e soube que você já terminou as suas. Pode fazer isso pra mim?
- Isso não vai me encrencar?
- É só ser rápida. Lavo suas roupas por uma semana. Fechado?
- Fechado.
Saí escondida da mansão por uma janela no térreo. O jardim era enorme mas bem mal cuidado. Ainda chovia muito, deixando a minha visão um pouco embaçada. Mas que droga! Eu estava ensopada!
Até que eu vi uma sombra que parecia um homem. Estava no estábulo, cuidando de um cavalo e parecia estar concentrado no que fazia. Corri até lá e disse:
- Bom dia, você sabe onde fica o armazém? - o cara simplesmente me ignorou e tossiu. Ele tinha um aspecto sombrio, e por mais que estivesse com a face maltratada, parecia jovem. - Ei! - eu disse, agora o cutucando. Dessa vez, ele nem dirigiu o olhar a mim, continuou cuidando do animal e tossiu mais uma vez. - Eu não gosto de ser ignorada! Já estou passando por muitos problemas, não preciso lidar com a falta de educação de uma pessoa que nem conheço! Quer saber? Eu descubro sozinha! - Nessa hora, o homem apontou com seu dedo magro para um galpão que não ficava longe de onde estávamos. - Obrigada. - eu disse, de um jeito debochado.
Mesmo muito empenhado com o que estava fazendo, o homem parecia ter dificuldade em escovar o cavalo corretamente. Então, com uma bondade repentina no meu coração, resolvi ajudá-lo, porque eu sempre gostei de cuidar do meu próprio cavalo. O homem continuou quieto, mas deu um sorriso discreto pelo canto da boca. Às vezes eu esquecia o quanto era legal ajudar as pessoas.
Caminhei com passos ligeiros até o local, mas antes que pudesse chegar lá ouvi uma voz que eu nunca confundiria.
- Aonde vai, riquinha?
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Psicodelicamente
General FictionAVISO: A história não está completa e eu tenho demorado bastante pra fazer atualizações porque não tenho tido muito tempo para me dedicar a ela, mas eu não desisti de escrevê-la :) "A minha consciência tem milhares de vozes, E cada voz traz-me milha...