22 - Lamentações

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Humanidade
"Auf wiedersehen"
É hora de dizer adeus
A festa acabou
E o riso morre
Um Anjo chora

Humanidade
É um "au revoir" para sua insanidade
Você vendeu sua alma para alimentar sua vaidade
Suas fantasias e mentiras

("Humanity", Scorpions, 2007)

Lamentações

Antártida, 2000

A noite havia chegado ao Pólo Sul, anunciando o início do inverno.

Ainda mais agasalhada do que antes para resistir à baixíssima temperatura, Misato encontrava-se na superfície, longe do calor e relativo conforto disponíveis nas instalações no subsolo. O motivo era bem simples: queria admirar o fenômeno luminoso que vinha se manifestando no céu desde que o sol se fora, composto por ondas coloridas e brilhantes que tornavam lindo o firmamento – como se um extenso lençol translúcido quisesse cobrir a Terra das estrelas. Aquilo se mostrava a coisa mais fascinante que a garota testemunhara desde o início da expedição; ali passando horas a admirá-la, ignorando o clima hostil.

- Aurora polar, ou, já que estamos na Antártida, aurora austral – a voz do pai veio de trás de si. – Resultado do contato de partículas solares com a alta atmosfera do planeta.

A explicação científica não retirou do evento seu encanto, Misato permanecendo com a cabeça voltada para o alto enquanto os reflexos tremeluziam em tons de verde e azul.

- Está tudo bem, querida? – o doutor tornou a se manifestar, soando um pouco preocupado.

A filha então se virou para ele, forçando um sorriso que não tinha tanta vontade de abrir.

- Sim, papai. Está tudo bem.

Um instante de silêncio transcorreu antes que o cientista afirmasse:

- Não podemos ficar aqui por mais muito tempo. Quando o inverno chegar para valer, as escavações terão de ser interrompidas. Além do mais, você já está perdendo aulas na escola. Quero que volte o quanto antes.

- Acho que tudo isto é bem mais instrutivo do que ficar sentada atrás de uma carteira, pai... – alegou a menina, direcionando novamente os olhos para o céu.

Hideaki afagou-lhe a cabeça – gesto de carinho um tanto desajeitado que vinha tentando transformar num hábito – e murmurou:

- Dizem que a noite é mais escura antes do amanhecer... No caso do Pólo Sul, são seis meses de escuridão.

- Não é uma escuridão completa – a adolescente discordou apontando para cima. – Há essas luzes. Elas guiam o caminho dos viajantes.

- Elas são incertas. Brilham toda vez de maneira diferente. É mais sábio a um ser humano se orientar pelo próprio coração.

- E onde o seu coração diz que o senhor deveria estar agora?

Tocado pela pergunta, Katsuragi abaixou-se e abraçou com força a filha pelas costas, os dois compartilhando calor em meio ao vento gélido que zunia em seus ouvidos.

- Aqui, com você – replicou, ocultando o rosto num dos ombros da garota. – Não há outro lugar onde eu queira estar.

E assim permaneceram, unidos, por um bom tempo.

As lâmpadas na cavidade subterrânea eram tantas e tão fortes, que o local parecia ser banhado pela própria luz do dia. Os homens da Gehirn haviam construído verdadeiro complexo de pesquisas na caverna, com diversas plataformas, colunas, guindastes, cabines e laboratórios circundando a área mais baixa onde Adão era mantido. Após os últimos dias de preparação, o gigante havia sido escavado por completo do gelo, sua pele agora totalmente à mostra e todos os membros soltos – embora mantivesse sua posição prostrada sobre o solo, como se possuísse vergonha em se levantar. Seu aspecto, livre da neve, era a de um imenso ser humanóide branco, a estrutura de seu organismo sendo em quase tudo idêntica à do Homo sapiens, desde o formato do tronco – embora a cintura fosse um tanto mais fina – até detalhes como a quantidade de dedos nas mãos e pés. Uma das diferenças mais marcantes era talvez o rosto, de feições quase inexistentes – a cabeça possuindo em sua área frontal apenas um par de proeminências que os pesquisadores julgaram serem pálpebras fechadas, ocultando olhos. Boca, nariz ou ouvidos não puderam ser identificados.

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