Capitulo 7

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-Uma estupidez? -Inquiri sussurrando.

Ele não respondeu e acelerou o passo. Deixei-me ficar para trás enquanto ele se afastava. Devia ter respondido à sua pergunta? Realmente nunca pensara num sonho, nem no futuro, mas ele parecia em confronto com ele próprio por isso. Mais importante que médico ou que presidente? Isso era difícil...

Continuei a caminhar lentamente com as mãos nos bolsos sentindo-me congelar. Avistava mais à frente o seu gorro negro entre a neve que cobria tudo. Abrandara e caminhava igualmente com as mãos nos bolsos.

Tremi mais uma vez e empurrei as mãos mais para o fundo dos bolsos. Começava a nevar novamente e era bonito ver os pequenos flocos brancos no céu negro.

Vi-o parar em frente à minha casa e a encostar-se ao tronco desnudo da árvore em frente. Tremia de frio e senti-me culpada por isso, pois ele podia estar no quente escritório do pai.

Passei por ele e comecei a subir as escadas na entrada. Parei a meio e virei-me para ele.

-Estas a congelar, não queres entrar e aquecer-te? -Ele levantou os olhos até mim e eu continuei a subir.

Ouvi os seus passos pesados a castigarem os pequenos degraus enquanto ele subia depressa.

Entrei e deixei a porta aberta para ele enquanto sacudia a neve do cabelo e retirava as luvas grossas. Ele entrou e fechei a porta. Tiramos os sapatos e os casacos cobertos de neve e fiz caminho com ele atrás até à cozinha. Mesmo dentro de casa a minha respiração formava uma nuvem quando se misturava com o ar exterior.

Contornei o balcão enquanto ele se sentava nele. Peguei em duas chávenas e enchi-as de leite, que pus a aquecer logo de seguida. O único som na casa era o ruído do microondas e o ambiente começava a tornar-se constrangedor.

-A tua casa é agradável. -Elogiou quebrando o silêncio. -Porque existem duas escadas para o andar de cima? -Perguntou apontando para as escadas que saíam da cozinha para o meu quarto.

-O meu quarto fica separado do resto da casa e essas são as escadas para lá.

Ele fitou-me com o sobrolho franzido.

-Porque o teu quarto fica separado?

Olhei para as escadas e tentei lembrar do motivo oculto do meu pai. O apito do microondas assustou-me e rapidamente lhe dei uma das chávenas e sentei-me no balcão à sua frente.

-Acho que o meu pai não queria que eu soubesse o que se passava no quarto deles.

Um olhar travesso mirou-me de volta e um pequeno sorriso surgiu nos seus lábios.

-Onde ele está agora?

-Quem? -Perguntei.

-O teu pai?

Bebi um gole e preparei-me para responder.

-Saiu para comprar a lotaria e acho que ganhou.

Ele olhou-me surpreendido.

-Isso foi há 14 anos.

A surpresa desapareceu do seu olhar e foi substituída por dor.

-Sinto muito. -Sussurrou entre goles.

Fingi um sorriso.

-Então vives aqui sozinha?

-A maior parte do tempo... A minha mãe... -A voz o morreu-me na garganta.

-O meu pai também está sempre a trabalhar e a casa fica só para mim. -Revelou.

-E a tua... Mãe? -Perguntei incerta.

-Está nos EUA. O meu pai teve de se mudar por causa do trabalho e ela teve de ficar lá.

-Estão divorciados?

Ele assentiu enquanto bebericava a sua chávena de leite quente aquecendo as mãos ao seu redor.

-Não tens irmãos?

-Tenho uma irmã mais nova que vive com a minha mãe. Na realidade vim há pouco tempo para cá.

-Porque vieste? -Começava a sentir-me à vontade para lhe fazer perguntas mais íntimas.

Ele entristeceu e desviou o olhar do meu.

-Tinha coisas a esquecer...

Oh, uma namorada! Percebia-o perfeitamente. Ao longo da minha vida tinha colecionado vários corações partidos e, com o meu azar, nunca teria-o inteiro por muito tempo. Qual era a rapariga que deixava aqueles olhos verdes fugirem? Devia estar louca.

-E tu, não tens irmãos? -Perguntou ele por fim desviando a atenção do assunto anterior.

-Não. Ia ter um mais novo, mas morreu antes de nascer...

Ele não fez mais perguntas enquanto acabava o leite.

Quando acabamos levantei-me para lavar as chávenas e notei pela janela que iniciava-se uma tempestade lá fora.

-Está a começar uma tempestade. -Avisei.

Ele rapidamente apareceu a meu lado e desviou a cortina para ver melhor.

-Tenho de ir embora.

Apanhei-o até à porta e esperei enquanto ele se agasalhava.

-Obrigada. -Disse.

-Estamos quites. -Respondi e ele sorriu.

Mas quando abri a porta uma rajada de vento fechou-a levando-me com ela.

Amuleto de AzarOnde histórias criam vida. Descubra agora