Capítulo Onze

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Os olhos de Nik reviraram discretamente quando viram o homem que estava na nossa frente. O fantasma parecia não gostar muito dele, ao meu ver, um sentimento recíproco.

- Sou Gretta, mas, presumo que você já sabia disso. Como todo mundo... - eu disse.

- Na verdade, não. Se eu soubesse, por que perguntaria? - ele beijou minha mão e demos um sorriso discreto.

- E você, qual é o seu nome? - perguntei, intrigada por nunca tê-lo visto antes no castelo.

- Minha cara, o que há pois, num nome? Aquilo a que chamamos de rosa, mesmo com outro nome, cheiraria igualmente bem. - falamos a última frase juntos.

- Romeu e Julieta! - eu disse. Era bem estranho um homem como ele saber citar Shakespeare.

- Você gosta? É uma das minhas prediletas.

- Gosto muito. Mas ainda prefiro "A Megera Domada".

- É ótima também. Soube que vão apresentá-la no teatro da cidade amanhã a noite. Se importaria de me acompanhar?

- Primeiramente, já que não há importância em saber seu nome, como devo lhe chamar?

- Me chame apenas de Will.

- Nossa, que criativo! - debochei.

- Quero que Shakespeare seja uma espécie de elo para sustentar nosso relacionamento. - ele falava de maneira filosófica.

- Que relacionamento? - eu estava começando a ficar receosa por causa de sua ousadia.

- O que está prestes a começar, minha cara. - beijou minha outra mão e saiu da sala sem me dar a oportunidade de dizer mais nada.

Nik revirou os olhos mais uma vez e voltou a tocar de onde havia parado, como se nada tivesse acontecido. Era uma das características que eu mais gostava nele, o fato de ignorar situações indesejadas. Mas eu tinha até gostado da presença do "Will", fiquei me perguntando o que ele fazia aqui no castelo e também queria muito ir ao teatro da cidade em sua companhia.

Depois de mais alguns minutos ouvindo o terceiro movimento de sonata ao luar, voltei para o meu quarto. Eu estava andando tão rápido que, enquanto descia as escadas, esbarrei violentamente em um homem estranho que também parecia estar com pressa. Me desculpei, ele respondeu de um jeito meio embolado que quase não pude entender e saímos andando. Mesmo eu não conseguindo ver direito seu rosto, alguma coisa nele me parecia muito familiar. Mas esqueci, pois só deveria ser mais um dos inúmeros convidados do Sr.Kollantino que rodeavam a casa de noite.

Quando cheguei no pequeno cômodo que eu dividia com April, Vi que estava vazio. O que era bem esquisito, pois já era a hora de dormir e todas deveriam estar em seus respectivos quartos. Comecei a ficar preocupada. Pensei em sair para procurá-la, mas eu sabia que se eu abrisse a porta do quarto, poderia ser surpreendida por Frida, que me levaria de volta aos calabouços. Fora de questão. Mas eu não podia simplesmente ignorar o desaparecimento da minha nova 'irmã'. Tinha de fazer alguma coisa.

Então, com a pouca coragem que restava da antiga eu, resolvi andar pelo castelo para tentar achá-la. Abri a porta bem devagar, tentando não fazer barulho algum, o que era praticamente impossível, pois se tratava de uma porta bem velha. Percorri todos os corredores das cinco primeiras áreas do castelo, tentando parecer o mais natural possível quando encarada pelos peculiares convidados do Sr.Kollantino. Naquele dia a casa estava cheia. Mas não havia nenhum sinal da April.

Foi aí que pensei no único lugar que permitido que eu ainda não havia estado: o armazém do lado de fora do castelo. Estava muito escuro, e caía uma chuva tão forte que logo ao colocar os pés para fora da porta dos fundos, me deixou ensopada. Parecia que não parava de chover naquele fim de mundo. E eu estava certa, como sempre. Podia ver a sombra da loira por detrás de uma árvore. E ela não estava sozinha.

- O que deu em você Aps?

- Em mim? Um bebê não se faz sozinho!

- Eu sei que a culpa também é minha! Mas você não devia ter deixado acontecer! Precisamos dar um jeito nisso!

- Como assim? O que quer dizer?

- Tem que arranjar uma maneira de se livrar dele! Como vai trabalhar grávida?

- Eu não posso fazer isso! Não vou matar meu filho!

- Desculpe, April. Mas não poderemos ficar juntos se essa criança existir! E todos os planos que fizemos para quando seu tempo no castelo acabar?

- Eu não sei... Olha, não vai embora! Não posso cuidar disso sozinha! O que vão pensar de mim? Uma mulher grávida e sem marido!

- Já não me importo mais. Vai ter que arrumar um jeito de se virar. - eu Vi Pat indo embora enquanto April chorava de modo descontrolado.

- Patrick! Não vá, eu te amo! Não pode acabar assim! Estamos juntos desde criança! Volta aqui!

Eu estava com realmente muita pena. Ela não merecia aquilo, ser tratada como nada por alguém que amou a vida toda. Detestava vê-la em meio a todo esse desespero, não pensei que apenas um bebê que nem nasceu ainda poderia lhe trazer tanta desgraça. Então, sem dizer uma palavra, a abraçei e tentei, em vão, consolá-la de suas tristezas.

Voltamos para o quarto discretamente, tentando chamar o menos de atenção possível enquanto andávamos pelos corredores. Cada segundo que passava aumentava a minha raiva de Patrick. Como alguém poderia abandonar uma grávida no estado que estava? Não havia limites para a maldade do mundo.

Chegando no cômodo, eu ajudei April a se deitar e fiquei sentada no chão, pensando. Até que reparei num envelope em cima da pequena mesa que ficava no nosso quarto. Na parte da frente se lia: 'Gretta' ,em uma bela letra de mão. Quando abri, pude sentir o aroma de rosas que emanava da folha de papel e dei um sorriso.

"Cara Gretta,

Eu sei que não nos conhecemos muito bem, mas logo quando a vi pude sentir que seríamos ótimos amigos.  Esse é um convite formal para a peça que havíamos falado anteriormente, 'A Megera Domada', no teatro da cidade amanhã à noite. Espero ter a honra de lhe acompanhar neste evento tão ilustre. Junto com este envelope, está uma caixa com um presente para você. Sei que irá gostar.

De seu mais novo amigo, Will."

Logo quando terminei de ler, Vi a caixa de que falava a carta. Estava amarrada com um lindo laço de fita, que me deixou ainda mais ansiosa para abrir o presente. Eu não costumava me impressionar tão facilmente, mas naquela hora eu precisava de algo que me deixasse animada.

Era um vestido de linho verde, com detalhes pretos espalhados pelo corpete. No embrulho também estavam um par de brincos de esmeralda e belos saltos-alto pretos. O homem tinha realmente muito bom gosto. Eu estava começando a ficar lisonjeada. Junto com todos estes acessórios, estava outro bilhete, escrito: "Me encontre na parte de trás do castelo logo quando terminar seu trabalho diário. Te Espero ansiosamente, Will." Para poder encontrá-lo, eu teria que ser rápida e silenciosa. Não podia levantar nenhuma suspeita de ninguém, nem da minha própria colega de quarto.

- O que é isso, Gretta? - April perguntou. Eu achei que ela já estivesse dormindo.

- Um presente. - eu disse, colocando tudo de volta na caixa.

- De quem?

- Ninguém importante. Durma, você precisa disso.

- Gretta, estou preocupada com você. Vive sumindo, falando com pessoas esquisitas...

- Está tudo bem! Não tem nada demais! - eu não queria contá-la sobre nada. Porque de certo modo, eu queria respeitar sua tristeza. Ela não precisava me ver feliz enquanto sofria.

- Um vestido caro não é apenas nada! Com quem você anda se metendo?

- Não te interessa, tá legal? Não quero que você fique se preocupando a toa!

- Está bem, então! Só não venha me procurar se algo der errado! - ela parecia bastante chateada. Mas mesmo com tudo isso, eu não podia negar o fato de estar louca de alegria, mesmo sem saber nada sobre o sujeito. Devia ser confiável, pois conhecia Nikolai, mas no fundo, eu ainda temia que alguma coisa terrível poderia me acontecer.

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