Capítulo 2. A princesa e o sapo.

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Depois da agitação e as imagens horríveis daquele homem em cima de mim, dirigi até a casa do meu pai, e mesmo sabendo que não haveria ninguém lá, eu peguei as minhas chaves e entrei na sua cobertura, a casa dele é em um prédio de luxo exatamente no meio de Londres, passei na cozinha, entrei no meu quarto e abri a pequena porta que tenho ao lado do guarda roupa, eu subi na escadinha e já tive vista da cobertura do prédio, sorri.

Aqui de cima as coisas parecem mais simples, gosto de coisas simples, por mais que não conviva com elas.

Eu dou o primeiro longo gole no meu litrão de suco sabor limão que peguei na cozinha, metade disso é corante. Olho bem para as outras coberturas dos prédios, está frio mas não é incômodo, algum avião passa pela minha cabeça, longe e voando rápido, com certeza levando pessoas aos seus destinos, vários destinos de várias pessoas diferentes, histórias diferentes.

Com certeza essas pessoas não tem que matar pessoas por obrigação.

Dou um novo gole no meu litro de suco, limpo a boca e esqueço que estou com um dos meus batons vermelhos, foda-se, já deveria estar manchado. Tossi, me encolhendo e deixando o suco de lado, respiro fundo quando levanto e vou até a cerca que me separa do abismo, vejo carros e pontos luminosos por baixo de mim, guspo meu chiclete que passou de menta para limão vencido, não guspo no abismo, mas sim no chão de cimento ao meu lado. Não gostaria de encontrar um chiclete no meu cabelo assim que saio de casa, ainda mais, caído do céu.

Pego outra goma no meu bolso da calça com os joelhos fodidos e rasgados, isso tem sido um vício pra mim nos dias de ansiedade, sem ele eu não teria mais unhas feitas com esmalte roxo escuro, roeria e estragaria todo o trabalho bem feito da minha cabeleireira. Mesmo com o chiclete, eu mordo o canto dos meus lábios como se fossem a melhor coisa do mundo, tirando a pele morta que em mim é produzida todos os dias. Canso de tanta altura, me afasto e me sento novamente no banco de concreto, pegando meu celular do bolso, junto com os fones de ouvido embolados que também estavam lá, coloco os dois nos ouvidos, conectando ao celular e deixando qualquer música começar, me deito no banco duro, respiro fundo e fecho meus olhos.

Não tenho notícias do meu pai desde a saída para aquele cassino, ele deve ter ido para Bradford ou coisa parecida, ele não costuma sumir do mapa.

Eu só tenho ele, na verdade, minha mãe morreu assim que nasci, os médicos disseram que ela não aguentou a dor do parto e partiu dessa vida, até hoje eu me pergunto como ela era, meu pai me mostrou uma foto dela um dia, enquanto ainda me carregava na barriga, meu nome é Indiana Lingson, mas assim que minha mãe morreu, meu pai quis passar o nome dela para o meu, e assim, todos me chamam de Maurhen. A grande e forte Maurhen Lingson.

Não está ventando tanto agora, e meu corpo relaxa e por um momento deixa de lado todo o peso do mundo que devo segurar, sinto o sono ficar mais forte, meus olhos ficam pesados e eu pego no sono, os minutos que fico ali parecem se estender por horas até que acordo assustada com muito barulho.

São tiros.

Eu olho pra cima e vejo um helicóptero com uma luz em mim, meu corpo fica frio e os tiros se misturam com o barulho pesado do meu gênero diferente de música nos fones, entro rápido na portinha que liga ao meu quarto e apanho minha arma em cima da cama, jogo os fones em qualquer lugar mas continuo com meu celular no bolso, eu escuto um barulho na cozinha.

Merda.

Merda.

Vou até o corredor, tremendo, com a arma em mãos apontando para a escada, ouço passos largos subindo os degraus. Minhas mãos estão suando e continuo tremendo, olho para dentro do quarto e está tudo tranquilo. Aciono o gatilho e me preparo para atirar assim que vejo quem estava subindo as escadas, abaixo a arma. É o Harry.

"Wow, ia atirar em mim?" Ele sorri, também segura uma arma.

"Com toda a certeza, não." Sorrio também, ele não para de andar, passa por mim e me dá um beijo rápido.

"Fique aí dentro, só saia se for realmente necessário, seu pai está vindo." Ele suspira e entra no quarto, indo até a cobertura, logo ouço os tiros.

...

Eu corro até o corpo esticado no chão, eu choro e ao mesmo tempo grito fazendo minha dor se espalhar pelo espaço aberto, eu não acreditava que aquilo estava acontecendo, e nem iria acreditar, ele estava ali, Harry me olhava fraco, mais ainda prestava atenção na porta, eu, de joelhos no chão, não queria mais ver nada, apenas a imagem dos olhos dele nos meus.

"Por favor." Eu derramo uma lágrima no rosto dele, junto com todo o sangue.

"O sapo não vai virar príncipe, a princesa vai ter que seguir sozinha." Eu começo a chorar mais, fixando meus olhos nos dele.

"Essa é uma parte boa pra minha lágrima ser mágica e te manter vivo. Mas nem todo conto de fadas tem final feliz."

Eu ainda escutava aquele maldito helicóptero. Levantei minha arma e dei tiros frouxos na tentativa de acertar nele, mas sei que estou fraca demais para mirar.

"Filha." Eu desvio minha atenção para ele.

"Pai?"

"Você ainda vai encontrar a arma mais poderosa do mundo, mas ela não mata, você pode se recuperar dela. Eu me recuperei."

"O que está dizendo?"

"Só não deixe ninguém atrapalhar você." Depois disso, ele não me responde mais nada, seus olhos já estão fechados no momento que presto atenção neles. Eu grito, grito pelo nome dele diversas vezes, Harry me puxa pela cintura e me tira daqui mesmo que eu lute para ficar.

"Me solta, Harry." Eu imploro, sem forças, ele me arrasta até meu quarto.

"É pro seu bem, Maurhen."

Eu olho pra trás, com dificuldade, tudo aquilo parece passar como uma câmera lenta.

Foi aí, a última vez que vi ele.

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