Capítulo Quatro

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Frida me arrastou pelo colarinho do vestido até o subterrâneo do castelo, onde ficavam os calabouços. O lugar era muito escuro e fedia a bosta e a gente morta, fazendo eu me sentir dentro de um imenso esgoto. As únicas coisas que eu conseguia enxergar eram terra e diversas grades com algumas mãos saindo de dentro das celas. Mas o pior de tudo era a voz da mulher que me dava uma tremenda bronca.

- Isso vai ser para você aprender a respeitar as regras! Sua riquinha insolente! Eu disse para você não sair do castelo! Agora aguenta as consequências. - a mulher me jogou na última cela que eu pude ver, e a mais fedida de todas.

- Vai ficar sem comer por dois dias inteiros! - ela gritou, antes de fechar a grade.

Eu estava congelando. A mulher tinha me obrigado a tirar os sapatos e o vestido que eu usava também não era nem um pouco quente. Meus lábios tremiam e eu sentia todo o meu corpo latejar. O chão de pedra era áspero e a parede continha diversas infiltrações. A cela não tinha janelas, o que fazia eu me sentir ainda mais sozinha, algo que era uma das piores coisas pra mim. Eu escutava vozes de pessoas clamando por misericórdia, como se todos que tivessem morrido aqui tivessem voltado apenas para me assombrar. Eu ficava me perguntando o que todas essas pessoas teriam feito para virem para cá. Também escutava o terrível e esquisito barulho de um líquido viscoso sendo sugado ao longe. Era apavorante.

Lá dentro era como se o tempo não passasse. Às vezes eu tentava tirar um cochilo e, por incrível que pareça, eu sonhava com a minha casa, minha mãe, Liz, o Terence... Era como se eles fizessem parte de um sonho distante. Eu nunca pensei que algum dia iria delirar tanto assim. Me enrolava em meus cabelos que eram muito compridos para tentar me aquecer e lambia as infiltrações para matar a sede.

Em algum momento nessas quarenta e oito horas que eu passei na solitária, ouvi um barulho do lado de fora da cela. Rapidamente, tirei as presilhas pontiagudas do meu cabelo para tentar fazer uma arma, obviamente, em vão. Rastejei para o fundo daquele buraco e esperei, com os olhos fechados. "Pode ser só um rato" - torci mentalmente para que fosse apenas isso.

Mas a única coisa que eu Vi foi um prato de comida bem melhor do que eu tinha almoçado no refeitório com um bilhete escrito: "Obrigado. Quando acabar deixe o prato do lado de fora." com uma caligrafia horrorosa. No primeiro momento, pensei que fosse uma alucinação, mas depois que senti o cheiro da carne, pude ver que era real.

"Obrigado? Talvez tenha sido aquela garota para quem eu fiz um favor." - pensei. A comida estava deliciosa, era alguma espécie de sopa de carne com legumes. Eu estava tão feliz com a comida que nem me preocupei muito em como ela tinha chegado até mim. Quando acabei, lambi o prato e deixei do lado de fora da cela, como estava escrito no papel. Finalmente consegui dormir, com a barriga cheia e um pouco mais aquecida do que antes. Nem pude ver quando voltaram para buscar o prato, mas pude ouvir uma respiração ofegante e uma tosse descontrolada que ecoou por praticamente todo o calabouço.

Um tempo depois disso, Frida voltou à minha cela para me buscar. Juro que por algum momento pensei que ela tinha me esquecido lá. A mulher me puxou pelo braço até o meu quarto, onde April me aguardava com uma cara nada boa.

- O que você pensou que estava fazendo? - disse, enquanto enrolava um cobertor por todo o meu corpo congelando.

- Eu quis fazer um favor para uma menina daqui. Me esqueci o nome dela... Acho que é Joana, Juliana...

-Joyce? - April adivinhou.

- Isso! Mas como sabia quem era? - perguntei, intrigada.

- Ela faz isso com todas as novatas que ninguém gosta. Está todo mundo querendo se livrar de você. Não dá pra confiar em ninguém aqui.

- Mas o que eu fiz de errado, droga? - estava irritada com tamanha injustiça.

- Nasceu rica, bobinha. Todas as criadas odeiam os ricos. Porque são pessoas como você que nos fazem passar por todos estes problemas. Mas não se sinta culpada, você não é tão ruim assim. Pelo menos por enquanto. Você só deve se preocupar com a jamanta, porque castigo no primeiro dia não faz parte de uma boa reputação.

- Acho que ser expulsa daqui é o melhor que pode me acontecer.

- Ninguém é expulsa, vai por mim.

Depois da nossa conversa, deitei na cama de cima do beliche que nos dividiamos e fiquei pensando. Eu não podia comer nem tomar banho, porque ainda não estava na hora. Aquele colchão pra mim estava parecendo o mais confortável do mundo, mas mesmo assim não consegui cair no sono, pois a minha mente estava cheia demais para isso.

"Se Joyce me odeia, quem teria colocado o prato de comida para mim? Talvez April? Não, ela nunca escreveria um obrigado numa caligrafia tão horrorosa, e além disso, nunca lhe fiz um favor." - pensei. Fiquei maturando sobre aquilo o resto da noite, sem bons resultados. Até que eu me lembrei da tosse. A única pessoa que eu conheci na casa que tossia como se não houvesse amanhã foi aquele cara perto do armazém. Mas porque me daria comida? Ele nem me conhece. Vai saber.

No dia seguinte, acordei, fui logo tomar um banho para tirar meu cheiro de cadáver e tentei fazer um bom café da manhã, mesmo com a escassez de opções que tínhamos. Enquanto fazíamos as refeições, eu tentava não pensar no desjejum da minha casa, mas às vezes isso era quase impossível. E foi nessa hora que a ficha caiu. Comecei a chorar, pensando no que eu tinha perdido e em como eu costumava reclamar da vida sem motivo. Eu sei que isso parece bobagem, coisa de criança, mas Shakespeare disse uma vez que o choro diminui a profundidade da dor. A única coisa que eu podia fazer era concordar com ele.

Fui escalada para limpar a área cinco com outras seis garotas, que pareciam bem mais indispostas que eu, como se tivessem todas ido para o calabouço juntas. Mesmo sendo algo ruim, eu não pude deixar de rir, pois suas caras de exaustas eram bem engraçadas. Enquanto eu limpava, fiquei imaginando o que elas poderiam ter feito de noite.

Mas uma coisa que não saía da minha cabeça era aquele cara desconhecido que me ajudou. Pode parecer loucura, por que eu não tinha nem certeza se tinha sido ele, mas mesmo assim em cada área que eu limpava, eu dava uma fugida rápida e o procurava pela casa.

Essa situação se repetiu por dias incontáveis, as três semanas que eu havia prometido à Liz passaram como um furacão, mas eu não desisti de achar o homem, por que sem ele eu poderia ter morrido. Do mesmo jeito que o tempo não passava na cela, ele não passava na casa, porque não tínhamos relógios e nem janelas. Eramos movidas a alarmes que indicavam o que fazer e pra onde ir. Eu sentia falta da luz do sol, de sentir a grama em meus pés descalços e principalmente das minhas flores. A cada dia que passava eu ia me esquecendo do rosto das pessoas que já significaram muito pra mim como a Liz e o Terence. As semanas passavam rápido como raio, e nós não tínhamos nenhuma noção do mundo exterior.

O homem desconhecido tinha se tornado uma espécie de esperança para mim, esperança para fugir daquele lugar porque quem ajuda uma vez talvez ajude duas. Até que um dia eu finalmente o achei. Achei o homem a quem as veteranas davam o apelido de fantasma. Achei o homem que, pelo que eu pensava, finalmente poderia me livrar de minhas aflições. Meu anjo.

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