18- Última vez

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— Abre aqui, é o Ash – apesar dos gritos na parte de baixo, os garotos ouviram sua voz sussurrada próxima a madeira da porta, logo deixando-o entrar – Luke, – suspirou abraçando-o forte – que susto você me deu. Como vocês estão?

Pela primeira vez o loiro realmente lhes dirigiu o olhar analisando-os como Ashton. Calum tinha parte do rosto inchado, assim como todos os nós de seus dedos. A coloração roxa era melhor vista na pele clara de Michael, formando pequenos universos por todo seu corpo. Se bem que, reparando bem, Michael estava mais machucado mesmo. O moreno respirava cansado e tinha o semblante apagado, mas o ruivo tinha dificuldades para se mover normalmente, carregava uma feição tranquila de faixada. Era um pouco óbvio na verdade.

Os gritos e barulhos de socos – provavelmente nos móveis – fizeram com que os quatro garotos pulassem de susto. A voz do pai de Michael soando alta. Ele queria subir as escadas.

— Se você tentar relar a mão no meu filho!

— Aquilo é uma aberração!

O rosto de Luke se contorceu como se uma faca o tivesse cortado no peito, seus olhos marejados concentrados no cadarço do tênis que usava.

— Aquele viadinho tá tentando acabar com nosso filho! Ele não vai conseguir! Você educa aquela criatura como quiser, mas não pode esconder o meu filho!

Ashton já não aguentava mais aquela situação, teve vontade de chorar pelo amigo. Teve vontade de protege-lo mais uma vez. Porém, antes que suas mãos se erguessem, Michael já o puxava para a cama. O ruivo sentou-se calmamente e tentou conduzi-lo para o seu colo.

— E-eu n-não...

Mais uma batida.

— Eu vou chamar a polícia!

— Chama! Chama que eu quero ver o que eles vão falar, Clifford!

— Como você pôde, Liz? Seu filho só pode estar possuído! Você vai deixar ele ser um pecador?

Essa então era a mãe de seu namorado? Era isso que ela pensava? Foi a primeira vez que Luke escutou a voz da mulher na gritaria. Agora até mesmo sua mãe estava sendo atacada. Olha tudo que ele causou, olha tudo que ele fez todos passarem...

—Luke, vem cá... Luke. – chamou Michael percebendo que o outro estava sendo levado por pensamentos nada positivos.

Dessa vez não houve resistência. Ele aceitou que cada perna fosse para um lado e deixou seu peso nas grossas do ruivo; que o abraçou forte obrigando-o a devolver o gesto. De forma doce, começou a cantarolar uma canção qualquer no ouvido do loiro, suave.

Calum e Ashton se entreolharam compreendendo o que ele estava fazendo. Aquilo tudo teria que acabar uma hora e não havia nada que pudessem fazer sem piorar a situação. Então, como bons amigos que eram, iriam ajuda-los como podiam: cantando para que as maldades fossem silenciadas pelas vozes acolhedoras.

Luke tinha uma velha guitarra ali no canto, Calum a usou para dedilhar algumas notas, criando uma melodia simples para Scars, a música de James Bay que deixava os lábios inchados de seu amigo. Juntos, todos cantaram em harmonia. Não tinham forças e o ritmo não estava tão correto, mas para os ouvidos do garoto, soava como a melhor canção do mundo. Seu coração os ouvia bem.

Já estavam exaustos de esperar quando escutaram o carro da polícia estacionando ali na frente. Passos pesados na escada e logo Liz e um oficial apareceram:

— Querido, pode vir aqui? – sussurrou encarando os olhos verdes apreensivos. Luke não queria deixa-lo sair, mas não conseguiu impedi-lo.

— Você terá que descer, Michael, mas vamos estar com você.

Com um suspiro pesado, o ruivo quase não escutou as palavras um tanto frias do oficial, que não parecia nem um pouco feliz de estar envolvido no caso.

— Garotas são tão ruins assim? — brincou abusando de sua autoridade.

O esforço feito para não lhe dar uma bofetada foi tão forte quando o amor que tinha por Luke. O mundo era um lugar muito sujo para uma criatura tão perfeita quanto seu namorado.

Desceram as escadas dando de cara com seu pai e mãe, os dois vermelhos com sangue nos olhos, prontos para trata-lo como um monstro.

— Seu desgraçado... – murmurou o pai – Vamos pra casa agora.

— Eu não vou, não mesm-

— Abre a boca mais uma vez pra você ver, moleque! Eu vou te concertar na porrada.

Os olhos dos Irwin e Hemmings seguiram para o policial, que esticou as mãos como se não pudesse fazer nada. Maldito, pensou Michael, era claro que ele poderia. Aquilo era uma ameaça, uma promessa de agressão física; mas Por que não deixar o gay apanhar, certo?

— Oficial, tenho 18 anos. Não sou mais dependente deles, certo?

— Bom, o garoto tem razão nisso – afirmou sentindo compaixão ao ver as lágrimas da mulher que se escondia atrás do marido – Por que não tentam ter outro filho? – riu com escárnio –
Deixa esse aí viver como quer.

— O!... O que? – exclamou Karen avançando no homem que inchou o peito.

— Sinceramente, tenho mais o que fazer do que resolver o assunto de duas garotinhas.

— Se você não voltar com a gente eu juro Michael, você não é mais meu filho.

As lágrimas e a dor fecharam sua garganta como um veneno ruim. Podia ser forte, podia ser decidido e até mesmo amar Luke com todo seu corpo e alma. Porém, era só um garoto. Começando sua vida como um jovem adulto; descobrindo o mundo e sua sexualidade, sua personalidade. E estava sendo abandonado, com uma promessa de não ter mais família, de não mais amado.

Sempre seria amado – da forma errada, mas seria. Michael não entenderia isso tão cedo, talvez nunca entendesse, mas essa é a realidade de muitos jovens no mundo, infelizmente. Seria amado de um jeito doloroso pelo resto da vida – ou por alguns meses, anos.

Outra coisa que nunca iremos saber: Talvez Michael fosse para casa aquela noite, talvez desistisse de si mesmo pelo amor materno e paterno. Nunca saberemos, pois as mãos firmes e confiantes do senhor Clifford repousaram em seus ombros e Liz afirmou aquilo que mais precisava ouvir:

— Nós seremos sua família para sempre.

— Nós também, – disseram os Irwin – Vamos te dar todo o apoio e amor que pudermos.

Com lágrimas pesadas e desespero nos olhos verdes, Michael encarou os olhos dos pais:

— A escolha não é minha, é de vocês. Não finjam que eu estou abandonando tudo. Vocês que estão me deixando.

Silêncio.

Muito silêncio.

Eterno e incomodo silencio que o seguiria para sempre na vida e em seus pesadelos.

— Pra mim você morreu.

Os Clifford foram embora sem se quer encostar no filho, sem se quer encará-lo um pouco mais.

—Acabou, Michael – a voz de Liz sussurrou antes de vê-lo quebrar.


Can You Love Me Again? [muke]Onde histórias criam vida. Descubra agora