07 - Juízes

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Juízes

São Francisco, EUA, 1966

A "Cidade junto à Baía" reluzia em dourado sob o sol do entardecer. Os prédios, junto com o antigo casario, viam-se tingidos em tons alaranjados enquanto as ladeiras eram cortadas pelos cativantes bondinhos. À distância, a imponente ponte Golden Gate se assemelhava ao portão de entrada de um mundo perfeito. Richard adorava aquela metrópole. Nos últimos anos, costumava só sair do laboratório em Nevada para viajar até ali, mas a bela paisagem e o ar amigável ali encontrados superavam vários locais de férias juntos. Além do mais, vinha a São Francisco rever a família. Não poderia haver melhor alento do que aquele.

Subindo pela rua que levava à residência de sua esposa, passou por alguns hippies na calçada, com suas roupas coloridas e despojadas, correntinhas ao pescoço possuindo o símbolo da paz – um círculo tendo no interior uma reta e um "V" invertido cruzados. O emblema nascera de uma campanha pelo desarmamento nuclear nos anos 50, e agora era adotado por todos que se colocavam contra as guerras. São Francisco vinha se tornando uma verdadeira Meca para aqueles pacifistas alternativos, Langley imaginando se eles suspeitavam do que aconteceria dentro de mais algumas décadas... do conflito que prometia ser maior que todos os já encarados pela humanidade.

E era um pouco frustrante saber que, mesmo com todos aqueles apelos por paz, as guerras, segundo a profecia, não terminariam... ao menos não antes que os Anjos voltassem.

Mostrava-se penoso ter de conviver com aquela verdade, sem poder compartilhá-la nem mesmo com seus entes queridos.

Quando deu por si, já estava diante do bonito sobrado. Abriu a porta verde com uma placa de "Bem-vindo" ansiando por ter de novo a amada em seus braços e o filho sob seus afagos. Se o exterior da casa remetia a aconchego, o interior possuía o dobro de encanto: carpete vermelho forrava o espaço que, apesar de estreito, era suficiente. Peças antigas conservadas compunham a mobília, as paredes decoradas com quadros de paisagens da cidade e fotos de família. Muitas delas incluíam Richard, tiradas em visitas passadas. Por ano acabavam sendo poucas, e breves; mas vividas com tamanha intensidade, que valiam por muitos meses juntos.

O silêncio predominava na morada. Deviam estar no andar de cima, já que a porta destrancada era indício de não terem saído. Langley passou a vencer os degraus da escada de madeira logo em frente ao vestíbulo, cada passo fazendo a estrutura ranger como nunca. Aquele barulho sempre chamava atenção de qualquer um no piso superior, por isso supôs que o filho ou Rebecca logo viriam correndo ver quem chegava. Errara. Atingiu o fim da subida, e ninguém apareceu.

Estranhou o fato, mas ainda assim prosseguiu. Caminhando pelo corredor, deteve-se diante da porta semi-aberta do quarto de seu filho Martin. Espiou. O menino encontrava-se dormindo profundamente em sua cama, enrolado sob um lençol. As roupas sujas deixadas junto ao leito revelavam ter passado um dia agitado brincando no parque, como era seu costume. Isso lhe exaurira as energias. O pai sorriu. Não desejou despertá-lo.

Seguiu em frente. Agora queria ver Rebecca. Ela não devia ter também caído no sono, pois deixar a porta da frente aberta daquele jeito nesse caso se mostraria incrível imprudência. Richard tinha de confessar estar mais ansioso para ver a esposa do que o filho. Como a amava! Aquela jovem fora a única, até então, que o aceitara como era. Que o amara sem impor condições, compreendendo sua pouca disponibilidade em estar com a família. A paixão que sentiam um pelo outro aparentava ser capaz de transpor quaisquer obstáculos. Ele até mesmo empenhava-se mais na pesquisa desde que a conhecera.

A porta do quarto que compartilhavam situava-se ao fim do corredor. Langley aproximou-se lentamente, com medo de acordar a mulher caso dormisse. A porta também estava semi-aberta. Empurrou-a de leve e olhou pela fresta.

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