Demorou dois dias para se preparar para a viagem, e agora, três dias após deixar Pontavelha, a chuva castigava o manto de Wicko enquanto a carroça seguia seu rumo, balançando de um lado para o outro e rangendo entre uma elevação e outra. Wicko começou a sentir calos em suas coxas, e seu humor não estava nada agradável.
O homem que conduzia a carroça era um servo qualquer do Mestre; um homem de barba mal feita e cheiro de vinho exalando de suas axilas. Mas era um bom carroceiro, conhecia a estrada, e era disso que Wicko precisava no momento.
— Ainda não vejo muro algum. — Wicko teve que gritar para fazer o velho ouvir.
O carroceiro olhou de relance para trás, franzindo o cenho.
— Eu lhe disse — reclamou. — Após aquela colina. — E apontou.
— Que colina? — Wicko não via nada além dos grossos pingos que caíam.
O velho o ignorou. O Mestre dissera que ele precisava confiar no carroceiro. Era um homem experiente, confirmara seu tutor, mas Wicko não confiava em ninguém além de si, e estava começando a sentir a pele se enrugar; três dias sentado em uma carroça deixaria qualquer um de mau humor. Ainda mais com aquela chuva, e com aquela companhia agradável.
A carroça parou.
— Agora é com você, garoto. — o velho disse.
Wicko desceu. O peso de seu manto o obrigava a se esforçar até mesmo para andar. Olhou para o norte e viu uma pequena colina.
— Onde está o barão? — perguntou Wicko.
O velho já estava virando a carroça.
— Na cidade, ué. — disse, impaciente. — Gareen fica há cem metros, e Harold é barão de Gareen. Onde mais ele poderia estar?
Wicko abriu um sorriso.
— Eu sinto muito.
— Sente muito? — o velho levantou uma sobrancelha. — E por quê?
Wicko puxou o punhal tão rapidamente de seu cinto que o velho não teve nem tempo de tentar desviar do golpe que atingiu sua garganta, fazendo uma cachoeira escarlate jorrar de sua jugular. Wicko saqueou os bolsos do velho, pegando uma pequena bolsa de moedas de cobre e algumas de prata.
— Boa sorte em sua jornada. — Wicko disse ao corpo do carroceiro.
Subir a colina foi algo trabalhoso, mas depois de alguns minutos ele conseguiu. Sua calça estava imunda de lama até os joelhos, e ele sentia poças dentro de suas botas. Ele manteve a calma, dando um passo de cada vez, calmamente, até que sua visão o agradou.
Os muros de Gareen emergiram detrás das colinas. Era uma cidade enorme, uma fortaleza. Agora já estou aqui, pensou, não posso voltar atrás.
Ao chegar aos portões da cidade, foi recebido por um guarda que vestia cota de malha e portava uma espada longa.
— O que quer? — disse o soldado de cabelos loiros, estudando Wicko com olhos de reprovação. — Não temos comida.
— Sou um enviado de Braken Hulliger. Tenho uma mensagem para entregar ao barão Harold Spenzer. — retirou o pergaminho de seu bolso e entregou ao homem. O guarda leu as linhas e olhou desconfiado para Wicko.
— Suas armas. — disse. — Se deseja entrar, terá que deixar seus pertences comigo. Um voto de confiança.
Wicko assentiu. Retirou seu cinto e o entregou ao guarda, sentindo-se ameaçado sem sua espada. Em seguida mostrou a bolsa para o homem, e ele permitiu que ficasse com as moedas. Após estar nos conformes da cidade, o guarda abriu os portões e Wicko entrou.
As ruas da cidade estavam vazias, o que era de se esperar, por causa da chuva. Era uma cidade composta de casas de madeira e pedra, o chão era barro socado em algumas partes, e grama em outras. Wicko avistou uma hospedaria na esquina, e se dirigiu até ela. O Pirata Cego era o nome do lugar, e isso fez um sorriso se abrir no rosto de Wicko.
Ao entrar no salão, o calor e o cheiro de assado confortaram seu corpo. Isso não é bom. Não posso me acomodar, tenho uma missão.
Bebeu uma cerveja forte e comeu um pedaço de peixe frito com cebolas e alho. Quando estava finalizando a refeição, reparou em um grupo de homens que entrou no lugar, vestidos com mantos que um dia foram brancos e com seus talismãs ao redor do pescoço.
— Rá! — um barbudo gritou, batendo na mesa com o punho e gargalhando junto com seus amigos imbecis. — Chegaram nossas vadias!
Os monges entraram em silêncio, de cabeça baixa e ignorando as risadas e pedaços de comida que voavam contra eles.
É minha chance, Wicko pensou.
— Deixem-nos! — gritou, levantando e encarando o barbudo. — Respeite esses homens, seu bastardo. São servos do Triângulo, pessoas de paz.
O barbudo levantou-se também e deu dois passos na direção de Wicko. O vinho escorria pela barba ruiva e os olhos estavam vermelhos de embriaguez.
— Do que você me chamou? — rosnou.
— Bastardo. — Wicko disse com um sorriso. — Filho de puta, isso sim. Você é um pedaço de merda que se acha muito bom por insultar homens que não podem se defender. Venha até mim, desgraçado. Vem aqui para eu comer seu cuzinho!
O barbudo foi na direção dele em passos largos, e Wicko rapidamente pegou uma garrafa que estava sobre sua mesa e a quebrou na cabeça do homem. Ele bambeou, revirou os olhos, pôs a mão na testa e desmaiou quando viu o sangue em seus dedos.
Wicko correu rapidamente para a porta, mas foi cercado pelos guardas do lado de fora.
— Você vem conosco, arruaceiro. — disse o guarda que o recebera. — Será julgado pelo barão em pessoa. Saiba que ele costuma executar os homens que vêm para cá em busca de violência. Ele usará as próprias mãos para lhe matar. Deveria ter evitado Gareen, rapaz. A lei aqui é dura.
Não, pensou Wicko, estou no lugar certo.
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O Bardo na Taverna
FantasyUma taverna, um bardo e um assassino com sede de sangue. Esse é o cenário inicial desse conto cheio de reviravoltas e personagens carismáticos. Sente, peça uma cerveja e conheça a história de Lewrence de Pontavelha, um cantor que precisa fazer de tu...