Capítulo Quinze

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Estava sendo difícil conseguir dormir. Tinha muita coisa na minha cabeça, eu não conseguia assimilar. Muitas pessoas com quem eu precisava me preocupar, problemas diferentes que surgiam a cada dia. Voltar para minha família, uma coisa que até ontem era quase impossível, estava tão perto, mas ao mesmo tempo eu não conseguia acreditar. As circunstâncias também não eram nada boas, a saúde do meu pai, que sempre fora de ferro agora abalada por uma terrível doença. Parecia que tudo de ruim tinha decidido vir sobre mim de uma vez. E eu não sabia como lidar. Eu estava pensando enquanto encarava uma parede até que...

- GRETTA! - April gritou, mas logo abafou a voz com a mão.

- O que houve? - eu desci do beliche rapidamente e fiquei espantada com o que vi. Era muito sangue, todo o vestido da garota estava coberto daquele líquido vermelho e April chorava muito. A cama dela e o chão também estavam banhados de sangue. - Meu Deus! Como isso aconteceu? - eu estava sem ação, não sabia como agir.

- Eu... Estava dormindo e comecei a sentir uma dor muito forte... Na minha barriga e... Depois eu só vi sangue e a dor só aumentava... - April falava em meio as lágrimas. - Eu... Preciso saber... Se aconteceu alguma coisa com meu bebê...

- Tenho chamar alguém, aqui nesse quarto não há nada que eu possa fazer por você! - eu estava de mãos atadas.

- Por favor, não! Se Frida souber ela vai tirar meu filho de mim e não quero nem saber o que irá acontecer comigo!

- Se eu não chamar alguém, vocês dois vão morrer aqui agora! - eu tinha entrado em desespero, eu precisava de ajuda, não sabia lidar com aquele tipo de situação.

- Não, Gretta! Eu te imploro! Nao chame ninguém! - April gritava de dor.

- Me perdoa! Não posso deixar você desse jeito! Por favor, me perdoa! - eu fui até o corredor e comecei a gritar e bater em todas as portas, correndo pelas escadas e clamando por ajuda.

- Que barulhada é essa?! - alguém perguntou.

- Gretta, o que está acontecendo?! - outra voz falou.

- April está muito mal! Ela precisa de toda a ajuda possível! - gritei.

- Mas que baderna toda é essa, riquinha?! - Frida perguntou, bufando de raiva. Eu provavelmente tinha atrapalhado o sono dela.

- É a April! - a mulher corpulenta me fuzilava com o olhar. Eu a guiei até o meu quarto, onde uma April desesperada continuava chorando.

Jamanta à levou até um outro quarto do castelo que possuía vários kits de primeiros socorros. Eu fui atrás. Por causa da quantidade de sangue, April desmaiou e eu fiquei ao lado da cama que tinham posto ela, segurando sua mão. A multidão de curiosos que tinha acompanhado a gente até a porta desse outro quarto, já tinha se dispersado. Eu tinha conseguido chamar atenção até de alguns convidados do Klaus que estavam hospedados nos andares inferiores do castelo.

Frida pediu para que o próprio médico particular da família Kollantino viesse vê-la. Era um homem com aparência de mais ou menos uns cinquenta anos, alto, moreno e de cabelos grisalhos. Tinha um olhar frio e assustador. Logo quando chegou, pediu para que eu saísse da sala. Primeiramente, eu relutei, mas depois de sentir o olhar fulminante de Jamanta, saí sem contestar.

Do lado de fora da sala, finalmente eu pude perceber o quão péssima eu estava. Mãos, vestido e cabelo ensanguentados, corpo gelado de medo e mente lotada com coisas ruins que poderiam acontecer. Eu sabia que aquele médico apavorante ia descobrir que April estava grávida, mas não era isso que me assustava. Era o fato de não saber o que iria acontecer à ela e ao bebê, que eu já tinha aprendido a amar. Tínhamos escolhido um nome, tanto feminino quanto masculino, ja imaginávamos como a criança poderia ser baseado nas características de April e Pat. A possibilidade de esse serzinho talvez nunca existir me entristecia muito.

Enquanto andava de um lado para o outro em frente à porta de onde o médico estava, eu pude ver pela janela que já amanhecia. Não tinha percebido que havia se passado tantas horas. Eu precisava ir pra casa, mas também não podia deixar April sozinha nesse momento. Uma droga não saber o que fazer.

- Gretta, sua charrete chegou. - ouvi a voz de Chambers me chamando do andar de baixo.

- Não posso ir agora! - eu disse.

- Mas irá, porque sua mãe requisitou sua presença para amanhã de manhã. - ele subiu as escadas.

- Não posso, minha amiga precisa de mim! - eu corri até o meu quarto e fechei a porta. Sei que agi como uma adolescente estúpida, mas isso foi a única coisa que pensei em fazer.

- Gretta, abra essa porta! - Chambers batia e gritava.

- Não vão me obrigar a sair daqui!

- Deixe de ser burra, garotinha! Abra logo esta maldita porta! - depois dessa última frase, pude ouvir os passos do velho se afastando do quarto. Encostei a orelha na superfície de madeira e escutei a voz do homem falando com alguém.

- Se ela não quer sair de lá por bem, nós tiramos ela por mal! - Chambers parecia bastante irritado. Ouvi barulho de alguém mexendo na fechadura. Iam me tirar de onde estava de qualquer jeito.

- Levem ela até o lado de fora. - quando finalmente conseguiram arrombar a porta, os dois homens me tiraram do quarto e me arrastaram até a charrete.

Eu não pude evitar ficar feliz ao me ver livre do castelo, de Frida, de Klaus, de Nik... E todos os outros moradores daquele lugar que tanto me fizeram sofrer. Mas eu me sentia péssima em abandonar April daquela maneira, sem ao menos dizer adeus. Ainda mais no momento difícil que estava passando, com tudo em relação ao bebê. Mesmo eu querendo voltar para a minha família, eu não me sentia preparada para encarar a minha mãe e Liz... O que dizer para a minha irmãzinha sobre ter a largado por mais de um ano? Eu estava fraca física e emocionalmente. Tudo o que eu passei naquele castelo flutuava na minha mente enquanto eu saía dos arredores da majestosa construção de pedra.

A chuva caía fina, exatamente como no primeiro dia que eu entrei por aqueles portões de madeira. Eu estava ensopada, uma mistura de água e sangue, meus cabelos estavam totalmente desgrenhados, eu me sentia suja e pequena. Pela primeira vez desde que recebi a notícia que iria voltar pra casa, eu pensei em o que minha madrasta iria pensar de mim. Se ela iria se arrepender de ter me submetido às ordens de Lorde K, como ele era conhecido nas terras que eu morava, ou se simplesmente ficaria feliz em me ver derrotada de todas as maneiras possíveis. Humilhada, dependendo de sua misericórdia e sem forças suficientes para constestá-la.

No caminho até a mansão dos Darbus eu também pensei em como Liz estava lidando com tudo sem mim. A garotinha sempre fora tão ingênua, eu era como um ídolo pra ela. Sentia falta da loirinha genial que adorava ver eu dispensando meus pretendentes. Eu tinha medo que nesse tempo que eu passei fora, Margareth tivesse arranjado alguns para a menina. E Terence, meu Deus, como eu queria que eles estivesse em casa quando chegasse. Do jeito que ele era, com certeza meu pai provavelmente ja o teria deserdado. Meus outros irmãos também faziam falta, mas da mesma maneira que eles sempre me ignoraram, eu não conseguia amá-los com tanta intensidade. Sempre ficaria presa às memórias da vovó que apenas Terence compartilha comigo. A vida inteira nos sentimos como peixes fora d'água pelo fato de termos passado grande parte da vida morando com a doce Florence.

Depois de quase um dia inteiro na charrete sem comida, finalmente reconheci a minha cidade. Eu nunca tinha reparado, mas a mansão Darbus era a maior e a mais bela de todo o bairro. Mesmo sendo o meu lar, eu estava apavorada com o fato de ter que entrar lá de novo. Mas, de alguma forma, o fato de estar chovendo me acalmava, como se água lavasse todas as minha inseguranças. Engraçado, eu costumava odiar quando chovia. Mas, com tudo o que passei nesse último ano da minha vida, eu comecei a encontrar paz na chuva. E isso me fazia bem.

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