- Boa noite, senhoras e senhores! - o homem disse, com um largo sorriso. - Como a maioria de vocês deve saber, sou Chambers, o vice-presidente da nossa próspera fábrica de vinhos. Eu vim hoje aqui para parabenizar a querida sobrinha do Sr. Kollantino em seu lugar, pois por causa de um imprevisto, ele não pode comparecer a essa maravilhosa celebração. - Nesse momento, Constance, a aniversariante, revirou os olhos como se dissesse: "Que novidade!" - o homem prosseguiu - Mas o meu magnífico patrão, o provedor desta incrível festa, deseja a todos uma noite brilhante! - ele ergueu uma taça de champagne e todos os convidados o imitaram. Logo quando Chambers saiu, Nikolai apareceu no palco de novo e continuou tocando o piano como se nada tivesse acontecido.
Todas nós continuamos fazendo nosso serviço o resto da noite, rodando por todo salão com bandejas e mais bandejas de comidas que tínhamos feito na noite anterior. Mas fiquei me perguntando o porquê do Sr. Kollantino não ter aparecido no aniversário de sua sobrinha, pelo que eu sabia, sua única família. E eu também estava curiosa em relação à sua aparência, porque nunca tinha o visto na minha vida. Ele tinha fama de mulherengo.
Quando deu meia-noite, todo o meio do salão, onde algumas pessoas estavam em pé conversando, foi esvaziado para dar lugar a dança da aniversariante e de suas damas de honra com seus respectivos pares. As garotas usavam vestidos iguais, rosas e bufantes como o de Constance, mas, obviamente, o dela era o mais majestoso. Acho que em toda a minha vida eu nunca tinha visto casais tão bonitos dançando juntos. Eu me sentia em um de meus sonhos da infância, onde comemorava meu aniversário em um salão como esse dançando com o meu pai. Eu podia me imaginar com um lindo vestido, dançando junto com todos os outros casais. Pena que era só um sonho que agora seria ainda mais difícil de se realizar.
A debutante não parecia nem um pouco feliz dançando com Chambers. Acredito que era para ela dançar com seu tio, pois a garota era órfã. Sim, eu a conhecia. Estudamos juntas por vários anos. Nunca fomos amigas, mas com certeza ela se lembrava do meu rosto.
A festa continuou rolando a todo o vapor, com todos os ilustres convidados parecendo radiantes, exceto a própria Constance, que parecia não aguentar mais ouvir a voz de suas damas falando baboseiras. Eu tive a "honra" de servir a mesa delas, mesmo querendo me esconder da minha antiga colega de escola.
- Gretta? O que faz aqui com está bandeja e com a roupa das empregadas? - ela me olhou de cima a baixo.
- Estou trabalhando.
- Você trabalhando? Que piada! Pedi para mandarem o convite da festa para sua casa, mas disseram que você estava viajando. Nunca imaginei que estivesse aqui na casa de meu tio!
- É, minha mãe me mandou pra cá.
- Sente-se aqui conosco! Não precisa trabalhar como essas simples serviçais! - enquanto ela falava, as damas de honra se entreolharam e fizeram uma cara de nojo. Que ódio!
- Muito obrigada, mas não. Tenho trabalho a fazer. Adeus Constance. - saí andando e não voltei para aquela mesa o resto da noite. Ela não era uma pessoa ruim, mas sempre fora muito mimada, assim como eu. Agora finalmente consigo ver o quanto eu devia ser insuportável. Pelo que April tinha me contado nas poucas conversas que tivemos, Constance morava em uma mansão que o Sr. Kollantino havia lhe dado, apenas com seus próprios empregados. Que garota sortuda!
A festa só acabou lá pela madrugada, porque as pessoas, por mais ricas que fossem, não pareciam querer sair do salão de jeito nenhum. Meus pés estavam latejando, e eu podia sentir os calos e bolhas que se formavam em meus dedos. Nikolai não havia parado de tocar nem por um segundo, e Chambers ia em todas as mesas cumprimentar cada convidado com um daqueles sorrisos gigantes. Eu tentava evitar os olhares curiosos de Constance e os cortejos que alguns dos jovens mimados me davam. Bando de idiotas.
Depois de ajudar a limpar a sujeira que os convidados haviam feito no salão, tomei um banho frio para relaxar os músculos que estavam muito doloridos. De volta ao meu quarto, finalmente pus meus trapos costumeiros e deitei na minha cama. Aquele beliche velho nunca tinha me parecido tão acolhedor.
Pela primeira vez em dias dormi a noite inteira e sonhei, tenho certeza que sonhei só não me lembro com o quê. De manhã, quando acordei, eu estava bem mais disposta e pronta para o serviço do que nunca. Tomei o café da manhã mais caprichado que consegui, sentada numa mesa o mais distante de todas possível e fui olhar na lista de Frida em qual área eu iria trabalhar naquele dia. Sorte que era na seis, pois eu poderia ver Nikolai de novo.
Desta vez, era um cômodo um pouco menor do que eu estava acostumada, mas também com vários móveis antigos arrumados como se fosse um quarto de hóspedes. Jamanta só tinha mandado mais quatro garotas comigo hoje, pois o serviço era pouco e as outras meninas estavam muito ocupadas limpando o salão principal. Mas eu ficava me perguntando o por quê de termos que limpar esse cômodo tão pequeno se havia tanto trabalho a fazer lá embaixo.
Foi só uma questão de tempo até Nik aparecer de novo. Era uma passagem atrás de um do armários. Esquisito como parecia que todas as passagens secretas do castelo levavam ao mesmo lugar. Como de costume, as garotas nem notaram que eu saí e depois de descer uma escada espiral lá estava eu de novo na casa de Nikolai.
- Acho que aqui eu melhor lugar da mansão! - eu disse, passando a mão pelos livros que continham uma fina camada de poeira. Nikolai assentiu e pegou um pequeno bloco cheio de papéis em branco.
"Eu também gosto daqui." - escreveu.
- Agora temos bastante tempo para resolver essa sua letra feia. Jamanta está muito preocupada em arrumar o salão principal.
"Tudo bem. Mas não acho que vá adiantar muito. Escrevo assim há mais de vinte anos." - riu.
- Eu não tenho nada melhor pra fazer mesmo. E... Gosto de passar o tempo contigo. Você é legal.
"Obrigado. Você também é bem legal. Pelo menos, melhor do que eu imaginava."
- O que quer dizer com isso?
"Nada. Foi só um comentário."
- Ótimo. Agora vamos logo com isso. - rimos. Era meio estranho ficar assim tão próxima de um cara que não era meu irmão nem meu pai, então estávamos bastante constrangidos. A gente ria à toa.
Sentamos em uma escrivaninha que ficava ao lado da cama e ele me deu uma folha de papel. Eu desenhei todo o alfabeto e pedi para ele copiar. Nunca tinha sido muito boa em ensinar coisas, mas Nik estava realmente precisando de uma ajuda. Mandei copiar as letras a quantidade de vezes que fossem necessárias até ele conseguir deixar igual as que eu tinha escrito. Até que ele não era tão ruim assim.
- Está evoluindo! - eu disse, dando um tapinha em suas costas. Ele fez um sinal de positivo. Até que travou. Não consegui fazer um maiúsculo decente.
Então eu peguei em sua mão, que segurava o lápis e nós escrevemos juntos. Ele pareceu ainda mais constrangido. Logo depois disso, enquanto terminava o alfabeto, eu fiquei passeando pelo lugar, que era maior do que parecia.
Passei novamente as mão pelos livros empoeirados e li novas partituras que ele tinha espalhado pelo chão. Uma hora, quando cheguei perto de uma das paredes mais afastadas, ouvi um barulho esquisito. Parecia um líquido correndo. Não água, mas algo mais viscoso, não consegui decifrar de que era, o mesmo som que eu ouvi na primeira vez que fui aos calabouços. Que estranho. Deixei para lá e voltei para onde Nikolai estava, tentando conter a curiosidade de saber o que ficava mais fundo que as celas, no subterrâneo do castelo.
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Psicodelicamente
General FictionAVISO: A história não está completa e eu tenho demorado bastante pra fazer atualizações porque não tenho tido muito tempo para me dedicar a ela, mas eu não desisti de escrevê-la :) "A minha consciência tem milhares de vozes, E cada voz traz-me milha...