01 - Rosas

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            Duas carruagens reais perfuravam o fino manto de névoa que cobria a estrada de pedras, escoltadas por cavalaria armada com mosquetes e espadas. Em uma delas, era transportada a valiosa prisioneira. Entretanto, foram contratados para raptá-la e executá-la, da forma mais cruel que lhes convinham. Mas antes de completar o serviço, apostaram em usá-la como uma peça-chave para barganhar recompensa com a nobreza de Arnália por um suposto resgate de sua estimada condessa.

O silêncio da noite fria foi rasgado por um bramido longo de algum ponto entre as árvores a frente.

Um uivo peculiar. Um prenúncio.

A guarda toda entrou em alerta. Os mercenários desaceleraram abruptamente seus cavalos, os fazendo relincharem enquanto uns levantaram os cascos dianteiros e por ordem pararam de mover as carruagens puxadas.

Na retaguarda, a líder do grupo, com equipamento de couro e capa longa, sacou a pistola de pólvora do coldre e na outra mão empunhou sua rapieira, e puxou o cão da arma até ouvir o click. Os mais próximos que a viram se armar repetiram o gesto. Como uma cascata de sonidos, todo o bando sacou suas armas.

— Vigiem as margens — ordenou a veterana. O som era conhecido por ela. Era o tipo de uivo de um chefe de alcateia.

Quando pares de olhos brilhantes começaram a serem visíveis dentre os arvoredos, o primeiro lobo emergiu feroz para saltar no pescoço de um cavalo, fazendo ele se assustar e derrubar seu montador. Outro e depois vários surgiram de trechos diferentes da estrada, emboscando e atacando por ambos os flancos. Era uma matilha de lobos grisalhos, uma raça conhecida pela sua violência dos ataques em grupo. Quanto mais forte era o chefe, mais forte e unida era a matilha.

A veterana desferiu um golpe de rapieira de cima do cavalo, lacerando a lateral de uma das feras caninas que saltou para feri-la e atirou precisamente na carranca salivante de outra que se aproximava raivosa, fazendo-a tombar desajeitadamente no sangue aspergido. No caos desesperador, as criaturas se fizeram incontáveis. Os mercenários disparavam desordenadamente contra os animais hostis, levantando véus oscilantes de fumaça do cano das armas, e até mesmo o estrondo da pólvora em ignição falhava em afugentá-los, o que se era esperado para qualquer animal selvagem.

Tentando defender a carruagem com um arcabuz, o cocheiro foi tomado de assalto com um som alto repentino vindo de logo atrás; uma pancada pesada que foi o suficiente para deformar o teto veículo. Achou que se tratava da queda de um tronco para fazer tamanho estrago e, ao se virar para conferir, visualizou apenas por um instante uma mão semi-humana que transpassou sua jugular. Largando a arma, o cocheiro inutilmente tentou estancar o pescoço aberto e desabou na estrada sob a sombra da matança.

Apesar de estarem ocupados com os lobos ensandecidos, alguns mercenários, que tiveram a atenção tomada pela pancada, testemunharam um vulto sombrio rompendo com os punhos as cordas que prendiam a estrutura do veículo aos cavalos. A neblina artificial e confusa deixada pelos disparos, silentes naquele instante de hesitação, ofuscava a besta sob vagos contornos de um homem trajado em negro. Olhos aguçados, forjados de ira indomável, perfuravam a fumaça quando ela se afinava para lançar a sina aos que à besta ousavam mirar. Era uma criatura evocada do pesadelo nefasto de um conto maldito.

— Um demônio noturno! Atirem! — Alertou um atirador aos demais, os forçando a sair do transe de medo, disparando em vão uma seta de balestra na neblina. — Afastem-no da condessa!

Balas foram desengatilhadas contra a forma sinistra, mas o mesmo se movia agilmente e com uma graciosidade feral, escapando, fazendo os tiros abrirem perfurações na madeira da carruagem. A criatura rolou na estrada de paralelepípedos, agarrou um mercenário e o arrancou de cima do cavalo, jogando-o contra outro que vinha pronto para usar a baioneta. Ficava claro a cada instante que se tratava de um oponente invencível e o pavor entre os raptores escalou.

Karnácia: Condessa ProfanaOnde histórias criam vida. Descubra agora