05 - Ébano

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Interior de Versânia

Anos atrás


Chuva forte sobre o telhado e varandas junto das notas cuidadosas tecidas pelo bardo davam o ritmo à noite fria. Vastas mesas retangulares se alongavam ao centro de teto alto do primeiro piso da estalagem, com dezenas e mais dezenas de clientes de todos os tipos bebendo, comendo e fumando noite adentro. Conversas, risos e apostas eram infindáveis assim como os tonéis e a carne de javali. O segundo nível de abertura no miolo com parapeito permitia espiar tudo o que acontecia abaixo, assim como o último andar, sendo neste  que os mais abastados costumavam beber.

O narguilé, um curioso instrumento de fumo trazido de países distantes, era usado por uma dama e seus acompanhantes. Se passavam por senhores formais que tratavam de negócios, porém os ouvidos aguçados como de um lobo lhe diziam o contrário. Dyron sorriu ao ouvir a dama mencionar desejos ocultos aos rapazes que a ladeava. Minutos depois o trio se retirou para dentro dos corredores internos do andar e entraram em um dos cômodos alugados da estalagem.

Nas outras mesas daquele andar, nobres eram seduzidos por acompanhantes bem vestidas, cortesãs luxuosas de Versânia com um charme própria do povo da província, desde as curvas à feição peculiar da região.

Então, uma mulher loira de trajes exuberantes emergiu dos corredores sozinha e lhe lançou olhares convidativos por instantes. Em seguida, ela sentou-se casualmente na mesa de Dyron, que bebia desacompanhado por horas em silêncio, divertindo-se ao observar sorrateiramente todos aquelas pessoas simplesmente sendo o que são de verdade longe das rotinas.

— Tanto tempo sem companhia — intrometendo-se, a estranha pegou um dos assentos sem ao menos perguntar se poderia — Não acho que esteja a espera de mais alguém aqui.

— Costuma ser assim — Dyron balançou suavemente o vinho na taça. Diferente da maioria dos homens que buscavam bebida para saciar seu paladar limitado, ele bebia pela essência do líquido em si — Gosto de ficar sozinho.

Ou simplesmente ficara desacompanhado por se desfazer de cada cortesã que tenha se oferecido a ele. Pelo menos até agora.

— Duvido que goste da solidão todas as noites — ela se aproximou mais da mesa na direção dele. A beleza dela era inegável. Não prestava atenção ao decote ou as coxas que transpareciam sob a saia e sobre a meia fina, mas ao rosto dela, tão feminino, delicado e vívido ao mesmo tempo.

— Claro que não — queria dispensá-la e voltar aos próprios pensamentos, mas não conseguia. A curiosidade o mantinha atento a ela — Algo em você me cativa. Não é uma mulher comum desse povoado, posso notar. Sua ausência de sotaque denuncia. Você é de Ellýria assim como eu — deduziu.

Com um sorriso discreto e atraente, e uma rápida desviada de olhar, ela assentiu com um gesto.

— O observei desde que pisou nesta casa. Nenhum homem que entrou aqui me pareceu tão interessante quanto você — levantou os olhos ao sujeito de sobretudo preto. De fato, o barão detinha a feição de um excêntrico nobre, de longo cabelo negro e barba bem cuidada. Tinha o porte de um cavaleiro ou de alguém que certamente sabe lutar. Os braços e o peitoral eram fortes, e os ombros largos, e ela imaginou qual seria a força da pegada. Tinha o olhar de predador na postura de um lorde, com a íris escura como a noite se destacando na pele alva — Vi outras tentarem se aproximar. Todas fracassaram, mas aqui estou, diante de ti.

— Talvez por ser a menos vulgar e mais educada. Talvez por eu querer alguém para compartilhar palavras e pensamentos — sorveu um gole do cálice após apreciar o aroma e o colocou sobre a mesa.

— Qual é sua vontade então? Irá contar-me?

— Minha vontade — ponderou sobre a pergunta, genérica e abrangente. Nenhuma resposta simples seria honesta o bastante além da mais sincera — Quero encontrar meu lugar — sorriu encostando as costas no assento almofadado da parede de madeira lisa — Aprecio a fragilidade humana. A aposta que é viver cada dia com tantas vulnerabilidades e impotências. Sinto como se não fizesse parte disso — pretendia dizer mais algo, mas deixou o fio de sua fala no ar.

Karnácia: Condessa ProfanaOnde histórias criam vida. Descubra agora