XXVIII - Precisamos falar sobre Bianca

816 109 283
                                    

Carol,

08/09/2017 às 07:14 P.M.

Palavras são recursos poderosos e deveríamos sempre ter cuidado ao sairmos despejando-os por aí sem antes olhar a quem eles irão atingir.

Aprendi isso essa semana, porque simplesmente não consigo me controlar ou controlar a minha boca.

Segunda-feira, 04/09/2017, 09:48 A.M. - 10:11 A.M.

A professora de português estava dando duro para explicar um exercício em dupla sobre o livro A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, enquanto eu e Lorena nos empenhávamos quase tão arduamente quanto ela na nossa conversa sobre a social do Gustavo.

— Aquele Nicolas, do segundo ano, que bateu no Gustavo — contou Lorena —, eu ouvi que ele quebrou a mão por conta da briga e parte de mim está feliz por conta disso.

— Ele mereceu — opinei. — Aquele babaca.

Me deitei na minha carteira e contornei com o lápis um desenho de uma folha de maconha que, provavelmente, alguém do turno da noite havia entalhado com a tesoura na madeira.

— Então — disse Lorena, acariciando uma mecha do meu cabelo —, você e o Paulo.

Apesar do tom de afirmação, a pergunta ficou implícita no ar, Lorena não precisava dizer muito mais do que aquilo para que eu soubesse a o quê ela estava se referindo.

— Eu não sei. — Torci o nariz, enquanto sombreava artisticamente a minha folha de maconha. — Nós temos uma relação maluca. É como se nossas bocas fossem atraídas uma para a outra sempre que nos vemos. É só físico, nada emocional.

— Você já tentou, sei lá, deixar ser emocional? — Ela deitou a cabeça para poder me olhar nos olhos.

— Não — neguei bruscamente, me levantando rígida. — E não quero. Não vamos estragar meu lance físico. Se eu quero pegar alguém, tenho ele e acabou. Se quiser me envolver emocionalmente com uma pessoa, vou procurar alguém só para isso.

— Nós duas sabemos que você não é muito boa na tarefa de tentar encontrar alguém com quem se envolver emocionalmente — provocou ela. — Vide como exemplo o Gustavo, você era apaixonadona nele, queria casar e ter filhos, até descobrir que, tam tam tam, ele é gay.

— O "tam tam tam" foi muito desnecessário — respondi com cara de tédio. — Preciso ir no banheiro.

— Vá, fuja da verdade — disse Lorena, decepcionada.

— Não estou fugindo de nenhuma verdade — briguei. — Estou indo mijar.

Me levantei da carteira e andei de costas até a mesa da professora, enquanto dirigia um olhar mortal para Lorena. Girei e fiquei batucando os dedos de forma constrangida sobre algumas apostilas que estavam em cima da mesa enquanto esperava um outro colega de sala tirar suas dúvidas.

— Espere um pouco — ordenou a professora. — O que você precisa, Caroline?

— Posso ir ao banheiro? — Pedi.

— O que você vai fazer no banheiro? — Perguntou ela.

Fiquei tentada a dar uma má resposta. Fala sério, o que eu vou fazer no banheiro? Por que os professores perguntam isso? Não é meio óbvio o que as pessoas fazem em um banheiro?

— Minhas necessidades — respondi depois de muito tempo pensando em qual seria a resposta mais educada e que não me renderia uma ida de graça para a diretoria ou uma conversinha com a minha mãe.

Manual (muito útil) de como sobreviver ao Ensino Médio || EM REVISÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora