Hipopótamos

140 3 1
                                    

              Tão profundo como um copo de cerveja, porém intenso como numa mesa cheia de amigos.

                 Cultura de bar

                                      Plaz Mendes.

21:00

      Andei sem qualquer rumo pisando nos cascalhos do chão, paralelepípedos que levavam a um belo jardim, cheio de pequenos cogumelos, contudo venenosos. Pernas, carros, buzinas, patas. Fiquei parado diante daquela grande casa de Deus...Penso se acaso haveria uma vaga para o que outrora chamaria de circo. O carnivale humano, com seus personagens bizarros, não um anão, mas todos nós perante um gigante. O frio entorpecia meus músculos e gelava minha cabeça, conduzia-a rumo a acontecimentos antigos, esquecidos, apagados como num grande quadro negro. Dói rever o passado quando defendíamos um conceito e mudamos, porém isso dever ser aceito como evolução, progresso ou experiência, afinal não nascemos prontos como aquelas comidas microondas. Congela e descongela. Não tenho gordura suficiente para hibernar aqui fora. Start e end, meu fim se aproxima. Amar e odiar, um nome martela minha mente, não consigo esquecer o processo. Os rostos na rua atrás da salvação, quem não busca algo similar?

      Na verdade relembro em minha mente as pessoas que pintaram de muitas cores my life. A garota do sorvete de creme. Os sujos pombos do telhado ao lado. Os vícios/virtudes dos garotos. Somos a geração perdida. Punk ou funk. A maldita maldição nos consumiu ate o ultimo pedaço. Perdemos nossos deuses em nome de algum comercial.Os meus amigos e seus dilemas e reparo num espaço vago. Falta algo além do calor, relato, um livrinho de anotações. Coisa mais profunda, amor?

Ou seria apenas fome a reclamar um extenso estômago vazio?

 23:00

       Estamos num bar, conversando e bebendo nossas cervas. O estabelecimento e pensão “Manu lanches”, um careca esposo de uma gostosa bunda e par de seios murchos como as batatas fritas da porção que mastigo. Meus três únicos amigos juntos. O amor da minha vida entre eles, e que se diga logo um enigma decifrá-la.

Ela que por sinal namora meu parceiro de toda hora. Imagina a confusão alcoólica que isso pode proporcionar ao meu nada fastio corpo.

Mesa 3.

Unidos a espera de ir ao banheiro, ansiosos por sua vez. Brizola chega da rua e vai ao mictório.

Entrega pronta.

Inicio.

      Apaga e abre a porta, meu momento chegou de entrar e logo em seguida sair. Minha balada não dura exatos cinco minutos, o prazer acaba com a sensação de tempo. Uma grande rotina para qualquer olhar menos distraído, mas também o que se espera de um boteco cheio de rostos distorcidos por fumaça e cachaça. Sentados num boteco sexta feira perdendo nossas vidas, nosso dinheiro, fígados, ganhando o ônus da morte. Apaga e abre, apaga e abre o eterno jogo da vida, nascer e morrer, minha vez de novo. Rimos conversando com nossos supostos colegas de bar, na maioria homens perdidos num copo aguardente querendo demonstrar um pouco de capacidade na frente de quatro jovens com a idade dos seus filhos. Jogando conversa fora, já passou da meia noite;

Sábado.

 Jonas parece tenso no decorrer da noite. A agradável ciranda da porta parece irritá-lo. Quieto ele continua e nem entra no mictório. Da sua boca algo reflexivo, distante; quem sabe religioso ou simplesmente complicado. Não o respondo ocupado com as pernas de K... E o apaga e abre. Al grita palavras de ordem para animá-lo. O suor escorre pela testa e noto como a coisa ta ruim ou boa pela felicidade dos rostos conhecidos, menos é claro Jonas. Que desfere um olhar de ira ao joguinho divertido, ao nosso habito e imaginar para descrença geral que ele próprio inventou todo o esquema. Apaga e abre, levanta e corre;

Foi?

 Sumiu?

O pessoal atônito pelo amigo. A musica não para de rolar maquina barulhenta e o grande bumbum samba. A cascata nunca deixa o copo vazio, tento tirar K... Das minhas cabeças e me questiono: Jonas?

O silencio predomina no resto da mesa, o pó dura apenas 2/4 dela. Cerva, nicotina e amendoins completam o 2/4 que restam da noite. E minha vez de cheirar, e minha vez de ir ao banheiro. Apaga e abre, apaga e abre.

 17:53

       Exatamente nessa hora a contar trinta segundos conheci Jonas. Pontualmente neste dia nasci, voltemos vinte anos. Nascemos na mesma maternidade pela barriga de irmãs que nunca se entendiam bem, porem entre os vinte aos trinta, esbarramos dentro da enfermaria, desunidos por nossos cordões umbilicais. Unimos novamente as duas desgarradas por motivos religiosos. Minha mãe, Roxana, nunca acreditou em Deus e sua irmã Izabel vivia numa igreja batista, presbiteriana, maranata, evangélica, whoever. Não é a toa que o nome do filho dela foi escolhido dentro de um desses lugares santos junto aos seus irmãos de crença.

Jonas.

Roxana odiava essas intervenções divinas na vida de sua família e tratou de se afastar de tudo renegando sua única e mais velha irmã. A mesma que cuidara dela como se fosse uma filha visto que vovó Lael morrera cedo vitima de câncer no pulmão. Minha tia deu comida, banho, porrada, carinho, biscoito e recebeu um sonoro:

_ Não quero saber de seu Deus!

Por causa da morte de Lael que Isa decidiu aproximar a família para uma religião depois de quase três gerações de total ateísmo.

A dor da minha vó na cama, prostada, uma sincera visão do inferno e o melhor jeito de se proteger disso seria Deus, afinal cigarro é coisa do capeta, repetia Titia sempre que questionada.

Minha mãe optou pelo tradicional; a culpa de tudo isso só pode ser caso ele exista, dele.

       O afastamento delas tinha se acentuado muito pelos anos, todavia nosso surgimento na mesma maternidade signo divino para Isabel e uma grande desculpa para finalmente Roxana reatar os laços da família. Minha mãe apesar da careta de sua irmã escolheu;

Alexandre.

Aparentemente sem nenhum motivo próprio.

Homens...

      A falta masculina no capitulo acima não será muita surpresa no decorrer da historia. Lael perdera cedo seu pai. Meu vovô Ademias vivia seus últimos dias com um câncer mastigando seu corpo e memória. Jonas nunca conheceria seu pai por derrame. Minha mãe e sua irmã temiam haver uma maldição para os homens da família. Sonhavam em ter meninas, quando souberam se tratar de dois pintinhos. Sofreram um baque. Muito mais Isabel no momento em que afirmava o medico seu filho nascera prematuro, e com um grande saco enquanto Roxana dera a luz ao mais gordinho bebe da maternidade, palmas! Vários sorrisos durante a infância, paparicados por todos os parentes que hoje são fantasmas em fotos. A esperança vivificada na pele daqueles dois garotos... Como poderíamos carregar tamanho fardo?

Como poderíamos salvar nossa família?

Não deixar que o nome dela fosse esquecida, como? Se por sinal o vovô patriota mal o lembrara!

Como salvá-los?

Nós?

Maldição!

Fardados a falha!

Homens...Pra que servem alem do puro destino.

Fracassar e destruir...

Somos bons nisso!

HipopótamosOnde histórias criam vida. Descubra agora