Passei pelas salas olhando com cuidado, até avistar Maria sentada ao lado do caixão da minha verdadeira mãe.
Me aproximei e a única coisa que consegui fazer foi gargalhar. Ri tanto que minha barriga começou a doer. Maria ficou constrangida com meu acesso de riso e saiu da sala, me deixando a sós com minha mãe.
Olhei aquele corpo sem vida, mas não consegui chorar. Eu ainda estava chocada com o que eu havia feito e só conseguia rir.
Apoiei a cabeça em sua barriga, como havia feito na defunta anterior, e contei a ela o que eu havia feito.
– Ai, mãe. Até em um velório consigo passar vergonha. Acredita que chorei pela defunta errada?
Na minha mente eu imaginava a risada de minha mãe, rindo de mim. Ela teria dito:
"Você não tem jeito, Amora! Não mereço uma filha desastrada como você!”
– Não tenho jeito mesmo, mãe...
Como eu não conseguia segurar o riso, me afastei dela.
Assim que olhei para a porta da sala, meu queixo ficou no chão. Meu coração disparou e, por um momento, me questionei se aquilo era mesmo real.
Henrique estava parado com as mãos nos bolsos de sua calça jeans, me olhando com um sorriso fraco.
– Você continua me surpreendendo, Amora – ele falou baixo.
Corri até ele e o abracei com toda a minha força. Henrique passou os braços ao meu redor e retribuiu o abraço.
Sentir seu corpo no meu fez reacender todo aquele amor que me obriguei a esconder e empurrar para dentro de mim. Sentir seu cheiro e olhar para seu rosto bonito me deu alívio e raiva ao mesmo tempo.
Ficamos um tempo abraçados e tive que me afastar.
Olhei para o rosto de Henrique e lhe acertei um tapa enorme. Ele me olhou sem entender, mas sua feição relaxou em seguida.
– Eu sinto muito – ele praticamente sussurrou.
Henrique sempre sabia o que passavam em minha cabeça sem que eu precisasse dizer uma única palavra.
Virei de costas para ele e voltei a abraçar minha mãe.
A presença de Henrique desestabilizou ainda mais minha estrutura. Meu corpo tremia como na primeira vez que o vi. Eu me sentia como quando o conheci. Minhas mãos suavam, meu estômago revirou e meu coração doeu com as lembranças.
Dei um beijo na testa de minha mãe e me sentei nas cadeiras ao redor. Henrique se aproximou e se sentou duas cadeiras depois da minha.
– Sinto muito pela sua mãe – ele falou com sua voz grossa que me tirou o sono por diversas noites.
– Como você soube?
– Eu estava na casa do seu pai quando você ligou.
– Ainda são uma família feliz?
– Simone pediu o divórcio. Elik foi para um internato e Fauzer voltou para a vida dele.
– E meu pai?
– Está deplorável.
– Acho bom.
– Não fala assim, Amora.
– Você não sabe de nada! O que está fazendo aqui, Henrique?
– Vim te ver.
– E por que não fez isso há anos atrás? Por que não veio "me ver" quando eu precisava de você?
– Eu não te encontrava, Amora.
Dei risada daquela besteira.
– Você mudou o número do seu celular no mesmo dia em que foi embora! Eu te procurei por anos, Henrique! Anos! Por anos chorei por você!
– Eu também te procurei, Amora, mas só te encontrei há dois anos!
– O quê?! – Me levantei chocada com aquela revelação.
Eu me matando para enterrar Henrique em minha memória e ele havia me encontrado havia dois anos?
– Juntei dinheiro pra contratar um detetive. E ele te encontrou, mas quando fui até a sua casa, você estava saindo com seu namorado, então achei melhor deixar você ser feliz. Pensei que você estivesse feliz, Amora!
– Você foi até a minha casa e não falou comigo?
– Você estava com aquele cara! O que queria que eu fizesse?
– Falasse comigo, Henrique. Somente isso! Me mostrasse que estava ali. Gritasse meu nome! Pedisse que eu não fizesse uma besteira daquela! Qualquer coisa!
– Eu voltei mais de uma vez, mas como eu via você sorrindo para ele, decidi que você merecia ser feliz. Eu não tinha direito de interferir em sua vida mais uma vez.
– Você é um grande de um covarde! Um frouxo! Um idiota! – Falei furiosa.
– Eu sei!
– Eu te odeio!
– Não odeia, não!
– Você desapareceu! Você me abandonou, Henrique!
– Não foi assim, Amora, você sabe disso!
– Ah, não? Então foi como?
– Assim que saí de Goiás e cheguei a São Paulo, confirmei que meus sócios estavam roubando dinheiro da empresa e não quis mais fazer parte daquilo. Eu estava sendo investigado, por isso tive que sumir um tempo.
– Você mudou o número do seu celular, Henrique!
– Fui assaltado e fiquei sem celular. Não ativei meu número mais uma vez porque poderiam me associar ao roubo. Eles fizeram de tudo pra me incriminar.
– Te liguei diversas vezes.
– Eu sinto muito, Amora, você não sabe o quanto.
– Sentir muito não vai resolver nada.
– Se eu pudesse mudar isso, eu faria.
Fiquei olhando aquele Henrique na minha frente.
Ele estava ainda mais bonito que antes, mas o brilho de seu olhar ainda lembrava o Henrique que conheci. Ele estava mais maduro, sério, adulto. Eu era a mesma tapada azarada de sempre.
– E Sarah?
– Depois que ela te demitiu, nunca mais falei com ela. Ela acabou com a sua vida e com a minha.
– E seus sócios?
– Atrás das grades.
– O que você faz agora?
– Sou enfermeiro em uma clínica de reabilitação.
Olhei Henrique, incrédula com a notícia.
– A história da sua mãe mexeu muito comigo e era uma forma de te deixar próxima a mim.
Continuei o encarando sem saber o que dizer.
– Eu fiquei com uma mão na frente e outra atrás. Fiquei sem um centavo. Eu tive que vender minha casa em Goiás pra me sustentar e pagar meu curso. Por isso demorei tanto para contratar um detetive. Fiquei completamente sem dinheiro por um tempo. Eles faliram a minha empresa e eu saí sem nada.
– Você não processou eles?
– Sim, estamos aguardando o julgamento. Meu advogado diz vou ganhar bastante dinheiro.
– Espero que sim.
Henrique sorriu fraco e abaixou a cabeça.
Dona Maria entrou na sala mais uma vez e olhou surpresa para Henrique.
Ela foi a única pessoa que soube da minha história com ele. A única pessoa que me ajudou a superar e me incentivou a não deixar o amor que eu sentia por Henrique morrer. Maria sempre me disse que se fosse para ficarmos juntos, nós ficaríamos, independentemente do tempo que levasse. Eu só não entendia por que demorava tanto.
Maria foi até Henrique e parou na frente dele.
– Olá. Você conhecia a Eva? – Perguntou desconfiada.
– Infelizmente não. Eu sou irmão da mulher do pai dela.
– Você é Henrique? – Ela arregalou os olhos.
– Sim, senhora!
– Onde você estava esse tempo todo, seu babaca?!
Olhei para Maria chocada e Henrique sorriu como sempre fazia.
– Perdendo tempo – ele respondeu olhando para mim.
Senti as lágrimas queimarem meus olhos. Fui até minha mãe e apoiei mais uma vez a cabeça em sua barriga.
– Por que Henrique sempre aparece quando eu te perco? – Sussurrei baixo e não tentei segurar as lágrimas.
Eu estava tão destruída. Tão exausta. Ninguém permanecia muito tempo comigo.
Levantei a cabeça e olhei para Maria e Henrique. Ela ainda estava brigando com ele. Escutei alguns xingamentos como "seu idiota", "frouxo" e "babacão". Depois eu perguntaria onde Maria aprendeu aquilo.
Sentei na cadeira ao lado de minha mãe e fiquei apoiada em seu caixão.
Acho que peguei no sono, porque ao abrir os olhos pude ver meu pai sentado no fundo da sala. Olhei ao redor e não havia mais ninguém.
Quando ele viu que eu estava acordada, veio até mim.
– Amora...
– Agora não! Esse é o momento de despedida da minha mãe e nada do que você disser vai mudar isso.
Me levantei passando por ele, procurando qualquer refúgio longe dali.
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Delicioso (Des)Conhecido (DEGUSTAÇÃO)
Roman d'amourDepois que sua mãe é internada em uma clínica de reabilitação, o único lugar que resta para Amora morar é com seu pai, sua madrasta e seu filho arrogante. Em uma saída para conhecer a cidade, Amora conhece um intrigante e sedutor rapaz que a faz te...