Capítulo X

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           Três dias mais tarde, no início de uma ensolarada e quente manhã, uma voz elevou-se do alto do cesto da gávea, despejando alegria sobre a tripulação do Highlander.

– Eleuthera à vista!

O grito ecoou e uniu-se aos brados de exaltação dos marujos. Finalmente, depois de meses no mar, voltavam ao que consideravam seu lar. Muitos deles nunca tinham tido uma pátria e muito menos um chão firme onde pisar e chamar de casa. Em Eleuthera encontraram esse local e desde então o levavam no coração durante suas aventuras pelos oceanos. Era bom saber que tinham para onde voltar. Alguns haviam feito família ali mesmo e ansiavam retornar aos braços de suas mulheres. A Aldeia do Falcão, fundada pelo Capitão Brian Hawke, era mais que um simples abrigo de órfãos. Passara a ser o destino final e tão esperado por todos, onde recarregavam suas forças até a próxima viagem, sem donos ou patrões, com leis feitas por eles mesmos e onde tudo era dividido igualmente.

A visão da imensa faixa de terra que surgia fazia pensar que se aproximavam de um continente e não de uma ilha. Porém, apesar dos quase cento e oitenta quilômetros de extensão, ela podia ser atravessada a pé em menos de uma hora tal a sua estreiteza. À medida que se aproximavam era possível vislumbrar a brancura de suas areias e a cinta de vegetação junto à praia. Rumavam para o sul onde circundariam a ponta da ilha até chegarem à costa oeste na qual se localizava a Aldeia do Falcão. Ali ela permanecia resguardada do olhar curioso dos navegadores estrangeiros em uma discreta enseada e permitia ao Highlander ancorar sem riscos de encalhar.

Atraídos pelos vivas! dos piratas, Crow, Ana e Didier ficaram lado a lado junto à amurada apreciando a natureza fulgurante de Eleuthera. O capitão não conseguia esconder o seu contentamento por aquele retorno. Assim como a maioria de seus comandados, ele também não tinha um lar fora dali. Pelo menos era assim que sempre se sentira desde sua "fuga" da casa paterna.

– Ela é linda... – disse Ana admirada.

– Não estou vendo nenhum porto. Aposto que não tem nem uma taverna para a gente se divertir um pouco.

– Não se preocupe, Didier. Claro que tem uma e muito boa. Você acha que numa ilha de piratas que adoram um bom rum não haveria um lugar para beber e conversar com os amigos?

Mesmo sabendo disso, Didier continuou mal humorado, o que era o normal no velho ladrão. Ele provavelmente nascera assim. Reclamando. E assim continuaria pela vida afora.

Crow ainda sentia um pouco de dor em seu ferimento, mas o processo inflamatório já cedera e a cicatrização ia muito bem. Ainda tivera um pouco de febre na segunda noite após a "cirurgia" de Liam, mas sob os cuidados de Ana, dormira bem e sem maiores intercorrências. Não falou mais em dormir fora da cabine. Apesar de terem passado a dividir não só o quarto, mas também a cama, Ana continuava evitando o contato direto entre eles colocando a manta como linha divisória. Ao passo que se sentia melhor, mais difícil ficava estar tão perto de Ana e respeitá-la. Sentir o calor de seu corpo tão próximo ou simplesmente olhar sua silhueta no escuro, deitada ao seu lado, o estava enlouquecendo. Na última noite, antes da chegada a Eleuthera, durante o sono, sentiu uma perna introduzir-se entre as suas. Acordou e, ao ver que Ana dormia, ficou sem saber como agir. Logo ele que já tivera tantas mulheres ao seu bel prazer, agora se sentia como um adolescente inseguro que não sabia como agir com a mulher deitada ao seu lado. O desejo de possuí-la era freado pela razão. A suspeita de que ela nunca estivera com um homem antes era cada vez maior. Olhares, atitudes, o rubor cada vez que ele se aproximava um pouco mais... Exceto quando o beijava... Ela o desejava também e seu corpo não negava isso. Preferia pensar que esse desejo era normal para uma jovem que nunca conhecera um homem antes. Não significava que ela o amava... Precisava afastar-se dela a fim de preservá-la. Quando chegasse à Inglaterra e fosse cortejada pelos cavalheiros da nobreza, sua pureza seria de grande importância para seu futuro marido na hora de casar-se. Essa simples ideia, dela pertencer a outro homem, feria seu peito como mil adagas e o deixava mais tenso que a corda de uma forca. Acabou por levantar com cuidado para não acordá-la e varou a noite, sentado na cadeira ao lado da cama a observar seu sono, como fizera em tantas outras noites.

O Corsário ApaixonadoOnde histórias criam vida. Descubra agora