13 - Ester

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Ester

Roma, Itália, 1981

Ela fitou a fachada da antiga construção. As opacas janelas de seus quatro andares conseguiam intimidá-la, como se escondessem atrás de si grandes segredos do passado – pessoas sendo capazes de matar para ter deles um mero vislumbre. Quando pensara pela primeira vez em se envolver com aquele grupo, jamais imaginara que teria contato direto com alguns deles. Isso a estarrecia, não podia negar; mas já que seus inimigos eram poderosos... convinha munir-se de aliados no mesmo patamar, ainda que ao custo de conhecer algumas verdades incômodas. E, para terem conservado sua posição praticamente intacta por quase dois mil anos, eles realmente eram competentes.

Um homem de batina negra e crucifixo ao pescoço surgiu caminhando pela calçada, expressão distraída, como se nada quisesse. A mulher o observou se aproximar pelo canto do olho, mantendo-se ainda voltada para o prédio e fingindo não notá-lo. Ao chegar perto o bastante, o suposto religioso cochichou para ela, de modo tão baixo e rápido que um breve lapso de atenção faria com que a mensagem passasse despercebida:

- Pode entrar.

Afastou-se em seguida, andando tão naturalmente quanto antes.

Vencendo seus temores internos, a personagem empurrou uma das seções da grande porta de madeira no centro da fachada. Abriu-se rangendo, um cheiro mofado característico de lugares que permaneciam a maior parte do tempo fechados atingindo suas narinas. Hesitou. Deveria mesmo? Bem, já avançara até ali... por que recuar?

Foi assim que ela adentrou a sede da Congregatio pro Doctrina Fidei, ou "Congregação para a Doutrina da Fé". A mesma organização conhecida, até poucos séculos antes, como "Santa Inquisição".

Os corredores e salas da construção encontravam-se aparentemente vazios, tudo imerso no mais profundo silêncio. Incomodada pelo aspecto abandonado do local, a recém-chegada sentiu-se espionada pelas imagens de santos junto às paredes, o que lhe causou certo mal-estar. Mas, se pessoas reais não a haviam impedido até ali, não seriam estátuas inanimadas que o fariam. Seguindo as instruções recebidas previamente via carta, tomou uma velha escada de ferro e madeira até um dos andares superiores. Percorreu mais espaços vazios, a luz do sol entrando lobregamente pelas poucas janelas abertas – bem menos ameaçadoras vistas daquele lado – e por fim deteve-se diante de uma porta encostada, o emblema nela talhado representando o símbolo do Vaticano com suas duas chaves entrecruzadas embaixo da coroa papal.

- Entre – uma voz rouca, dotada de um sotaque que lhe pareceu familiar, convidou-a de dentro do recinto.

Ela assim o fez.

O escritório aparentava ser o ambiente mais iluminado de todo o prédio – os raios matinais, que invadiam apenas timidamente os outros cômodos, ali se propagando em toda sua glória, clareando as cortinas vermelhas que ladeavam as janelas. Nos cantos, estantes de livros ricas em volumes tratando de doutrina cristã, mais precisamente católica. O assoalho revestido por tapetes com motivos religiosos levava a uma mesa central, antiga e conservada, de costas para um grande quadro na parede representando Cristo recém-ressuscitado. Sobre o móvel, um crucifixo de madeira e gesso, mais alguns exemplares de obras doutrinais e um envelope lacrado com um selo vermelho, a insígnia da Igreja – já vista na porta – presente nele em alto-relevo. Atrás da mesma mesa, sobre uma cadeira almofadada, a mulher viu sentado um homem de cabelos semi-grisalhos, batina branca e vinho, óculos ao rosto e tendo no topo da cabeça o pequeno chapéu redondo conhecido comozucchetto, também em tom roxo. A vestimenta indicava sua posição clerical, mas a visitante já a conhecia previamente: cardeal Johannes Reiniger, prefeito da Congregação.

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