Cap 37. Abro mão.

5.3K 385 54
                                    

Ele

Dizem que levamos 7 segundos para dormir. E que nos primeiros 6 minutos e cinquenta enove segundos, nossa cabeça automaticamente reproduz cada um dos momentos vividos ao longo do dia. E que no último segundo, aparece a imagem da pessoa que mais nos tem feito feliz. Finalmente, o cérebro processa essa imagem e começa a transmiti-la em forma de filme, um filme chamado sonho. O mais engraçado disso tudo é que eu ainda não estava dormindo. E mesmo assim, meu cérebro projetava incessantemente a doce imagem de Helena, do seus olhos e do seu sorriso como um acalento no meio da madrugada.

Mas, me levanto no dia seguinte com uma outra perspectiva em mente. Outros pensamentos inundando a minha cabeça. A realidade me atingia forte trazendo-me lucidez. Eu comecei a esmorecer. A verdade é que, depois do que nos aconteceu, eu sabia bem o que devia fazer, mas, ainda não estava pronto para desistir.

Lá no fundo, mesmo depois de me sentir curado por um curto período de tempo e esquecido completamente quem eu era ao seu lado, eu sabia que precisava acabar com isso de uma vez por todas. Helena precisava partir. Eu preciso protegê-la. Jamais me perdoaria se algum dia eu a magoasse, e com todas as minhas mentiras e segredos, isso era o mais provável a acontecer.

Ela começara a desconfiar. Não iria mais tolerar os meus segredos. Não iria mais engolir mentiras.

Não posso mais continuar fingindo.

Seria bom ter a minha mãe aqui pra me dizer o que fazer. Ela certamente me mostraria o melhor caminho e o seu conselho me salvaria de uma péssima decisão. Ela era sábia, inteligente e entendia como ninguém as questões do coração. Mas... Acontece que ela não está. Se fora a tanto tempo que já nem me lembrava mais como eram os detalhes do seu rosto, o som da sua voz, sua risada...

Gostaria de poder guardá-la pra sempre na memória de uma forma verdadeira, enaltecendo todos os seus detalhes, gestos e características com perfeição na minha cabeça, mas, a memória é fraca, e faz os pensamentos se perderem distorcendo a lembrança que possuímos. Daí, de repente, tudo aquilo parecer ser irreal, fantasia. Eu já nem conseguia mais me lembrar de como era o seu sorriso. Nem com o quê os seus olhos chegavam a brilhavam.

Isso dói. Todas as vezes que penso a respeito, sinto o peito apertar e ficar tão pequeno quanto um grãozinho de arroz. Não se lembrar mais da pessoa mais importante na sua vida é um mártir, ainda mais quando se perde alguém tão cedo quanto eu, onde a memória fica mais perdida e distorcida com o passar dos anos.
Mas, apesar de tudo, a dor me fazia pensar que por eu não conseguir me lembrar das minúcias da minha própria mãe, eu talvez não consiga ver um futuro bom pra mim mesmo também. Como se minha vida fosse um borrão desconexo igual ao seu sorriso perdido há muito tempo. Eu não conseguia visualizar, não conseguia acreditar qual dos mil e um sorrisos imaginários que tentei encaixar no seu rosto era o verdeiro. Como se o problema fosse em meus olhos, e eu não conseguisse ver um amanhã bom onde eu e Helena finalmente seríamos felizes juntos.

Eu não podia acreditar nisso. Era pedir de mais. Fantasiar de mais.

Como eu poderia fazê-la feliz? Não tenho nada a lhe oferecer a não ser um coração que falha. Run. Que ótimo presente, não é mesmo?

Eu sou um cara racional. E como tal, sei muito bem que isso não é o suficiente.

— Felipe! — uma voz firme e autoritária me acordou dos meus devaneios. O trotar do seu cavalo se aproximando me fez desencostar da parede de madeira do celeiro.— Pare de sonhar e venha me ajudar rapaz! Se mecha!— pediu papai ao parar em minha frente montado em Elvis. 

Ele me olhou por um segundo com aquele mesmo olhar de sempre. Aquele em que ele tenta esconder a preocupação e o medo de estar exigindo de mais de mim, mas que por ser o capataz e o responsável por toda a fazenda, jamais admitiria aos outros que seu único filho forte e prestativo precisava de alguma ajuda ou de algum descanso. Embora, eu precisasse todo santo o dia sem nunca antes admitir.

Um caipira em minha vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora