10 - Pétala Selvagem

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"Dor, a maior fonte de inspiração. Pena ser um preço tão alto."

Um dia fora dado.

Nenhuma manifestação sequer fora reportada. Os caçadores de demônios prestaram vigília na entrada do cômodo adaptado para a função improvável. Mais uma vez o palácio da Condessa Kállina d'Karnácia abrigava boatos e sombrios que seriam abafados antes mesmo que escapassem dos muros.

Acompanhada de sua aprendiz, desceu pela escadaria circular das adegas e armazéns, dirigindo-se para onde outrora havia câmaras secretas de confinamento, que ficaram vazias por um bom tempo -- até aquela data.

Os dois caçadores que guarneciam a porta de aço a saudaram, sendo um perito em balestra imobilizadora e outro em armamento de prata, caso o primeiro falhasse. Destrancaram os mecanismos massivos e liberaram a passagem. Duas alquimistas foram destacadas para vigiarem por dentro da cela, onde fizeram anotações e ilustrações para os arquivos, além de manterem as muitas luzes em todas as paredes sempre acesas. Kállina sabia que eas poderiam prover escassa e nenhuma proteção contra o prisioneiro, mas, na verdade, sua preocupação era com o que poderia tentar entrar lá para roubá-lo dela. Por esta razão, os melhores caçadores foram posicionados ao lado externo.

O quarto estava bem provido, abrigando confortos como uma cama larga, mesas com livros e alimentos -- esses mal foram tocados, diferente dos primeiros --. Os objetos aparentavam perfeito estado, até diferente do imaginado, com exceção de uma cadeira que fora desmontada para servir de matéria prima para uma rústica obra; uma cruz de Vênna, sobre um criado, rodeada de frutas.

Era um altar com seu tributo, e este sim, improvisado e inesperado.

A cruz estava desenhada nos esboços de uma das alquimistas, com inscrições codificadas usadas em feitiçaria. Aquilo intrigou as conselheiras por muitas horas, mas foram instruídas a não interagir com o "visitante", apenas observar as nuances comportamentais.

-- Dispensadas.

Kállina deu a ordem como uma general a suas capitãs que saberiam quais eram as obrigações. As alquimistas se retiraram junto dos tomos de anotações e Méry lançou discretamente um olhar para elas enquanto passavam pela saída, em um sorriso quase desenhado em total provocação. Afinal, era ela a predileta, a conselheira mais jovem entre todas, a escolhida para herdar as artes ocultas da condessa bruxa.

A porta se fechou, concedendo-lhes privacidade. Imóvel, desde que chegaram, a criatura continuara na mesma posição; na frente da cama, sentado ao chão sobre as pernas cruzadas, com uma pilha de livros a esquerda e outra a direita, com rosto firme ao volume que consumia em suas mãos. O som da página sendo folhada tinha uma frequência acelerada e quase pontual.

-- Como estão tuas feridas?

Cinco ou seis segundos. O livro fora fechado, a cabeça erguida.

-- Falas com minha pessoa? -- olhou-a por sob os cachos.

O timbre agradável, delicado, contudo, não sedutor como na maioria dos vampíricos. Kállina ponderou na resposta. O sujeito demonstrou-se calmo até demais e queria mantê-lo assim.

-- Sim, contigo.

Posicionou o livro sobre os demais e ergueu-se em um movimento contínuo, demonstrando graciosidade de dançarino. Os cachos eram suntuosos, cascatando ao longo do peito e das costas da vestimenta degradada. Aparentava magreza e poucos músculos, o que em nada diminuía a real periculosidade de um vampiro. Mas nada se destacava mais que sua pele negra.

-- Estou bem melhor. Curo-me rápido em repouso, principalmente de queimadura solar. -- Caminhou até o fim de seu restrito aposento, envolvendo as barras com as palmas e os dedos. Depois daquela barreira, haviam mais duas camadas de grades, como três grandes jaulas uma dentro da outra guarnecendo aquele peculiar quarto no interior da prisão subterrânea. -- Este confinamento me intrigou. Há marcas de algo monstruoso nas hastes internas. Para quê ele servia?

Karnácia: Condessa ProfanaOnde histórias criam vida. Descubra agora