11 - Talo

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[em revisão]

"Era meiga a tentativa de Dyron induzir uma amizade plena entre mim e sua irmã. Não, era tola. Qualquer um que fosse culto nos tomos da Trindade, enxergando-os sem vieses da doutrina já era digno de meu respeito. Amizade depende de detalhes sutis, que para mim, são inúmeros.

Na época, Aylin me apresentou a volumosa biblioteca dos Greymuns, impecável e repleta de cópias de raridades antiquíssimos. Também me apresentou seu trabalho com os bestiários e pude ajudá-la com algumas doações da minha coleção particular e relatos pessoais.

Era curioso em demasia como uma dama casta igual a ela consumira os mesmos textos que eu. Todos com teor religioso. O grimório de Irgara que ela me apresentou era bem parecido com o mesmo que eu lia nos porões do convento. Aquela mulher pura lera aquilo tudo sem se corromper às tentações dos feitiços. Sim, eu a admirava também por isso, e ela de sua forma também me encarava, pois assim como ela sou perita nos livros sacros de Vênna.

-- Cada uma escolheu um caminho, mesmo tendo as mesmas fontes. -- Aylin uma vez disse-me. Jamais cativei intimidade, mas certamente o barão lhe contara muito sobre mim.

-- Mesmas fontes -- fechei o grimório negro para devolvê-lo --, mas vivências distintas. Senti coisas e estive em momentos que jamais imaginaria.

-- Espero que não se sinta superior por isso. -- Senti todo desconforto e a aversão da garota pálida por mim.

-- Me envolvo apenas com quem preciso ou quem quero. Não sou escrava de minha libido, ela que é minha escrava. -- Deixei claro, sem receio de ofender. Ela, uma anja intocada, poderia ser o quão culta fosse, nunca teria a real noção dos sentimentos humanos. -- E fique tranquila, meu interesse carnal por tí é assustadoramente nenhum."

Em Kállina, curativos foram feitos por duas conselheiras, mas em Jaren, fora Méry quem fizera. O vampiro não era exatamente uma ameaça às seguidoras da Condessa, mas a garota era quem mais tivera afinidade com ele. A bruxa retornara à sala onde os dois estavam, um dos lugares que permaneceu intocado no palácio. A noite terminava, finalmente, e o levante solar era notado nas largas janelas retangulares.

Parou diante deles, permanecendo de pé. Fatigada, a dama dos olhos-de-jade encarava emanando seriedade perfurante.

-- Por favor, retorne-me à prisão. -- Pediu Jaren. Seu tronco estava todo enfaixado e seu ombro tinha grandes ataduras ensanguentadas. Seu estado era péssimo para um humano comum, mas tolerável para um vampiro. --- Perdoe-me por desrespeitar as regras de teu lar, fugindo da cela.

Cavalheirismo em demasia. O controverso templário nem sequer questionou a razão de estar cativo. Aceitaria o que lhe fosse ordenado, sem questionamentos. Era uma estranha submissão para alguém como ele.

-- Vocês incineraram a cela. -- Havia inesperado desprezo pelo ocorrido. Ela desapegou verdadeiramente do original propósito da prisão e de suas memórias. O local temporária para conter Dyron em seu ápice da licantropia provavelmente não seria mais útil. -- Salvamos um ao outro, vampiro. Espero o mínimo de parceria contigo.

-- Não sou mais teu prisioneiro? -- Jaren olhou para Méry por um instante. -- Sou livre para retornar ao meu isolamento então.

-- É claro. -- Kállina sorriu e se recostou na lareira apagada, indicando a janela fechada. -- Afinal és imune ao sol, como dizem os boatos sobre um tal Luz Negra.

O vampiro desviou o rosto, fitando a claridade que se espremia por debaixo das cortinas. Via-se impotente e nada fez, ficando calado.

-- Ele só tolera a luz por aguentar a dor da queimação. -- Méry acrescentou, arriscando expor o segredo dele mesmo que isso fragilizasse a amizade que crescia entre os dois. -- Acredito que morreria da mesma forma. -- Sua fidelidade maior ainda era com sua mestra.

Karnácia: Condessa ProfanaOnde histórias criam vida. Descubra agora