Trauma.

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Dez anos atrás.

Juliana estava sentada no banco de trás do carro ao lado de sua irmã e ambas cantarolavam, junto com os pais, uma música para a viagem passar mais rápido. Todos estavam tão animados com aquelas férias juntos, afinal, esperaram tanto para que acontecesse. Estavam tão alegres, tão em paz e queriam apenas que aquele momento durasse para sempre. Até que no meio das risadas e cantorias Juliana ouviu sua mãe gritar, tudo começou a girar muito rápido e ela sentiu um peso a apertando junto a sua irmã. Morta, ela estava morta, com certeza estava morta. Era isso que pensava, ainda mais quando viu o sangue que escorria por seu corpo e os olhos arregalados de sua mãe a encarando. Tudo ficou escuro, leve, como se estivesse caído em um sono profundo. O sono da morte.

Dez anos depois.

Juliana acordava agitada e suando de mais um dos seus frequentes pesadelos quando sentiu alguém pular em sua cama a abraçando apertado. Ela não precisava nem abrir os olhos para ter certeza de que era sua irmã, seu bem mais precioso, a pessoa que a fazia lembrar todo dia por que precisava estar viva. Porque a verdade é que se não fosse Maria Luísa ter sobrevivido aquele acidente, ela teria feito de tudo para morrer, afinal suas razões de viver, seus pais, morreram há dez anos em um acidente na estrada de Búzios e desde esse momento um vazio ocupou o lugar do seu coração.

- Você sonhou de novo com aquilo? – a dona de um par de olhos mel clarinhos e arregalados senta na cama de Juliana a perguntando e depois do aceno de confirmação a menina continua – Eu queria tanto me lembrar – suspira.

- Malu nunca mais fale uma coisa dessas – ela respira fundo e puxa a irmã para o colo a abraçando – Nunca na sua vida deseje se lembrar desse dia, foi...

- O pior dia de nossas vidas – respira fundo completando a frase da irmã – Mas pelo menos dessa forma eu lembraria dos últimos segundos que tive com os papais, porque agora minhas memórias são fracas, não lembro de quase nada – a menina choraminga se ajeitando no colo da irmã.

Maria Luisa havia batido a cabeça e sofrido uma pequena fratura no crânio, pequena, mas que levou a maior parte de suas memórias da infância. Se lembrava da irmã porque convivia com ela, logo era uma memória do passado que também era recente e avivada todos dias, mas se ficassem longe por algum tempo, Juliana também seria apagada.

Juliana não teve sequelas físicas, mas psicológicas, que dependendo da intensidade são até piores. No caso dela, eram os pesadelos que a assombravam, mais conhecidos como terrores noturnos. Eles vinham sem aviso prévio, podiam vir todos os dias como poderiam ficar meses sumidos. E era sempre a mesma cena, de vez em quando o foco era nos olhos desesperados de sua mãe as salvando, isso quando não sentia o quente do sangue da mãe a encharcando como se estivesse vivendo aquela cena e não sonhando.

- As fotos te ajudam a lembrar pequena, não precisa sonhar com isso – ela deita na cama trazendo a irmã junto consigo e as duas se aconchegam debaixo das cobertas – Agora vamos dormir?

- Não é a mesma coisa e você sabe, eu quero lembrar dos meus momentos com a mamãe, momentos cheios de cores e não borrões ou olhar fotos que me doem a cabeça e não ajudam – faz bico e Juliana a aperta mais beijando sua bochecha.

- Vamos dormir? A senhorita tem escola cedo e eu faculdade – a menina confirma com a cabeça.

- Fora que vamos conhecer a nova namorada barra noiva do titio – ela boceja e sorri – Espero que ela seja legal e que nos ame como a mamãe – ela pisca os olhos e os fecha.

Juliana suspira lentamente. Ela sabia, ninguém nunca as amaria como sua mãe. Ninguém nunca cometeria um ato de amor como de sua mãe. Ninguém nunca tentaria salvá-las até seu ultimo suspiro como seus pais.

Seu tio, Carlos Mendes, dono de uma empresa de cosméticos famosa e muito bem conceituada, tentava a todo custo fazer com que elas ficassem bem e se sentissem felizes e em casa. Mas o principal ele nunca fez questão de dar: atenção, afeto e amor.

Juliana e Maria Luiza viviam sob os cuidados das empregadas desde que chegaram aquela casa. Aquela mansão na verdade. Tinha mais quarto que gente e Juliana não sabia de onde vinha tanto dinheiro. Mas desconfiava que nem todo era limpo e correto, por isso queria se tornar independente financeiramente e sair daquela casa levando sua irmã junto.

Agora com 22 anos, fazia faculdade de direito e sonhava em ser juíza, tinha poucos amigos, na verdade tinha apenas uma, Alice, a garota mais louca que poderia ter encontrado na vida, mas que a fazia se divertir com pequenas coisas e a lembrava diariamente como era bom sorrir.

Coração de pedraOnde histórias criam vida. Descubra agora