(conto) Melena d'Corvo

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"Inspirado em pesadelos eróticos de ninfomaníacas e outros amigos"


DA INSÂNIA, E DOS LUARES

Gris d'natura névoa, do minguante luar banhando aos olhos; o par de jades nebulosas que guiavam na vastidão de nocternidade a portadora do deslocar letárgico. Dragada sob sombras, translúcida ao mover embebedado de vinho branco, provava da leveza dos pés que não narravam sob a neblina a sensação do caminhar. A estrada sem princípio na garganta da floresta morta dilatava, em perversão, a língua serpe de pedras entre arvoredos retorcidos sob opressão nefasta de copas desfolhadas cortantes. Tintura negra na tez pálida ornava aos orbes e à boca de lábios vultosos, e o vestido em réquiem sedutor de rasgos nas extremidades denunciava a desventura pelo minueto trágico. O destino fazia-se incerto do mesmo modo que a razão. Fugia de si, desvencilhava da existência, e o próprio questionamento do porquê se deteriorava em mais letargia. Lamento longínquo rasgava-se em ventania intangível, a tênue sinfonia caótica de ininterruptos gritos a preencher os ares de tranquilidade lúgubre.

Esvanecera o enluarado bosque pestilento, por uma fração, eclipsado sob a asada sombra de projeção ciclópica, em distante e inalcançável voejo. Abandonadas ossadas de um templo de remotos éons saudavam com silentes trombetas negras ao caminho incompleto, e a vida mais pura daquelas terras eram suas heras rastejantes entre fendidas colunas. Venerados entes amorfos do esquecimento, corníferos, caprinos e espinhentos, jaziam nas lápides em entalhos repulsivos de submissão e danação da carne, em humilhação da compleição humana além do imaginável ou suportável. Nenhum vestígio de mentes sãs sequer manifestava-se, e o febril toque a tudo reinava. Cessou seu deslocar fantasmagórico na clareira da neblina, aguardando o inevitável assalto daquilo que revoara sob a lua.

A pele que se cicatrizava ao pulso carregava a memória mais próxima do confiável, com inscrições que traziam o nome em runas sobrepostas grosseiramente. Annie; um apelido, um sussurro transcrito de secretas fantasias, o chamativo de intimidade para amantes que declinavam os lábios até seu ouvido salientando devassidão.

Perscrutando nas colunas sob o céu desestrelado, a assombrosa forma permitiu ser notada, sendo encarnação de um dos túmulos dos deuses profanos gravados. Nada, senão o vislumbre do contorno horrendo de espinhos eretos e uma face que revelava a forma em lentidão, de assimilação inatingível. O que se interpretava, ante as nuances que excediam a lógica, era um manto metálico que emoldurava o semblante, uma vestimenta de batalha com elos de aço, que cobria a entidade como véu de um ídolo subvertido às guerras entre o sacro e o infernal. A feição bela e maculada da santa apresentava rastros de sangue negro e um par de esferas profundas e inertes, com as demoníacas pupilas contraídas ao núcleo da auréola flamejante.

De tão inumana, fez-se humana.

Uma lufada vaporosa do respiro recobriu a figura da penumbra um instante, até se dissipar na noite eternal. A álgida ardência de seu timbre demonstrou-se asfixiante, oscilando entre voz lacerante e puro pensar invasor.

"És Melena d'Corvo... a jovem que abrandara a luxúria em lençóis respingados ao masturbar-se na imagem e na adoração do Arauto de Horrores. Sou a Baronesa Imortal, a vassala do Arauto... e teus doces gemidos de excitação foram ouvidos e apreciados, até mesmo por mim... Ele enviou-me para presenteá-la, oh, pecaminosa."

Emman, a entidade da morbidez e do prazer, assim manifestara-se, resguardando as incompreensíveis formas que assumia por ser fruto da insanidade nos desejos mais perversos.

Palidez noturna prateava ao redor com feixes transpassados do insulamento. Palavras lhe eram roubadas, mantendo-se muda. Hesitação e pavor, pois até o ato da fala alienara-se. A boca abria-se sem função e insistiam os orbes taciturnos contra o olhar inabalável e imutável da entidade.

Karnácia: Condessa ProfanaOnde histórias criam vida. Descubra agora