Enrolo meus cabelos molhados na toalha de banho e visto meu pijama. Sento-me diante da minha penteadeira e observo meu rosto no espelho. Aplico em meus braços e pernas um creme hidratante de pêssego que ganhei no meu último aniversário, sentindo o sono começar a me deixar mole.
Suspiro, preocupada.
Não contei a ninguém o que vi hoje mais cedo. É claro que ninguém acreditaria, mesmo se eu contasse. Afinal, não é comum sair dizendo por aí que você quase foi atropelada por um motorista que acabara de ser esfaqueado. E, como se isso não bastasse, havia algo de sobrenatural nos olhos esbugalhados dele. Mas ninguém acreditaria se eu dissesse isso.
Ouço dois toques na porta de meu quarto e o rosto de meu pai surge quando ele a abre. Há olheiras sob seus olhos gentis e seus ombros parecem ligeiramente curvados. Meu pai escreve para uma coluna de uma revista famosa e sempre está sobrecarregado, o que lhe dá um semblante cansado a ponto de me deixar cansada também. Depois que minha mãe nos deixou, ele se aprofundou ainda mais no trabalho.
- Dolores, querida... - ele adentra o quarto com uma caneca de porcelana em cada mão.
Franzo o nariz.
Dolores.
Argh.
Só meu pai me chama assim.
Levanto-me e vou até ele, tomando uma das canecas para mim. O cheiro do chá de camomila com canela invade meu nariz e me dá água na boca. Papai e eu temos a tradição de tomar uma xícara juntos toda noite, antes de dormir.
Sento-me em minha cama e ele se senta ao meu lado.
- Consegui a aprovação para o meu artigo - papai diz, sorrindo. Sempre que ele sorri, crispa os olhos e os cantos de sua boca se erguem. Ele tem um rosto meio infantil.
Passo meu braço por seus ombros.
- Isso é incrível, pai! Eles seriam idiotas se não aprovassem.
- Talvez eu seja transferido para outro departamento na próxima semana, querida - ele sorri ainda mais, animado.
- Sério?!
Meu pai sempre me disse que seu maior sonho era ser jornalista. Ele começou por baixo e foi conquistando seu espaço até se tornar um colunista respeitado, mas seu objetivo sempre foi chegar à redação do jornal. E agora está mais perto do que nunca.
Ele é a única família que eu tenho e o meu maior exemplo, então suas conquistas são as minhas também.
- Agora, querida, diga-me como foi seu dia. - Ele dá um gole no chá. - Foi bem na prova?
Meu sorriso some.
- Na verdade, algum vândalo pregou uma peça na sala de aula e a prova foi cancelada. A escola ficou um caos.
Papai franze a testa.
- Mesmo? O que fizeram?
- Quebraram as janelas com todo mundo lá dentro. Foi perigoso.
Seus olhos me avaliam.
- Mas... você está bem? Alguém se feriu?
Sacudo a cabeça.
- Algumas pessoas se cortaram, mas não foi nada de mais.
- Isso é um absurdo - ele resmunga. - Encontraram quem fez isso?
- Ainda não.
Por algum motivo, o rosto de Loyal vem aos meus pensamentos. Não da maneira como sempre vem, fazendo-me suspira por ele, mas com desconfiança. Não duvido que ele seja capaz de fazer esse tipo de coisa. Mas... por que faria?
- Algo mais aconteceu? - meu pai pergunta, olhando para mim. - Está tão pensativa...
Eu não escondo coisas do meu pai e ele não esconde coisas de mim. É quase como nosso "código de honra". No entanto, por alguma razão, não quero contar sobre o motorista do caminhão. Sinto que não devo dizer a absolutamente ninguém e isso inclui meu pai.
- Estou... estou preocupada com minha amiga - digo e não é necessariamente uma mentira. Effy desapareceu do nada e até agora não sei se ela está bem.
- O que houve com ela?
Dou de ombros e bebo o chá.
- Ela sumiu.
- É aquela sua amiga incomum, de cabelo colorido?
Não posso evitar sorrir. Papai sempre se refere à Effy como minha amiga incomum, para não dizer esquisita. Ele não chegou a conhecê-la pessoalmente, mas eu sempre falo sobre como ela é misteriosa e diferente das outras meninas da nossa turma.
Conversamos sobre outras coisas triviais e terminamos de beber o chá. Papai me dá boa noite e leva minha caneca. Seco meus cabelos e me enfio debaixo das cobertas, agora completamente mole de sono. Quando fecho os olhos, a memória do motorista com a faca atravessada no pescoço brilha em minha mente, como um flash assustador. Sei que preciso esquecer o que vi, mas não é nada fácil, principalmente porque a memória é tão forte que parece que estou olhando para aquele homem agora mesmo.
E há Loyal.
Por algum motivo, sinto-me inquieta e incomodada ao pensar nele. É quase como se algo dentro de mim me pedisse para manter a maior distância possível daquele garoto.
Tec.
Sento-me na cama num pulo.
Tec.
Olho para a minha janela meio aberta. Estou ouvindo coisas?
Tec.
Vejo uma pequena pedra bater contra o vidro e levanto-me da cama, hesitante. Não consigo pensar em ninguém que poderia sonhar em jogar pedras na minha janela. Aliás, ninguém mais faz esse tipo de coisa hoje em dia.
Quando dou o primeiro passo para perto da janela, uma figura humana escura surge, apoiando-se no parapeito como um daqueles ninjas dos filmes, e salta para dentro de meu quarto. Afasto-me imediatamente e estou prestes a alcançar a porta, quando a figura me segura pelos braços e cobre minha boca com uma das mãos, prendendo-me contra a parede. Sinto um cheiro metálico estranho, acompanhado do cheiro forte de pinheiros. Não posso ver o rosto do invasor, pois está coberto por um longo capuz negro, mas tenho certeza de que é homem. Nenhuma mulher teria toda essa força.
- Não entenda mal - ele sussurra, mantendo a mão sobre minha boca e o corpo prensando o meu contra a parede -, estou aqui porque preciso de sua ajuda.
Sua voz me parece familiar, mas como ele está sussurrando, não tenho certeza. Tento me desvencilhar de seu aperto, o que só faz com que ele o intensifique a ponto de quase me deixar sem ar.
- Pare de se mexer - rosna e eu finalmente reconheço sua voz.
Com a mão que não está cobrindo minha boca, ele baixa o capuz.
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A Consciência de Ricky Prosper (VOLUME 1)
Ficção AdolescenteRicky Prosper é diferente. Suas notas são incrivelmente melhores que as de qualquer aluno, sua aparência é de dar inveja a astros de cinema e sua sorte nunca falha. Certo dia, algo ainda mais fora do comum acontece ao rapaz: uma voz começa a convers...