Loyal

3.7K 552 73
                                    

      Ela olha para mim com aquele par de olhos castanhos esbugalhados que parecem prestes a saltar das órbitas. Ela tem medo. Ela está assustada. A expressão em seu rosto agora é o tipo de expressão que estou mais que acostumado a provocar. Fico curioso para saber o que se passa em sua mente.

     Minha mão direita cobre sua boca para que ela não grite e a esquerda decide por si mesma baixar o capuz que cobre meu rosto. Encaro Lola diretamente e sem piscar, como eu geralmente faço quando quero intimidar alguém. Seus olhos se esbugalham ainda mais - se é que isso é possível -, mas sua expressão se suaviza. Ela parece quase aliviada porque sou eu aqui, invadindo seu quarto e prendendo-a entre meu corpo e a parede. Será que está em seu juízo perfeito?

     - Você... - sinto seus lábios balbuciarem em meus dedos.

     Não é a reação que eu esperava.

     Afasto-me dela bruscamente - se tem uma humana capaz de fazer brotar um milhão de pensamentos que não deviam nem mesmo existir em minha cabeça, essa humana é ela -, mas meu movimento repentino faz a ferida em meu braço arder ainda mais e eu tento conter um guincho de dor.

     - O que... você...? - em seu rosto há uma confusão fascinante.

     - Pode fazer o favor de não dizer nada? - eu murmuro. - Você tem curativos aqui? Agulhas, álcool, bandagens...?

     Lola tomba a cabeça para o lado, tentando compreender.

     - Eu... posso procurar. - Ela dá um passo na minha direção, assustada. - O que aconteceu?

     Só então vejo uma pequena poça de sangue começar a se formar no chão de madeira sob meus pés. Mais sangue escorre por meu braço e pinga, fazendo um som irritante. Trinco os dentes. Essa merda dói demais.

     - Espere aqui - diz Lola, voltando-se para uma porta que não era a saída do quarto. O banheiro?

     Ela retorna rapidamente, segurando uma caixa branca. Sento-me de pernas cruzadas no chão, pisando em meu sangue rubro. Lola se aproxima e se ajoelha diante de mim. Nós nos entreolhamos.

     Odeio-me por vir aqui. Eu podia ter procurado qualquer outro lugar, qualquer outra pessoa que pudesse tratar dos ferimentos que aquela Iluminada maldita me causou. Mas, não. De certa forma, a culpada por meu encontro com a professora disfarçada foi Lola e parece que minhas pernas quiseram me trazer aqui para fazê-la pagar por isso. Qualquer que seja minha desculpa, não vai me deixar satisfeito. Eu não devia estar aqui.

     - Deixe-me ver - Lola estende uma das mãos para mim, buscando meu braço ferido.

     Apertando o ferimento com a mão, esquivo-me dela.

     - Basta me dar o que você tem aí - rosno. - Eu mesmo cuido disso.

     Ousada, ela segura meu pulso e puxa meu braço ferido para vê-lo mais de perto. Eu trinco os dentes e solto um baixo gemido de dor.

     Com os dedos pálidos e finos, ela arregaça a manga de minha blusa - quase toda molhada de sangue - e o ferimento lhe é exposto aos poucos. Olho fixamente para seu rosto a tempo de vê-la trincar os dentes e fazer uma careta de aflição, enquanto empalidece. Então seus olhos encontram os meus.

     - Onde você fez isso? - arqueja.

     A culpa é sua, quero dizer.

     Olho rapidamente para meu ferimento. É um corte profundo, escuro e grande que vai de meu cotovelo até as costas de minha mão. Lembro-me bem de como fui ferido. Eu e a maldita Iluminada disfarçada de professora nos atracamos numa luta corporal que eu não poderia classificar como nada menos que extremamente violenta. Fui o primeiro a sacar a faca que há pouco tinha enterrado no corpo do motorista Cinzento. Ela tirou do pulso algo parecido com uma pulseira dourada, que soltou faíscas e se alongou até tomar a forma de uma lança de ouro. Lembro-me de tê-la xingado muito. Só Iluminados muito poderosos possuem armas de ouro e ouro corrói a pele de Sombrios, impedindo que nosso metabolismo cure o machucado como normalmente curaria - em cinco ou dez segundos. De qualquer forma, a cretina me acertou com a lança num golpe de sorte que fez minha faca voar longe, e tudo o que pude fazer para impedir que minha cabeça fosse perfurada foi usar meu braço como escudo. Eu devia tê-lo perdido no mesmo instante, mas não perdi. Ainda não sei como isso não aconteceu. Só senti o cheiro de carne queimada e a ira tomou conta de meus membros. Foi graças à essa ira que consegui arrancar a cabeça da Iluminada e garantir mais um mês de salário.

A Consciência de Ricky Prosper (VOLUME 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora