Depois que Henrique saiu, fiquei um bom tempo sentada no mesmo lugar, pensando em como tudo ali lembrava minha mãe e em como seria insuportável continuar morando com suas lembranças. Então, decidi que me mudaria de casa. Eu não queria carregar essa casa para o resto da minha vida como uma lembrança dolorosa, então a melhor solução seria me mudar.
As lembranças que eu levaria da minha mãe estavam em minha memória e eram o suficiente para mim.
Como eu estava decida a me mudar, parei de separar as coisas de minha mãe deixei para fazer isso no dia em que fosse sair de lá.
Fui ao meu quarto e me deitei na cama com uma exaustão enorme. Tanta coisa aconteceu de uma só vez que eu não sabia mais o que pensar ou esperar.
Pelo cansaço que eu sentia, em pouco tempo peguei no sono, dormindo como uma pedra.
• • •
Acordei e estava tudo escuro. Olhei pela janela e já era noite.
Ao me levantar, parecia que eu havia sido atropelada por uma carreta de três eixos, porque meu corpo todo doía, sem falar na dor de cabeça.
Escutei a campainha tocar e não fui atender. Em um momento como esse, eu não queria falar com ninguém. Fui direto tomar banho e depois eu pensaria em algo para comer, apesar de não sentir fome alguma.
Já ao me aproximar da cozinha, vi um movimento estranho e então peguei um vaso de flores que havia na sala e joguei com tudo na cozinha.
Em seguida, ouvi um gemido e fui ver quem era.
Meu pai estava ajoelhado com a mão em seu rosto.
– Ai, meu Deus! Você está bem?
O ajudei a levantar e o sentei na cadeira.
– Por que você fez isso, Amora?
– Pensei que fosse ladrão!
– E ladrão assalta cozinha?
– Claro!
Meu pai revirou os olhos, como sempre fazia quando não tinha paciência.
– O que você está fazendo aqui? – Perguntei.
– Vim esquentar a sopa que Maria fez pra você.
– E desde quando você se preocupa comigo?
– Será que é difícil demais você aceitar uma gentileza?
– Sua? Sim!
– Pare de agir como uma menina mimada, Amora.
– Essa é a minha casa e se eu decidir que quero fazer xixi em cada canto dela, você e nem ninguém tem nada a ver com isso! Então, se eu quiser ser uma menina mimada, eu serei.
– Que seja. A sopa está na panela.
– Tá bom.
Meu pai suspirou e se aproximou.
– Sinto muito pela Eva, Amora. Eu sinto mesmo.
– Obrigada.
– Tenho certeza que ela está melhor agora.
– É o que espero.
– Certo... – meu pai me olhava sem saber o que fazer e eu também.
Aquele era um reencontro não programado e desagradável.
– Eu posso ficar se você quiser – ele disse.
– Não precisa.
Não seria depois de tantos anos que ele se tornaria um pai para mim. Ele errou e o erro dele sempre fará parte da minha vida, de uma forma ou de outra.
– Ok...
– Obrigada por ter vindo. Tenho certeza que minha mãe ficaria feliz de saber que você se despediu dela, independente de todos os problemas que vocês tiveram.
– Eu amei muito a sua mãe, Amora, mas a convivência com ela era muito difícil. Isso acabou com o nosso casamento. Não estou dizendo que sou isento de culpa, mas o comportamento dela atrapalhou demais.
– Eu sei. Ela também te amou muito.
Meu pai assentiu e veio até mim me abraçando. Foi um abraço desconfortável, mas intenso. Ele beijou minha bochecha e foi em direção à porta da sala.
– Sabe onde me encontrar – ele falou baixo.
– Sim.
Meu pai sorriu e fechou a porta atrás dele ao sair.
Meu coração estava disparado e meu corpo trêmulo.
Eu estava aliviada por não termos discutido dessa vez, mas nada apagaria o mal que ele me fez.
• • •
Estava sentada na mesa da cozinha, sozinha, encarando aquele prato de sopa à minha frente. Eu sempre jantava com minha mãe e isso não iria mais acontecer.
Fiquei remexendo a comida no prato quando a campainha tocou. Permaneci no mesmo lugar e a porta foi aberta.
– Amora? – A voz de Henrique interrompeu o silêncio.
Ele veio até mim na cozinha e se sentou ao meu lado.
– Como está se sentindo?
– Nem sei explicar.
Continuei a mexer na comida quando Henrique segurou minha mão.
– Tem algo que eu possa fazer?
Neguei com a cabeça. Eu queria que ele tirasse o vazio que havia dentro de mim, mas ele não seria capaz de tal coisa.
Henrique tirou o prato das minhas mãos e o levou ao micro-ondas. Em poucos segundos ele o colocou de volta na mesa e pegou a colher e a levou com um pouco do líquido à minha boca. Engoli o líquido temperado e Henrique repetiu o mesmo movimento até que terminasse com toda a sopa.
Ele se levantou e foi até a geladeira, pegou um pouco de suco e me serviu em seguida.
– Toma um pouco – ele me entregou o copo.
Tomei o suco de uma só vez. Henrique tirou a louça da minha frente, a colocando na pia.
Seu cuidado e carinho me fizeram começar a chorar. Por mais injusto que Henrique tivesse sido ao não falar comigo anos atrás, seu cuidado e carinho eram exatamente o que eu precisava.
Olhei para ele, secando as lágrimas, e ele passou um braço por trás das minhas costas e o outro por baixo das minhas pernas, me pegando no colo e me levando para meu quarto. Indiquei a primeira porta e Henrique me colocou na cama, me cobrindo em seguida. Ele beijou minha testa e passou a mão em meus cabelos.
– Posso te pedir uma coisa? – Perguntei baixo.
– Qualquer coisa que quiser.
– Dorme comigo hoje aqui? – Coloquei a mão ao meu lado, indicando a cama vazia.
– Que bom que vou poder dormir na cama. O chão seria desconfortável demais pra mim.
Dei risada e Henrique tirou os sapatos, se ajeitando em seguida ao meu lado. Ele me puxou para ele e eu apoiei a cabeça em seu peito. Henrique passou o braço ao meu redor e novamente fez carinho em meus cabelos.
– Eu senti sua falta... – falei em um sussurro.
– Eu também, Amora. Todos os dias desde que fui embora.
Fiquei em silêncio e em pouco tempo peguei no sono, com seu calor ao meu redor.
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Delicioso (Des)Conhecido (DEGUSTAÇÃO)
RomanceDepois que sua mãe é internada em uma clínica de reabilitação, o único lugar que resta para Amora morar é com seu pai, sua madrasta e seu filho arrogante. Em uma saída para conhecer a cidade, Amora conhece um intrigante e sedutor rapaz que a faz te...