CAP 25. Um cavalo desembestado.

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Minha garganta doía de tanto gritar.

Círius estava descontrolado indo direto para as cercas no fim do terreno de vovô Otávio, e eu não podia fazer nada além de me manter em suas costas. Eu mal podia me segurar nele, já estava cansada, com os músculos dos braços e pernas queimando ao tentar me segurar em meio a solavancos e coices, as mãos empapadas de suor escorregando das rédeas. Acho que seria mesmo o meu fim.

Se Círius não parasse de galopar de encontro com a cerca alta de madeira, provavelmente meu corpo seria arremessado à quilômetros com a força da parada brusca que faria para não se chocar com ela. Ou talvez ele continuasse mesmo assim, querendo de fato me arrebentar toda enquanto atravessava a madeira dura do cercado, levando-o a alguns ferimentos em meio a trajetória, e a mim, uma queda violenta e dolorosa. Bom, de qualquer jeito, eu tinha certeza de que iria me machucar. E muito.

Gostaria de poder dizer que meus últimos pensamentos antes do choque fossem arrebatadores, cheios de flashback's com inúmeras imagens felizes e rostos projetados da minha mãe e pai sorrindo em uma visão enevoada e calorosa, com uma menina desengonçada aparecendo e sorrindo timidamente ao dançar em sua primeira apresentação de balé na escola, acompanhando o seu crescimento cronologicamente, assistindo momentos marcantes até chegar a vida adulta. Mas tudo o que pude pensar naquele instante foi:

AAAAAAAARRRRGGGH!

E então um puxão. Círius mudou de direção indo para o lado relutante. Consegui manter a mente funcionando em meio a tontura que me abateu sentindo a cabeça girar e embaralhar os pensamentos e vi uma sombra ao meu lado. Demorei alguns minutos para raciocinar quem era em meio ao pânico que me inundava, então pude reconhecer seu rosto. Ele cavalgava bravamente ao meu lado montado em um cavalo preto de longas crinas sedosas e esvoaçantes. Reconheci Elvis de imediato. E em sua cela, um homem de meia idade e cabelos grisalhos me acompanhava lutando para segurar as rédeas de Círius com bravura. O rosto tenso e apreensivo tentando nos parar a todo custo. Seu Marcos, o pai de Felipe apareceu para salvar a minha vida. Logo, o meu peito afundou e senti uma gratidão enorme por vê-lo ali quase desmaiando de tanto alívio. Eu não estava sozinha, afinal. Eu não iria morrer. Nem muito menos quebraria as pernas! Estava sendo salva, graças a Deus. 

Mas, ainda não estava completamente em segurança. Círius ainda galopava com muita velocidade e relinchava parecendo furioso. Agora eu entendia bem porque todos o reconheciam como o cavalo mais selvagem da fazenda. E eu, claro, tinha que ter montado nele. 

Iupi.

Ele coiceava, parecendo determinado a me retirar da cela a qualquer custo. Ao meu lado, Seu Marcos puxava o animal para freá-lo, mas era quase impossível rebater a força dos cascos de Círius, e logo vi Seu Marcos pingando de suor. Fiquei aflita, com medo, achando que não iria conseguir. O alazão Elvis se esforçava para acompanhar Círius, mas ele não era tão ágil nem muito menos chegava a estatura dele. Seu corpo pequeno e largo não era páreo para o corpulento e descontrolado cavalo que eu montava. Por um momento, achei que estava tudo perdido.

Elvis não parecia mais tão bem humorado como das outras vezes em que o encontrei. Ele cavalgava com a maior velocidade que podia obter, mas sem muito sucesso, ficando para trás juntamente com Seu Marcos. Essa era uma boa hora para entrar em pânico. Outra vez.

Mas, algo aconteceu. Nos aproximando do celeiro, vi Felipe correndo em nossa direção. Meu coração bateu em descompasso. Eu queria gritar para que ele parasse, para que esquecesse essa ideia maluca de bancar o herói, se mandasse dali, mas minha voz já estava esganiçada de mais e rouca para sair como eu desejava. Já era tarde. O que quer que ele fosse fazer agora, teria que dar certo. Então, Seu Marcos conseguiu segurar as rédeas de Círius outra vez com mais força obrigando-o a parar. Círius coiceou perdendo velocidade e se rebatendo. Dei um solavanco para trás batendo a bunda com força na sela tentando voltar ao equilíbrio e me segurar. Ele estava conseguindo fazê-lo desacelerar. A frente, Felipe parou erguendo as palmas da mão, como se quisesse acalmar o bicho enlouquecido e esperando ele chegar mais perto. Elvis conseguiu ficar lado a lado com Círius, e Seu Marcos finalmente pôde puxá-lo e ir o parando aos poucos. 

Um caipira em minha vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora