Capítulo Quatorze

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"Nunca mais vai embora daqui" - isso não saiu da minha mente por um bom tempo. Semanas, meses se passaram. O relógio parecia ter congelado. Cada dia se esvaía com a mesma rapidez que chegava, e a falta de perspectiva de vida que tínhamos não deixava qualquer lampejo de esperança entrar nas nossas cabeças.

As memórias da minha família se tornavam cada vez mais distantes e, conforme os dias passavam, eu ia esquecendo coisas que antes eram muito significativas para mim, como o título do meu livro favorito ou até o aroma da mais cheirosa flor do meu antigo jardim.

A barriga de April crescia, mas quase não dava para perceber por causa do vestido que usávamos, muito largo. Ela nunca tinha gostado tanto do fato de ser muito magra. Pelas minhas contas, estava na vigésima primeira semana de gravidez, quase completando cinco meses. Cada mês que passava e esse bebê não morria era uma vitória pois, com a nossa rotina de trabalho, não há feto que aguente.

Fazia bastante tempo que eu não via Nikolai e eu evitava o máximo pensar nele e em tudo que fizemos juntos. Era uma coisa muito nova pra mim ter um amigo tão próximo, e eu não queria que essa amizade tivesse acabado tão rápido e nessas circunstâncias péssimas. Eu sentia muita falta dele, tenho que admitir. Mas o que tinha feito era quase imperdoável.

Eu soube que Klaus Kollantino tinha ido numa viagem de negócios e o castelo agora estava sob as ordens de Constance, sua sobrinha e minha ex-colega de classe. Frida não ficou nem um pouco contente com isso e, nesse fator eu ate concordo com ela porque Constance não sabe liderar nem sua casinha de bonecas. Provavelmente todos os assuntos importantes ficariam nas costas do Sr. Chambers, pobrezinho.

Sou desperta de meus pensamentos quando escuto Frida gritar meu nome. Sua voz esganiçada faz minha cabeça doer. Ela diz que a Senhorita Constance solicitou minha presença em seu escritório. Nada de muito bom podia vir de lá.

Eu estava limpando a área três que ficava no segundo andar, então tive que subir dois lances de escada até a área sete, onde só podíamos entrar quando éramos chamadas. Quando cheguei no local, fiquei impressionada. O quarto andar do castelo era tão majestoso que nem parecia fazer parte do mesmo edifício onde ficavam nossos sujos quartos. Era enorme e bem decorado, fazendo eu me lembrar da minha antiga casa, da qual eu sentia muita saudade.

Além da aparência do lugar, também haviam várias pessoas com roupas muito arrumadas andando de um lado para o outro e conversando sobre assuntos que costumavam me agradar em épocas passadas, mas que hoje em dia só me dão vontade de bocejar. Eu só percebi que estava parada feito boba há muito tempo quando os indivíduos pararam o que estavam fazendo e começa a me encarar, com cara de nojo, claro. Eu não tinha me dado conta do estado maltrapilho que eu me encontrava.

Depois de algum tempo passando muita vergonha e sendo observada por todos os presentes, finalmente o Sr. Chambers apareceu para me guiar até a sala de Constance.

- O senhor sabe o que ela quer comigo? - perguntei.

- Vai descobrir quando chegar lá. - ele disse, sem olhar pra mim.

- Então quer dizer que você sabe? - eu estava tentando irritá-lo pra fazer ele falar. Queria estar preparada para Constance.

Ele não me respondeu, sua expressão era indecifrável. Ela queria me dizer algo muito importante, pude sentir.

O homem abriu a porta enorme e pesada do escritório de Klaus, onde sua sobrinha estava sentada na escrivaninha brincando com uma espécie de carimbo. Logo que me viu, parou o que estava fazendo e se levantou para me cumprimentar, me dando um abraço. Eu fiquei sem ação. Nunca tínhamos sido amigas, então não havia motivo para ela fingir que estava com saudades de mim. O Sr. Chambers também me pareceu bem espantado, mas não falou nada. Provavelmente Klaus o tinha dado ordens para não contestar o que Constance fizesse.

- Gretta! Mal pude acreditar quando te vi de empregada no meu aniversário! Como veio parar aqui?! - a garota de meio metro de altura falava enquanto dava voltas pela sala.

- Circunstâncias da vida.

- Ah, claro! Eu soube que sua mãe te mandou para cá porque você se recusou a casar com os pretendentes que ela te apresentou.

- É, isso mesmo. Saiba que nenhum dos castigos que recebi aqui foram piores que aceitar qualquer uma daquelas propostas indecentes. - Constante me olhava de cima abaixo.

- Imagino, graças ao bom Deus que meu tio não me obriga a ter que passar por isso. - Fiz que sim com a cabeça, com um sorriso falso. - Você está muito diferente do que eu me lembrava. Está pálida, com olheiras e seu cabelo já não é mais o mesmo.

"Ah, jura?! Talvez seja porque estou trabalhando feito louca há um tempo que nem sei mais contar?!" - pensei, mas apenas olhei para baixo e fiquei brincando com meus pés.

Constance foi até mim e botou os dedos no meu queixo, levantando minha cabeça.

- Você não merece isso. - ela sussurrou, sem Chambers escutar. Depois dessa frase, se afastou e voltou a andar pela sala.

- Mas não foi para matar a saudade que eu te chamei aqui.

- Então, pra quê foi? - eu respondi.

- Bom, tem alguns problemas acontecendo na sua casa. Graves. - ela pareceu triste repentinamente.

- O que aconteceu? - eu estava começando a ficar com medo.

- Seu pai... Está doente. É muito sério, Gretta.

Naquela hora, eu fiquei sem fala. Primeiramente, eu não acreditei, meu pai sempre fora um homem de ferro, nada o abalava. Mas depois que fiquei encarando a expressão séria de Constance por um tempo, soube que não era brincadeira.

- Margareth pediu para que meu tio te mandasse para casa, pra ficar com seu pai nos, você sabe... últimos momentos. - Constance conseguia ser bem inconveniente as vezes.

- Vou pra casa agora? - eu não sabia o que pensar. A falta que meu passado me fazia ou as novas preocupações do meu presente. Liz. April. Terence. Nikolai. Tudo na minha cabeça se resumia a esses nomes. Eu não podia abandonar April agora, mas ao mesmo tempo lá em casa estavam acontecendo problemas que eu também precisava lidar.

- Amanhã bem cedo. Eu vou providenciar roupas pra você. Não se atrase. - ela fez um sinal com a mão para que Chambers me levasse embora. Eu me perguntava como uma pessoa podia ser tão amigável, mas tão fria ao mesmo tempo.

Quando cheguei no meu quarto, April estava em pé, com um olhar apreensivo. Parecia desesperada.

- O que aconteceu, Gretta? Por que ela queria falar com você? - April perguntou.

- Bom... Meu pai está doente. - naquele momento eu finalmente desabei. Chorei nos braços de April por bastante tempo e ela esperou eu me recompor para fazer mais perguntas.

- O que ele tem?

- Não sei... Só me disseram que é grave.

- E o que você vai fazer em relação à isso? - ela parecia preocupada.

- Eu vou... pra casa.

- O que? Como assim? Eles te liberaram? Não é possível! - agora ela estava sorrindo.

- Por que está tão feliz?

- Você vai poder me ajudar, com o caso do bebê!

- Como você pensa em fazer isso? - eu estava curiosa.

- Você vai pra casa, e eu te mantenho informada do que está acontecendo através de cartas. Quando a minha barriga estiver quase aparecendo, eu te aviso para você vir aqui me "salvar".

- Parece um bom plano, mas eu não sei se vai funcionar. Vai que Margareth inventa de me mandar pra cá de volta. Você não pode correr esse risco. Temos que arranjar outro jeito.

- Infelizmente, não tem outro jeito. Vou acabar igual à Piper se eu continuar aqui. - ela começa a chorar. Eu a envolvo em um abraço apertado enquanto faço promessas que não sei se poderei cumprir.

- Vai ficar tudo bem, eu juro que volto pra te buscar. Jamais te abandonarei.

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