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Ninguém além de nós quatro veio se despedir da minha mãe. Mas isso não importava, porque eu estava ali por ela.
Maria e Henrique apareceram depois de um tempo, mas sequer cumprimentaram meu pai. Henrique se sentou em uma das cadeiras ao lado de Maria, que sorria feito boba para ele. Pelo visto, ele já tinha encantado ela também.
Permaneci sentada ao lado da minha mãe e comecei a pensar em como minha vida mudou de repente.
Henrique entrou na minha vida como um furacão e saiu deixando o estrago que um furacão causa. Nesses cinco anos em que não tive nenhuma notícia dele, criei diversas histórias em minha cabeça. Em todas elas Henrique se casou com alguma mulher excepcional e eles tiveram lindos filhos juntos.
Olhei para ele e soube que ele seguiu com a vida dele. Ele provavelmente estava namorando alguma modelo de revista, enquanto eu tive todos meus "relacionamentos" estragados pela memória de Henrique.
Talvez eu devesse ter insistido mais. Talvez tivesse que ter me esforçado mais para tirar Henrique da minha cabeça. Mesmo depois de tantos anos, tantas tristezas e decepções, meu corpo treme e reage da mesma forma de anos atrás quando os olhos de Henrique encontram os meus.
O que ele havia feito sem mim? Ele teria colocado um fim na nossa história antes mesmo de vir atrás de mim e não ter dito nada? Como ele pôde não falar comigo sendo que, em cada rosto, eu procurava por ele? Por que ele foi tão fraco?
No fundo, desejei que ele saísse nos tapas com o rapaz que eu estava, somente para provar que eu era dele. Ao mesmo tempo, eu sabia que Henrique tiraria toda a minha estrutura, que demorei anos para construir, se ele tivesse falado comigo.
Fiquei olhando para ele, que também estava perdido em pensamentos, quando seu celular tocou. No segundo toque ele atendeu da forma mais dolorosa que eu poderia imaginar.
– Oi, amor...
Seus olhos encontraram os meus quando ele se levantou e saiu da sala para atender a ligação.
Meu estômago revirou, mas pela primeira vez eu não tive vontade chorar. Já sabia que Henrique tinha seguido com sua vida. Eu sabia que ele teria encontrado a mulher certa para ele, mas não imaginei que doeria tanto ao confirmar isso.
Meus olhos correram para meu pai, que me olhava com pena, com culpa. Ele havia arruinado a vida de todos, inclusive a dele.
Quando ele pediu o divórcio da minha mãe, ela começou a desistir da vida. Mas devo parabenizá-la por ter aguentado e lutado por tanto tempo. Independente da dor que sinto, entendo o que minha mãe fez. Por mais que eu não concorde, entendo que ela chegou ao limite dela. Que ela lutou o tempo que foi capaz e que chegou a hora dela descansar.
Não era fácil lidar com a certeza de que ela não era feliz e que uma mulher jovem como ela tirou a própria vida, mas eu teria que aprender a viver com isso, ou me tornaria alguém como ela.
Olhei para Maria, que continuou sentada e tinha pegado no sono.
Maria não tinha filhos, irmãos e nenhum tipo de parente. Ela viveu sozinha a vida toda, viajando para todos os lados e ajudando quem precisava. Minha mãe foi uma delas. Se Maria não tivesse ajudado tanto minha mãe, esse velório teria acontecido há muito tempo atrás.
Henrique entrou na sala com as mãos nos bolsos e olhou diretamente para mim. Eu sabia que ele tinha muito o que dizer, mas eu não queria ouvir nada. Queria que ele fosse embora da mesma forma que chegou. Queria que ele tirasse essa dor de dentro de mim. Que ele dissesse que não tinha mais ninguém em sua vida.
Desviei o olhar e fitei o chão. Minha cabeça pesava uma tonelada com tantos pensamentos. Eu estava cansada física e psicologicamente.
Percebi, pelo canto do olho, que Henrique voltou a se sentar ao lado de Maria, que ainda dormia. Eu sentia como se meu corpo estivesse em transe. Como se eu fosse uma estátua rodeada de tristeza e dor. Eu não tinha mais lágrimas, eu tinha ressentimento e culpa, o que era muito pior.

• • •

Depois de horas velando minha mãe, fomos para o cemitério seguindo o carro fúnebre. Cada um estava em seu carro. Maria foi com Henrique.
Percebi que minha vida seria daquele jeito. Eu seria para sempre sozinha. Independentemente da quantidade de pessoas ao meu redor, eu seria sempre sozinha.
Ao chegarmos ao cemitério, meu estômago começou a revirar e mostrar que estava entendendo que aquilo era mesmo real. Minha mãe estava mesmo morta e eu não poderia fazer nada. Fiquei olhando o caixão entrando naquela cova funda e o pânico começou a tomar conta de mim.
Olhei ao redor, procurando por uma fuga daquele lugar, quando a mão de Henrique segurou meu ombro. Ao mesmo tempo em que senti alívio, senti raiva por ele estar ali. Como ele tinha coragem de vir falar comigo se estava com outra pessoa? Como ele se atrevia a me magoar mais uma vez?
Tirei sua mão de meu ombro e me afastei dele e de tudo aquilo. Eu não queria ver minha mãe sendo soterrada daquela forma. Não queria ver o olhar de pena que estavam direcionando a mim. Só queria esquecer que tudo aquilo estava acontecendo.
Comecei a andar sem rumo para longe dali, quando ouvi passos atrás de mim. Henrique segurou meu braço e me fez parar de andar. Fiquei encarando o chão para não ter que olhar para ele, mas Henrique levantou meu rosto com a mão.
– Amora... não fuja assim.
– Me deixa em paz, Henrique!
– Não faz isso... – ele lamentou.
– Faço o que quiser, na hora que eu quiser.
– Não fique com raiva... a sua m...
– Não se atreva a falar dela. Você não a conhecia!
– Eu sei... – ele suspirou.
– O que você está fazendo aqui, afinal de contas? Por que não está na sua casa, cuidando da sua mulher?
– Eu escolhi vir te ver.
Ele não ter negado que tinha mulher me quebrou mais ainda. Ele havia mesmo seguido em frente. Sem mim.
Sorri por causa de sua resposta e continuei a andar sem rumo. Henrique veio atrás de mim mais uma vez e segurou meu braço.
– Tira a mão de mim! Sua mulher não gostaria que você estive com as mãos em outra!
– Para de falar assim, Amora! – Henrique chamou minha atenção.
– Não! Não paro! Por que você não quer que eu fale a verdade? Por que quer que eu finja que você não seguiu em frente sem mim? Sabe quantos anos te procurei? Quantos anos demorei pra tentar seguir em frente sem você? Você não sabe o quanto a sua presença está sendo destruidora pra mim!
– Amora...
– Para! Para, Henrique! Por que não pode ser sincero uma única vez comigo?
– Você quer que eu seja sincero?
– Sim!!
– Então aqui vai! Monique ajudou a juntar os meus pedaços quando descobri que você estava namorando. Você estava com outro, não eu! Ela cuidou de mim e ajudou a me reerguer!! E me ama como nunca fui amado antes. É essa a verdade que você queria ouvir?
O choque que passava pelo meu corpo me manteve forte. Ouvir da boca de Henrique que ele foi amado por ela como nunca foi amado antes, quebrou o restinho que havia inteiro em mim. Saber que o procurei por anos e ele sequer se importou com isso me fez ver o quanto eu era patética.
Senti lágrimas em meus olhos e sorri.
Henrique me olhou confuso e eu engoli o choro.
– Já me viu, então pode voltar para a mulher que te amou como nunca foi amado antes. Está perdendo seu tempo mais uma vez. E o meu também. 
– Não foi isso que eu quis dizer... Amora...
– Vai à merda! Você é um idiota! Um covarde! Tudo isso aconteceu por culpa sua! Sua!! Se você não tivesse ido embora e me abandonado, nada disso estaria assim! Você sumiu quando mais precisei de você! Quando todos fecharam as portas pra mim! O único que me ajudou aquele dia foi Fauzer!  Fauzer, que eu nem conhecia direito! Ele impediu que meu pai me batesse mais uma vez! Ele o impediu de se aproximar mais uma vez de mim! E tudo porque eu assumi que estava apaixonada por você! E onde você estava para me dar apoio naquele momento horrível da minha vida? Se tudo está dessa forma, é porque você foi o culpado e sempre vai ser!
– Amora... eu não sabia... eu...
– Não sabia de muita coisa e ainda tem coragem de dizer que essa mulher te ama como você nunca foi amado! Você é mais frio e egoísta do que eu jamais pude imaginar. Perdi meu emprego, minha família e o único lugar que eu tinha pra morar por causa do amor que sentia por você e, depois de tantos anos, é isso que escuto de você!
– Amora...
– Espero que você seja muito feliz, Henrique! Exatamente como sempre desejei todos esses anos em que procurei por você.
Henrique me olhou com tristeza. Nessa hora, me afastei dele, que permaneceu parado no mesmo lugar sem reação alguma. Ele estava em choque com tudo o que eu havia dito, mas já era hora dele saber tudo o que me causou.

Delicioso (Des)Conhecido (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora