Capitulo 6

567 26 0
                                    

Ele parou à minha frente e colocou as mãos nos meus ombros.

-A tua mãe está em paragem cardíaca e precisamos mudá-la para percebermos o que esta a acontecer.

Ele largou e seguiu pelo corredor atrás da maca. Continuei petrificada a olhar para o lugar onde eles desapareceram. Senti-me perdida entre tantos sentimentos, culpa, medo, ansiedade, tristeza, choque, esperança...

Não sabia o que fazer. Chorar, correr, fugir? Gritar? Comecei a correr atrás deles, mas uma mão agarrou o meu pulso e fez-me rodar de encontro a um peito largo. Encostei o rosto a ele e deixei as lágrimas vencerem. Todo o meu corpo tremia de medo e milhares de pensamentos passavam pela minha mente. Ela ia morrer? Se isso acontecesse, o que iria eu fazer? Ela é tudo o que tenho.

Deixei os fortes braços rodearem e as suaves mãos acariciarem as minhas costas em conforto. Minutos depois as minhas pernas cederam, mas ele manteve-me de pé apenas abraçando-me.

Não sei quanto tempo passamos assim, mas quando me desviei o casaco dele estava molhado.

-Oh, desculpa molhei...

As palavras perderam-se quando vi o seu rosto. Os seus olhos verdes fitavam-me intensamente.

-O que fazes aqui? Andas a seguir-me?

Ele afastou-se e meteu as mãos nos bolsos.

-Eu ia perguntar-te o mesmo.

Continuei a fita-lo, mas ele olhava em redor sem me encarar.

-Obrigada. - Sussurrei.

-De nada. - Ele disse e afastou-se pelo corredor.

Segui para a sala de espera e sentei-me numa cadeira enquanto esperava impacientemente. De todas as emoções agora comandava a esperança e o nervosismo.

Uma hora depois o médico apareceu pelo corredor e corri até ele.

-Amanda, tem calma. Esta tudo bem. A tua mãe já voltou ao normal.

Senti o meu coração abalar quando o alívio me atingiu. Passei a mão pela cara para desviar o cabelo e para perceber se era mesmo realidade.

-Posso vê-la?

Ele assentiu.

-Por pouco tempo. Ela ainda esta a recuperar.

Segui-o pelo corredor e fiquei admirada quando o Ryan passou por nós no corredor. Virei-me para vê-lo passar, mas logo a minha atenção foi voltada para a minha mãe. Ela parecia uma boneca frágil sobre a cama. Parecia poder partir a qualquer movimento. O seu rosto magro e pálido descansava sobre a almofada. As suas mãos perfuradas por várias agulhas repousavam fracas sobre as mantas. Passei-lhe a mão pelo cabelo. Ela parecia não ter vida e isso partiu-me o coração.

Dei-lhe um beijo na testa e saí do quarto obrigada pelo médico.

-A tua mãe tem de descansar. - Repetia ele.

Quando a porta do quarto se fechou as lágrimas correram livremente. Mantivera-as cativas com medo que ela despertasse e me visse a chorar. Sei que lá no fundo magoá-la-ia.

Encostei-me à parede do corredor a soluçar. Quando me consegui acalmar notei que o médico ainda se mantinha à minha frente com as mãos nos bolsos da bata branca. Limpei rapidamente a cara e senti-me envergonhada pela cena que acabara de fazer.

Ele aproximou-se e colocou uma mão quente sobre o meu ombro.

-Amanda, vai para casa. Precisas de descansar.

Assenti e comecei a avançar lentamente pelo corredor.

-Amanda! - Chamou e voltei-me. - Deixa o meu filho levar-te a casa.

Assenti, pois não tinha forças para discutir. Ele avançou pelo corredor até à sala de espera e eu segui-o. Parou na receção e perguntou pelo filho. Começou a avançar novamente pelo corredor até ao que percebi ser o seu escritório. Colocou a cabeça dentro e chamou-o.

A porta abriu-se segundos depois e de lá saiu a pessoa que menos esperava.

-Amanda, este é o Ryan, o meu filho.

Permaneci a encará-lo com uma expressão surpresa.

-Conhecem-se? - Presumiu ele pela nossa expressão, quer dizer, minha.

Assenti e ele negou. Ele mirou-nos confuso.

-Conhecem-se ou não? - Voltou a perguntar.

Fitei o Ryan sem responder e ele passou a mão pelo cabelo desajeitado.

-Ela é da minha turma em algumas disciplinas.

Ela é da minha turma em algumas disciplinas? Era isso que eu era para ele? Uma colega? Andamos de mota juntos, ele salvou-me e consolou-me há alguns minutos num daqueles corredores! E não passava de uma colega? Tentei esconder a minha verdadeira irritação com as suas palavras, mas ele pareceu nota-la. Uma sombra de arrependimento trespassou o seu olhar que rapidamente desviou.

-Ryan, levas a Amanda a casa? - Perguntou o médico. - A mãe dela vai ficar internada.

-Esta bem. - Concordou e avançou rapidamente pelo corredor vestindo o casaco quente.

Olhei novamente para médico e agradeci-lhe.

-Vai antes que ele desapareça! - Aconselhou e eu corri até alcançá-lo à porta do hospital.

Ele seguiu em silêncio até à mota e sentou-se nela.

-Não precisas de me levar realmente a casa. - Disse enquanto ele olhava em redor. - Eu vivo aqui perto. Podes simplesmente dizer ao teu pai que me deixaste em casa e voltares à tua vida.

Ele permaneceu em silêncio e sem olhar para mim. Senti-me uma parva à espera que ele respondesse, por isso rodei nos calcanhares e comecei a andar para longe dele.

-Qual é o teu sonho? - Ouvi-o perguntar.

Virei-me de novo para ele.

-O quê?

Ele cruzou os braços no peito realçando os fortes ombros por debaixo do casaco de couro. Não repetiu a pergunta por isso fingi que ele não falará e continuei a andar para casa.

As luzes no passeio iluminavam alegremente as pequenas pedras soltas que eram chutadas pelos esmagadores pés das pessoas que passavam apressadamente por ali. Pequenos obstáculos que todos ultrapassavam sem notarem, porém eles continuavam lá. Talvez esse fosse o meu problema. Os pequenos obstáculos que todos ultrapassam sem se aperceberem para mim tornam-se enormes. Talvez pelo meu azar ou por ser fraca... Fosse qual fosse o motivo sentia que era cada vez mais difícil seguir em frente. Inspirei fundo e apercebi-me que alguém caminhava a meu lado à mesma velocidade que eu. Olhei discretamente e fiquei surpresa, era o Ryan.

-O sonho do meu pai é que me torne m médico competente como ele. -Disse enquanto caminhava com as mãos nos bolsos. -Eu não quero ser médico... Quero... Eu não sei... -Passou a mão pelo rosto num gesto envergonhado. -Qual é o teu sonho?

Ele falava sem olhar uma única vez para mim e notei a sua incerteza na sua voz, mas porque estava ele a falar disto com uma colega?

-Eu não tenho um sonho.

Ele parou de andar e eu parei mais à frente rodando para o fitar.

-Vá lá, Amanda! Toda a gente tem um sonho.

Virei-me novamente e continuei a andar. Ele acompanhou-me.

-Existem pessoas que não tiveram a oportunidade de ter um. -Disse simplesmente.

Ele fitou-me durante algum tempo e eu escondi a verdadeira tristeza que a minha resposta continha.

-O meu é poder fazer algo maior, maior que um médico, maior até que o presidente, algo realmente importante...

-Como o quê? -Interrompi.

Ele perdeu o entusiasmo e olhou em frente em silêncio durante vários minutos.

-Isto é tudo uma estupidez... -Murmurou.

Amuleto de AzarOnde histórias criam vida. Descubra agora