Capítulo Dezesseis

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Lençóis limpos, travesseiros macios, roupas novas. Eu tinha me esquecido do quanto gostava de ser paparicada. Quando cheguei na mansão, devido ao meu estado sujo e ensanguentado, não deixaram eu entrar pela porta da frente. E antes de ver qualquer membro da minha família, as empregadas me deram um bom banho, me vestiram com o um dos meus melhores vestidos, me maquiaram e me perfumaram.

- Por aqui Srta. Darbus, me deram ordens para levá-la à seu quarto. - disse Betty, uma das empregadas mais antigas da casa. Trabalhava conosco desde que me entendo por gente.

- Não precisa, eu sei muito bem o caminho. Obrigada por tudo, mas está dispensada. - Era esquisito falar essa palavra. Fazia eu me sentir como uma figura de autoridade novamente. Sem mencionar o fato de me chamar de Srta. Darbus. Meu sobrenome nunca soou tão importante.

- Mas a Sra. Darbus me disse para assegurar de que você estará descansando em seu quarto até que ela vá te ver. - Será que Margareth realmente pensou que eu fosse tentar fugir? Posso ser um pouco egoísta, mas sou mais inteligente do que ela pensa. E também amo minha família, é claro.

- Isso vai demorar muito? Mal posso esperar para ver Liz... Sinto tanta falta dela! Está em casa? Consegue que ela venha me ver? - Realmente eu queria ver minha irmã mais do que qualquer coisa.

- A sua mãe quer que você não veja ninguém até que ela chegue em casa. Eu não deveria dizer, mas a menina Elizabeth está aqui sim. Imagino que esteja mesmo com saudades dela, sempre foram tão próximas... Então vou ver o que posso fazer.

- Muito obrigada, Betty! - dei um abraço apertado nela e fui para o quarto.

Logo que a porta bateu atrás de mim tive uma sensação engraçada. Uma mistura de felicidade e preocupação, ansiedade e medo. Pela primeira vez desde minha chegada a casa, eu estava completamente sozinha. Ver tudo naquele local exatamente como eu havia deixado me dava um sentimento de nostalgia. Passei a mão pelos móveis, perfeitamente limpos e bem-cuidados, folheei alguns dos meus livros preferidos, cujas páginas cheiravam a lavanda, até que finalmente deitei na minha antiga cama, que era macia como uma nuvem e afundei minha cabeça no travesseiro de plumas, adormecendo imediatamente.

Sonhei com Nikolai. Na verdade, desde que eu havia chegado na mansão, eu não conseguia parar de pensar nele. Mesmo com toda a gama de problemas que eu tinha para me preocupar, Nik não saía da minha cabeça. Eu não tinha mais a capacidade de sentir raiva dele ou de ficar zangada, tudo que eu sentia era saudade. Até mesmo de suas esquisitices e manias. Mas isso não fazia sentido algum, porque mesmo antes de existir a possibilidade de voltar pra casa, já não estávamos mas nos falando. Só que talvez o pensamento de nunca mais vê-lo de novo era o que me dava toda essa tristeza. Tínhamos realmente ficado próximos, e era um tipo de amizade que eu não queria perder, mesmo com o fato de ele ter sido um idiota na última vez que nos falamos. O que eu estava sentindo em relação a Nik era algo estranho que eu não sabia controlar. Precisava ficar perto dele.

Acordei com o barulho de alguém batendo na porta. Levantei num pulo na esperança de que fosse Liz. Mas infelizmente não tive sorte. A figura imponente de Margareth sorria para mim enquanto andava pelo quarto. Era repugnante ter que encará-la sem poder torcer seu pescoço. Eu estava fraca, desnutrida e emocionalmente destruída. Do jeitinho que ela queria. Ficou um bom tempo me observando com um sorriso sarcástico nos lábios até que finalmente falou.

- Você está pior do que eu imaginava. Não posso acreditar no que estou vendo. O que aconteceu com seu cabelo? Tão brilhoso, cheio de vida, agora está parecendo uma palha queimada! E essas olheiras?! Nenhum homem que se preze vai te querer desse jeito! - ela riu. Continuei parada fitando seus olhos azuis como gelo. - O que foi? A forte e corajosa Gretta não vai falar nada?! O tempo de trabalho pesado te deixou muda ou finalmente você aprendeu a respeitar a sua mamãe? - eu não podia deixar a raiva me consumir. Mas a vontade de acabar com a raça daquele monstro só crescia. Porém, não dei uma resposta malcriada, pois não sabia que cartas ela tinha na manga.

- Quando poderei ver a minha irmã?

- Não vai nem perguntar de seu pai? Mas eu não esperaria mais de você, sempre foi tão egoísta. Seu pai está doente. Irá vê-lo primeiro. Elizabeth pode esperar.

Margareth me guiou até uns dos inúmeros quartos dá casa, onde tinham improvisado uma enfermaria. Olhar para aquele lugar me fez lembrar de April. Todo o sangue e desespero me assombraram pelo tempo que fiquei no local. Mas eu só podia rezar para que ela e o bebê estivessem bem. Já pelo meu pai, não havia nada que ninguém podia fazer. Ele estava pálido, bem mais magro do que eu me lembrava e cheio de manchas espalhadas pelo corpo. Só aquela visão me deixava com uma vontade de chorar incontrolável.

- Gretta... Minha filha mais velha... Cof cof... - ele dizia enquanto eu andava até seu leito. - Não vou ficar nessa casa por muito tempo mais... E cabe a você cuidar dessa família... Cof cof... Porque Terence só me dá desgosto e sua mãe... Está abalada demais para tratar dos assuntos financeiros... - pude ver uma lágrima falsa cair do olho de Margareth.

- Mas pai, Gretta não tem nenhuma condição de administrar nossos bens, e eu como segundo filho mais velho que deveria fazê-lo. - eu não tinha reparado que Derek estava na sala até aquele momento. Tinha mudado muito em um ano. Parecia mais sábio e mais ganancioso também, como a mãe.

- Cof cof... Não cabe a você decidir, não é meu filho legítimo... Eu escolho Gretta porque sei que ela tem capacidade para guiar esta família... Sempre fora muito inteligente... - Ele me deu um sorriso, não pude conter as lágrimas, detestava vê-lo naquele estado.

- Está cometendo um erro enorme, meu pai! Eu vou me tornar um renomado consultor da área financeira e posso gerenciar nossa família muito bem! Já estamos no fundo do poço e essa garota vai jogar nosso nome na lama! - Derek estava visivelmente irritado e me dirigia um olhar de ódio. Eu não podia fazer nada além de ficar quieta.

- A decisão é minha... E você vai ter que aprender a lidar com isso... Cof cof. - meu pai disse e Derek saiu da sala transbordando de raiva.

- Querido, o que você fez? O meu filho é muito mais capaz do que essa... essa garota. Deve nos deixar na mão de alguém de confiança! A vida será insuportável sem você, mas eu me sentirei bem melhor em saber que o nosso dinheiro está sendo bem cuidado! - ela fingia chorar. Aquele teatrinho já estava me dando nojo. Ela só queria colocar as mãos no pouco do dinheiro do meu pai que restava, para torrá-lo com inutilidades, como fez durante toda a vida.

- Gretta é minha herdeira e pronto... Já estou decidido... Cof cof... Agora, pode nos dar licença por um minuto, Margareth? - a mulher saiu da sala ainda com aquelas lágrimas falsas.

- Eu quero te pedir perdão... Cof cof... Por ter sido um pai tão negligente e ter deixado vocês nas mãos daquela mulher... Cof cof... Me desculpe por ter concordado em te mandar para o castelo daquele monstro do Kollantino... Cof cof... E de ter sido um tonto esse tempo todo...

- Tudo bem, pai. Eu te perdoo... - eu via sinceridade em seus olhos. Era triste que ele só tivesse se dado conta do que estava acontecendo em seu leito de morte. Eu gostaria de ter tido esse pai valente e verdadeiro a vida toda. Não conseguia parar de chorar.

- Não chore, minha criança... Eu te amo muito, mesmo que não tenha demonstrado... Cof cof... E confio em você para reerguer nossa família...

- E eu vou pai, não irei te decepcionar.

- Tenho certeza de que não irá... E diga para o seu irmão... Que eu também o amo e que ele... Ele vai conseguir te salvar... - deu um último sorriso, e se foi. Mais em paz do que nunca esteve durante toda a vida.

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⏰ Última atualização: Apr 03, 2019 ⏰

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