Prólogo

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Enquanto a gaita de fole soava bem baixinho lá fora, na hospedaria do velho Groon estava um silêncio ensurdecedor. O motivo para tanta tensão estava sentado no canto, bebendo sua cerveja preta e aguardando o momento certo para tirar sangue de alguém. O nome do homem ninguém sabia. Alguns o chamavam apenas de mercenário, outros de assassino, e a maioria, de khaishi.

O homem de chapéu preto deu um longo gole em sua cerveja e bateu com a caneca vazia na mesa. Todos estremeceram com o som, menos um rapaz loiro e franzino que estava sentado no outro canto do salão junto a um alaúde, aparentando indiferença e achando tudo engraçado. Foi o único a ter coragem de olhar nos olhos do homem.

E ele não gostou disso.

— Parece que temos um cantor aqui — o khaishi disse em um tom debochado. — Um cantor corajoso.

O rapaz levantou os olhos para o outro, pousou seu copo na mesa, abriu um sorriso zombeteiro e tirou um acorde alegre de seu alaúde.

— E um dos melhores cantores de toda Mystral. — disse o rapaz loiro, levantando-se e fazendo uma reverência. — Lewrence de Pontavelha, se assim lhe agradar.

O homem de preto sorriu um sorriso sádico.

— Então, Lewrence de Pontavelha, você é meu escolhido de hoje.

— Escolhido? — Lewrence questionou, com uma única sobrancelha levantada.

O homem enfiou a mão no bolso e jogou uma moeda para o bardo. Lewrence agarrou a moeda, e arregalou os olhos quando a examinou.

— Uma Harpia de Ouro! — ele exclamou, espantado e contente.

O homem de chapéu preto sentou-se em uma mesa mais próxima de Lewrence, e sorriu.

— Um bom pagamento por uma boa história. — disse. — Ou um pagamento ruim por uma história ruim. — desembainhou a espada e a pôs sobre a mesa. — Você escolhe, cantor.

O sorriso desvaneceu no rosto do bardo.

O silêncio voltou a tomar conta da taverna, deixando lugar para os cochichos e o som de chuva caindo no lado de fora. Lewrence olhou para a moeda e depois para o homem, a dúvida estava estampada em seu rosto.

— E então? — a voz do homem era assustadoramente suave. — Terei uma história ou terei sangue?

Os olhos do bardo encontraram os do khaishi.

— Terá ambos. — Lewrence disse. — O que tenho para contar é uma história de mortes, desgraças e maldições.

O homem abriu um sorriso.

— Meu tipo favorito de história. — fez um gesto com a mão. — Que comece então.

Lewrence de Pontavelha deu um gole em seu vinho, para limpar a garganta, e pôs-se a falar.

— A história que tenho para contar não é antiga, nem tampouco conhecida. — disse, quase sussurrando. — Não é sobre basiliscos, nem sobre Vengar, o Santo. É uma história sobre um garoto de Pontavelha. Um garoto que conheci. — sorriu. — Essa é a história de como Stephen Loren se tornou um kravani.

O khaishi fungou e pegou no cabo da espada.

— Histórias de bruxos. — reclamou. — Sabe que é sua cabeça que está em jogo. Não sabe, cantor?

— Claro que sei. — disse o bardo, com um vestígio de sorriso em seu rosto. — Não é à toa que escolhi a melhor história que conheço.

— Muito bem então. — o outro rosnou. — Saiba que enfiarei essa espada pelo seu cu se não me agradar.

Sorrindo e ignorando o comentário, Lewrence deu mais um gole em seu vinho, sentou-se na frente do khaishi e recomeçou.

— Para início de conversa, Stephen era um Loren. Isso deve ficar bem claro aqui. — suspirou quando viu as expressões dos outros. — É óbvio que não sabem o que isso significa. Pois bem, vou explicar então. A Casa Loren é, talvez, uma das mais antigas casas de Armok, e lorde Geller Loren é um dos homens mais poderosos de Pontavelha. Alguns dizem que é até mais poderoso que o barão Braken Hulliger. — sorriu — Imaginem o que um homem tão antiquado como Lorde Geller diria ao saber que seu único herdeiro desejava se tornar um dobrador da morte. É isso que os kravanis são. Eles dobram a morte sob sua vontade, podendo até mesmo evitá-la.

O homem de preto encarava-o com seus olhos negros como a noite lá fora, enquanto as outras pessoas tinham olhares assustados e arregalados.

— O kravanismo é algo tentador, vocês devem estar pensando — continuou Lewrence. — Porém, é preciso conhecer seus perigos. Um kravani estará sempre destinado a caminhar lado a lado com a morte, e isso significa que muitas vezes deverá causá-la. — percebeu um sorriso no rosto do khaishi e os olhares apreensivos e curiosos nos outros. — A primeira coisa que um kravani aprende é a morrer, e a segunda coisa é conjurar a vida através dessa morte. — ele encarou o khaishi. — Com Stephen Loren não foi diferente. Ele iniciou sua jornada sendo levado pela curiosidade que todos os jovens têm em conhecer o desconhecido. Mas logo percebeu que não haveria caminho de volta.

O Bardo na TavernaOnde histórias criam vida. Descubra agora