Capítulo 6

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O guarda jogou Wicko, fazendo-o bater com o queixo no chão de madeira e soltar uma praga. Finalmente um lugar seco, pensou, e nobre.

O barão Harold Spenzer era um homem que devia ter por volta de quarenta anos; com cabelos grisalhos, corpo largo e um olhar severo. Wicko evitava olhar em seus olhos, assim como o Mestre o ensinara.

— Será difícil completar a missão se você sentir pena de seu alvo. — dissera ele para Wicko no dia em que o treinava. — Ignore seus sentimentos. Você deve ser a morte agora, e a morte não sente remorso.

Sim, mestre, respondeu em silêncio, como se seu mentor pudesse ouvir seus pensamentos. A compaixão não faz parte de mim. Sou a foice no coração dos homens.

— O que aconteceu? — o barão perguntou.

— O maldito quebrou uma garrafa na cabeça de Frank. — Respondeu um dos guardas.

O barão se aproximou.

— E por que exatamente ele fez isso? — A voz de Harold Spenzer era serena e tranquila, como se aquele inconveniente acontecesse todos os dias.

— Porque eu quis. — Wicko respondeu sorrindo.

A bota do barão acertou sua costela, e ele soltou um gemido.

— Eu não lhe dei permissão para falar. — disse Harold. — Soldado, o que aconteceu realmente?

— Frank e seus amigos fizeram brincadeiras com um grupo de monges que entraram no Pirata Cego, e esse aí não gostou. Partiu para cima do homem e o atingiu em cheio.

O barão soltou uma gargalhada.

— Tem que ser um maldito bem corajoso para ferir os sentimentos de um homem como Frank. — fez um gesto para seus guardas. — Saiam. Desejo falar a sós com... — olhou nos olhos. — Qual seu nome?

— Wicko.

— Wicko, é? — o barão não sorria. — Lembro-me de um Wicko. Mas aquele não era tão tolo quanto você. Bem, de qualquer modo, isso não importa. — sentou-se em sua poltrona. — O que veio fazer aqui?

— Matar você.

— Me matar? — os olhos do barão piscaram umas vinte vezes. Ele tentou abrir um sorriso, mas o mesmo se desvaneceu em seus lábios quando percebeu a seriedade de Wicko. — E quem enviou você?

— O barão de Pontavelha, Braken Hulliger.

— Brak... — ele fechou os punhos e socou a mesa, levantando-se enfurecido. — Malditos sejam os Hulliger! Eu devia ter matado todos eles quando tive a oportunidade.

Wicko se levantou, sentindo dores fortes onde Harold Spenzer o chutou.

— Você é um covarde, senhor. — disse. — Não tem colhões para matar um homem como Hulliger.

O barão também se levantou para ficar frente a frente.

— E você fala demais, garoto. Tirarei essa história a limpo. E será hoje. — deu um empurrão em Wicko, abriu a porta com força e gritou: — Langford! Venha aqui, agora!

O soldado apareceu rapidamente.

— Sim, senhor.

— Leve Wicko para a praça. — disse Harold Spenzer. — Cuidado, pois ele é um rapaz esperto. Encontrarei vocês em quinze minutos. Meu machado... Não esqueça meu machado.

— Certamente, senhor. — o soldado tinha um sorriso no rosto.

Wicko foi arrastado pelas ruas por dois guardas corpulentos, enquanto as pessoas lhe atiravam restos de comida, lama e pedras. Pelo menos a chuva diminuiu.

Quando chegaram à úmida Praça de Gareen, o soldado o deitou em uma pedra, de barriga para cima, e amarrou seus pulsos e pernas com grilhões. Wicko observou as estrelas e os finos pingos que caíam. Está uma bela noite para morrer novamente.

Após alguns instantes Harold surgiu no meio da multidão, vestindo negro e com um gorro cobrindo-lhe o rosto, deixando apenas seus olhos à mostra. Ele parou ao lado da pedra e lançou um olhar severo para o povo ansioso que xingava e praguejava.

— Silêncio! — um soldado gritou, e todos se calaram para ouvir.

— Este homem veio até nossa cidade com desejo de sangue. — disse Harold Spenzer. — Mas ele não é o culpado, que fique bem claro. — fez uma pausa dramática, para que os burburinhos aumentassem. — Braken Hulliger foi o responsável, e agora ele pagará. — olhou de relance para Wicko e continuou. — Enviaremos a cabeça desse espião para Pontavelha, e iniciaremos uma guerra contra os Hulliger e o reino de Armok!

GUERRA! — Um homem gritou no meio da multidão, e a euforia teve inicio, assim como Wicko esperava que fosse.

— Mate esse traste! — uma mulher gritou, tentando ela mesma vir em sua direção, mas foi impedida por um dos guardas.

Wicko puxou o barão pelo seu manto.

— Eu não deveria estar de barriga para baixo, com a cabeça para fora dessa maldita pedra?

— Você está em Gareen, rapaz. — disse Harold. — Aqui o acusado deve ver o machado se aproximando. Isso faz com que se arrependa de seus atos imundos antes de morrer.

Não, pensou. Não me arrependerei. Não sinto remorso. Sou a foice no coração dos homens.

A chuva voltou a cair com força, fazendo alguns dos curiosos correrem para dentro de suas casas. Mas a maioria continuou a jogar restos contra Wicko e gritar pragas. Todos me odeiam, mesmo sem saber quem sou. Se soubessem metade da verdade, eu seria temido, e não odiado.

Harold Spenzer pegou seu longo machado e olhou nos olhos de Wicko novamente.

— Suas últimas palavras, garoto.

Wicko sentiu vontade de sorrir e dizer ao homem que ele era um tolo. Mas tudo que disse foi:

— Com sorte morrerei.

O barão lhe olhou de modo estranho, como se hesitasse em completar o que viera fazer naquela praça. Mas os gritos lhe incentivaram, e ele desceu o machado em um único golpe, fazendo a cabeça de Wicko girar, assim como seu mundo e sua alma.

Tudo se apagou por um instante, se tornando um breu total e um silêncio gritante. Estou nas trevas, pensou. Estou realmente morto? Ouvia gritos lá longe, em algum lugar que era impossível saber onde. Mortos não ouvem, mortos não pensam.

...senhor...

Mas por que estava tudo tão escuro e confuso? Ele se esforçava para abrir os olhos ou ouvir mais claramente, mas de nada adiantava. Era apenas ele e as trevas.

...senhor, acorde...

Que voz era aquela, e por que o chamava de senhor? O Mestre lhe dissera que ele não morreria, mas ele sabia que sua cabeça rolara até cair da pedra. Ele sentira o machado tocando a pele de seu pescoço antes de tudo virar uma total escuridão...

Espere, pensou. Não sou mais Wicko. Wicko morreu, assim como Stephen.

De repente um calor subiu em seu peito e ele abriu os olhos.

— Senhor? — um soldado olhava para ele, preocupado e aflito. — O que houve?

Na sua frente estava o machado sujo de sangue, e a pedra em que Wicko morrera. Sobre a pedra jazia seu antigo corpo, decapitado. Não via a cabeça em lugar algum, e o sangue estava sendo lavado pela chuva. Os curiosos se dispersaram e voltaram para suas casas, satisfeitos.

Ele se levantou e correu na direção de uma poça de água.

Ao se ajoelhar e olhar o reflexo, abriu um sorriso.

Sim... vamos ver como é a vida de um barão.

— Envie uma carta de intimação a Braken Hulliger. ­— disse Harold Spenzer. — Ele tem o prazo de uma semana. Após isso, marcharemos aos portões de Pontavelha.

O Bardo na TavernaOnde histórias criam vida. Descubra agora