MOTOQUEIRO MISTERIOSO

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Não chega a ser muito mais alto que Ane Elise, apenas uns 10 centímetros acima.
Não é gordo, mas não chega a ser malhado quanto o ex de Ane Elise
- Desculpa, é um defeito que já tentaram me corrigir. Se você não for acometido da mesma
doença, que à vontade para me chamar de Ane. Só o meu pai me chamava de AnElise.
- E não chama mais por quê?
- Ele faleceu ano passado.
- Nossa, sinto muito.
- Tudo bem.
Silêncio. Kadu se arrependeu amargamente de ter tocado no assunto. Idiota! Idiota! Idiota!
Repetiu mentalmente.
- Kadu - disse ela, com ênfase nas duas sílabas - , você mora aqui em Taubaté mesmo?
- Sim, nascido e criado.
- Legal. Desculpa a pergunta, mas ... você vem de carro?
- Sim, apesar de não morar muito longe. Moro na Independência.
- Estou sem graça de te pedir um favor.
- Pode pedir. Se eu puder ajudar.
- Olha, não quero que você se sinta na obrigação de me ajudar. Só responda sim se realmente
puder e não for muito incômodo, OK?
- Você quer o meu rim ou algo assim?
- Não, claro que não! - ela caiu na gargalhada. - Mas aceito um pulmão. Você é meio bobo,
né?
- Só quando não estou dormindo. Você quer uma carona para ir embora, não é?
Ela assentiu com a cabeça, meio sem graça.
- Não tenho a menor condição de voltar àquela estrada esta noite - explicou.
- Imagino. E nem precisa, eu te levo.
- Sério? Não vou te atrapalhar? Você não tem compromisso para hoje á noite?
- Eu tinha, mas uma mina aí me dispensou.
- Putz, sacanagem.
Ele riu. E piscou para ela.
- Agora caiu a ficha. Eu fui loira por um bom tempo, é isso.
- Vambora! Vou pegar as minhas coisas e levo você para o seu lar doce lar.
- Muito obrigada. Você caiu do céu.
- Tecnicamente você foi salva pela minha bexiga. Eu voltava do banheiro quando te encontrei.
- Lavou as mãos, pelo menos.
- Putz! - e levou a mão à testa. - Brincadeirinha, é claro que lavei. Já volto, vou só pegar a
minha caneta do Mickey. É rapidinho.
Ela balançou a cabeça, rindo baixinho.
Quando ele entrou na sala, meia dúzia de cabeças olharam para ele. Nem o professor percebeu
sua presença. Ele correu até os seus pertences e se despediu do amigo Jacques, um gordinho engraçado com bigode à la Freddie Mercury e boné da Adidas.
- Você está de brincadeira, né? - sussurrou Jacques, incrédulo. - É uma baixinha gostosa
que senta sempre lá na frente? Se ela senta lá na frente deve ser inteligente. Se é inteligente o que ela
quer com você?
- Uma carona - disse, todo orgulhoso. - Está me esperando lá na cantina.
- Vou fingir que acredito. Se você prefere mentir para o seu melhor amigo, você que conviva
com isso.
- Se duvida de mim, vem comigo até a cantina. Vou levá-la até Pinda.
- Mas ela tem seu próprio carro. Um Uninho branco, talvez ano 2001 ou 2002. O bicho ronca
mais que o meu pai.
Jacques não era brilhante em muitas coisas, muito menos bom aluno, mas saberia dizer qual é ocarro de todos os alunos da sala. Apaixonado por carros desde os primeiros meses de idade, é um mecânico de mão cheia, provavelmente o melhor da cidade. Kadu sempre descon+ou que ele só estava na
faculdade para lhe fazer companhia.
- Ela já me disse que tem carro, mas não está se sentindo bem para dirigir. Meu, eu preciso ir,
oportunidades assim não caem no meu colo todos os dias.
- Cara, estou quase acreditando em você. Tem certeza que está no curso certo? Você deveria
fazer artes cênicas.
- Fui!
- Quebre a perna - E Kadu mostrou aquele dedo do meio para ele. - Significa boa sorte, seu
trouxa!
- Então valeu - e saiu em disparada.
Ela estava de costas, pagando a conta no caixa da cantina. Os cabelos, outrora soltos, agora
estavam presos com um daqueles pauzinhos que parecem hashi.
- Vamos? - E cutucou a nuca dela.
- Ai que susto!
- Perdão. Vambora?
- Vambora.
Atravessaram todo o corredor em silêncio. Kadu procurava algo para dizer, mas quanto mais
tempo ficavam em silêncio, menos palavras ele encontrava. Quando se preparavam para virar à direita,
rumo ao estacionamento da faculdade, alguém gritou:
- Oh, vocês dois aí!
Kadu não precisava olhar para trás para saber quem era.
- É o Jacques.
- Quem? Ah, ele também está na nossa sala.
- Sim, mas fazendo o quê eu não sei - E Kadu caiu na gargalhada. - Ele está correndo? Sério,
ele está correndo?
- Sim, de um jeito muito estranho, mas está. Por que o espanto?
- Jacques nunca corre. Nunca, nunca mesmo. Como ele diz: é incompatível com o hardware
dele.
Com muita dificuldade ele os alcançou. Pediu um segundo para se recuperar, então disse:
- Você ... esqueceu ... isso aqui - e mostrou uma caneta daquelas que as empresas dão de
brinde.
- Não é minha - Kadu fez cara de poucos amigos.
- Não? Pensei ... que você ... tinha deixado cair - e olhou para a garota. - Olá, tudo bem?
Prazer, meu nome é ...
- Jacques - concluiu ela, estendendo a mão para cumprimentá-lo. - Sou a Ane. Seu nome é
francês?
- Sim, minha mãe é francesa. Na verdade ela é mais brasileira do que francesa, pois veio para o
Brasil com 7 meses de idade, então ...
- Que chique!
- Bom, agora você já pode ir embora - disse Kadu, impaciente. - E pode ficar com a caneta.
- Sei lá, eu estava quase dormindo na aula. Posso ir pra Pinda também? Tem barzinhos bons lá?
- Kadu olhou torto para ele. - Prometo que não vou atrapalhar nada entre vocês dois.
- Mas não há nada entre nós - disse a garota. - É claro que você pode ir.
- Super! Vocês esperam eu comprar um salgadinho na cantina?
Kadu quase voou no pescoço dele.
- Você acabou de passar pela cantina, por que não comprou de uma vez?
- Se eu parasse não teria alcançado vocês. Vocês andam depressa, hein!
Jacques foi correndo até a cantina. Sabia que a paciência do amigo estava curta e não quis
arriscar ser deixado para trás. Ele corre mesmo muito engraçado, se alguém filma-lo e jogar no YouTube

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