Effy

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     Jogo meus livros sobre a carteira com força desnecessária. Sinto-me uma completa idiota por dizer aquelas coisas a Prosper. Vê-lo me encarar com frieza, depois com ternura e em seguida com frieza novamente simplesmente esmagou meu coração. Ele não merece o que fiz e o que estou fazendo com ele. Prosper é um Iluminado e eu sou uma Cinzenta. Nunca daria certo.

     – Effy? - Lola cutuca meu ombro com um pincel.

     Olho para ela. Está corada além do normal e seus olhos brilham.

     – O que aconteceu com você? - pergunto, soando rude.

     Lola franze a testa e acomoda-se na carteira ao meu lado. Ela guarda o pincel na pasta antes de voltar-se para mim.

     – Eu estava com Loyal - ela diz.

     Abro a boca para dizer novamente que ela não deve andar com Loyal, quando, de repente, as janelas da sala de aula explodem e todos os alunos vão para o chão. Grito, mas não me mexo. Vidro não pode me machucar.

     – Effy! - grita Lola.

     Toda a turma não para de gritar e algumas pessoas estão feridas. Uma neblina cinzenta toma conta da sala e meu sangue se transforma em gelo em minhas veias. Lola me puxa para junto dela e eu me encolho, em pânico.

     Eles estão aqui.

     Eles me encontraram.

     – Alunos! Alunos! - ouço o professor gorducho gritar da porta. - Todos para fora! Vamos, agora!

     Lola me arrasta com ela, pois eu simplesmente não consigo me mover. Não quero me mover. Preciso voltar para casa, para meu refúgio, para meus patrões Iluminados. Eles podem me proteger.

     – Effy! Effy!

     Sinto uma ardência no rosto e me dou conta de que Lola me deu um tapa. Que bom que ela o fez.

     – Você está quase catatônica - ela diz, os olhos bonitos arregalados. - Está tudo bem? Está machucada?

     Faço que não com a cabeça. Estamos do lado de fora da sala de aula, junto a nossos colegas que parecem realmente fragilizados. Duas garotas estão chorando e alguns garotos discutem entre si sobre o que aconteceu. Olho por cima do ombro e vejo a sala de aula através da porta aberta. Há gotas de sangue perto das janelas. As carteiras estão reviradas. Cacos de vidro cintilam no chão, ameaçadores para os humanos.

     – Quem é o responsável por essa brincadeira de mau gosto? - esbraveja uma voz grossa. O vice diretor.

     Sinto vontade de sumir. A culpa é minha. Os Sombrios estão atrás de mim.

     Olho para Lola.

     – Vou para o meu armário - gaguejo, saindo sem esperar que ela dissesse qualquer coisa.

     Afasto-me apressadamente dali e trombo com alguém no caminho para meu armário. Esse alguém me segura pelo braço e eu não preciso olhar para ver quem é. Meu coração quase estoura.

     – Você está bem? - pergunta Prosper, segurando-me pelos ombros.

     Sinto-me pequena tão perto dele. Sinto-me bem. Sinto-me segura da mesma maneira que me sinto quando meus patrões Iluminados estão por perto. Transmitir essa sensação é uma das características dessa gente.

     – Prosper... - sussurro.

     Ele arqueia as sobrancelhas.

     – Sim?

     – Se você tem qualquer apreço por mim, por favor, tire-me dessa escola

     Ele não pensa duas vezes. Segura minha mão com firmeza e corremos para fora da escola. Como esta é uma instituição para jovens prodígios, podemos entrar e sair do prédio quando bem entendermos. Ainda assim, fico nervosa. E se não nos deixarem sair? E se os Sombrios estiverem em meu encalço neste mesmo segundo?

     Aperto a mão de Prosper e ele aperta de volta. Estou segura, por enquanto, e é bom que ele saia daqui comigo. Prosper corre tanto perigo quanto eu.

     Uma das inspetoras vestidas de cinza nos pergunta algo, mas Prosper a ignora e me puxa para as portas de vidro que nos separam do lado de fora. Conseguimos sair. Inspiro e expiro bem fundo. Saímos.

     – Você tem um carro? - Prosper pergunta, soando indiferente.

     Engulo em seco.

     – Não.

     Ele suspira.

     – Então vamos usar o meu.

     Franzo a testa. Parece tão estranho que Prosper tenha algo tão humano como um carro. Não sei diferenciar o carro dele dos demais, mas é um veículo bonito e de cor branca. Tem quatro portas e vidros muito escuros.

     Prosper abre uma das portas para mim e, sem dizer nada, eu entro. Ele contorna o carro e chega ao banco do motorista. Prosper dirige por quase dez minutos até que eu tenha coragem de dizer:

     – Obrigada.

     – Não por isso - ele não me encara.

     Olho para a pista.

     – Aonde vamos? - pergunto.

     – Para casa, ora - Prosper sorri.

     Arqueio uma sobrancelha e o encaro.

     – Que casa?

     – Minha casa. Você me pediu para sair da escola, mas não disse para onde queria ir. Tomei essa decisão por você - ele dá de ombros. - Aliás, o que aconteceu lá?

     Afundo no banco. Não quero falar sobre aquilo.

     – Ouvi um estrondo enquanto ia para a aula - diz ele. - Então, como um bom curioso desocupado, corri para ver.

     – Não havia nada para ver. Só vidro quebrado e gente gritando - resmungo.

     – Certo. Nada para ver. Por que estava tão assustada?

     Olho para ele.

     – Eu não... não estava assustada. Não estou.

     Prosper dobra uma esquina e um sorriso malicioso se forma em seus lábios. Ele é bonito demais para o próprio bem. Chega a me dar raiva.

     – Se não estava assustada... - começa ele - posso presumir que só quis arranjar uma desculpa para fugir comigo?

     Arregalo os olhos.

     – Fugir coisa nenhuma! E com... com você...? Não!

     Prosper gargalha, sacudindo a cabeça.

     – Meus tios vão adorar conhecê-la - ele ri, e bate com o dedo na ponta de meu nariz.

     Essa não. Mais Iluminados?

     – Vai me apresentar a eles? - eu praticamente grito.

     – Vou.

     – Mas... mas eu...

     – Não se preocupe, Effy - Prosper me encara com intensidade por um segundo. - Eles costumam gostar das mesmas coisas que eu.

     Mordo o lábio.

     – E você gosta de mim?

     Ele sorri com tanto charme que quase me faz prender o fôlego.

     – É claro que eu gosto.



A Consciência de Ricky Prosper (VOLUME 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora