Eco

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     O camponês, o rei, o monstro e a feiticeira.

     O camponês, o rei, o monstro e a feiticeira.

     O camponês, o rei, o monstro e a feiticeira.

     Prosper fica murmurando essas palavras sem perceber, enquanto dirige para um lugar ao qual nunca foi. Por algum motivo, não consigo alcançá-lo com minha voz, por mais que eu chame e grite para que ele me escute. Por causa do pesadelo, daquele ruído horrível nos ouvidos dele e da atitude mais que estranha da tia Beth, algo parece interferir em nossa comunicação e eu não tenho a mínima ideia do que pode ser.

     O camponês, o rei, o monstro e a feiticeira. O que isso quer dizer? Será que essas palavras têm alguma relação com seu pesadelo?

     É a primeira vez que Prosper pega o carro do tio Don escondido e até eu posso sentir a adrenalina correndo em suas veias. Os bons meninos só são bons meninos até que a inconsequência adolescente os atinja. Nunca pensei que viveria para ver Prosper ser atingido. E por quê? Ou melhor, por quem? Uma garota esquisita com a vida bagunçada e que está deixando o garoto quase irreconhecível aos meus olhos. Que adorável.

     Você vai se arrepender muito disso, resmungo.

     E ele não responde.

     Não ser ouvida me faz querer explodir de raiva. Quer dizer, faz pouco tempo que Prosper pode realmente escutar a minha voz e que podemos conversar de verdade, mas já foi tempo suficiente para que eu me acostume. Não quero voltar a ser só uma voz solitária no vácuo.

     Algo chama a minha atenção quando Prosper faz uma curva perigosa com o carro. Estamos do lado oposto de casa, longe demais para voltar agora. Quem disse que Effy mora fora da cidade não estava brincando.

     Através dos olhos de Prosper, vejo de longe uma coluna de fumaça escura vinda de uma casa em chamas. É algo estranho e ao mesmo tempo familiar para mim. Quer dizer, não é como se eu pudesse ter minhas próprias lembranças e recordações particulares - afinal, sou uma Consciência -, mas, de alguma forma, a cena me lembra algo. Algo distante e que não envolve as lembranças de Prosper.

     - Caramba... - Prosper arqueja e para o carro quase no meio da rua.

     Ele salta para fora do veículo e corre na direção do aglomerado de curiosos que se forma ao redor da casa pegando fogo. Ao que tudo indica, os bombeiros e a polícia acabaram de chegar e tentam conter as chamas e as pessoas que querem fazer cena. Prosper olha meio paralisado para as chamas.

     É a casa dela..., sua voz soa bastante clara quando ele fala comigo.

     Como você sabia como chegar até aqui?, pergunto e ele finalmente me ouve.

     Parece que nossa conexão está recuperada.

     Prosper sacode a cabeça, fitando o fogo brilhante que consome a casa.

     Eu vi em um sonho, responde. Isso... isso é assustador.

     Ele dá alguns passos para mais perto do grupo de curiosos que gritam e resmungam para que os moradores da casa sejam salvos. Eu me sinto toda esquisita. Não é nenhum segredo que não gosto nada de Effy, mas isso não significa que eu queira que ela morra. Pensar em seu corpo chamuscado sob os escombros me dá uma sensação ruim demais para ser descrita.

     - Para trás, rapaz - um dos policiais contém Prosper.

     Ele olha para o homem.

     - Eu a conheço - diz. - Eu conheço a garota que mora aí.

     O policial franze a testa.

     - Garota? Você deve estar enganado, meu jovem...

     - O nome dela é Effy e eu tenho certeza de que ela vive aqui!

     O policial sacode a cabeça.

     - Encontramos apenas dois corpos adultos e não há sinal de sobreviventes - ele suspira e apoia a mão no ombro de Prosper. - Se sua amiga estivesse viva, nós já a teríamos encontrado. Eu sinto muito.

     Prosper segura o homem pelo colarinho da farda.

     - Procurem outra vez - pede, quase desesperado. - Ela tem que estar viva, ela está lá dentro...

     Prosper, você está agarrando um policial, advirto. Contenha-se.

     O homem afasta suas mãos. Parece irritado.

     - Estamos fazendo o possível - e se afasta.

     Prosper cerra os punhos.

     O plano não era seguir seus tios?, pergunto, numa tentativa de fazê-lo mudar de rumo. Effy provavelmente virou pó, por mais que eu odeie pensar nisso.

     Ela não está morta, Prosper rosna, como se tivesse ouvido meus pensamentos.

     Você ouviu o que o policial disse...

     Eco, eu... eu posso sentir.... Não sei explicar, mas de alguma forma eu sei que Effy está viva.

     Quero segurá-lo pelos ombros e sacudi-lo. O que está acontecendo com esse garoto? Ele é brilhante e sabia o que fazia até essa garota aparecer. Agora mais parece um maluco tendo sonhos estranhos e sentindo coisas esquisitas. Aonde vamos parar se ele não voltar a si?

     Subitamente, Prosper se dobra para frente com as mãos na cabeça. Aquela dor voltou e o faz cair de joelhos na calçada. Ele faz força para normalizar sua respiração e se levanta devagar, apoiando as mãos nos joelhos. Sinto uma onda de determinação fluir de seus pensamentos, o que não parece nada bom para mim.

     Sei onde ela está, ele diz, convicto.

     Como eu temia.

     Sabe? Como... como assim?

     Prosper dá as costas para a casa em chamas e volta para o carro.

     Eu tive uma visão.

     Uma o quê?

     É como uma... uma lembrança de um sonho, ele responde, como se isso esclarecesse tudo. Effy conseguiu escapar da explosão.

     Ah, então foi uma explosão?

     Estava no meu sonho também. Não me lembro de tudo, mas aos poucos tenho essas... essas visões...

     Prosper, pare.

     Ele dá partida no carro.

     Parar o quê?

     Você está se ouvindo? Parece que enlouqueceu!

     Eco, ela precisa de mim, eu sinto...

     Pare de sentir! Pare de dizer essas coisas assustadoras e vamos logo para casa!

     Agora sei nomear o sentimento que tomou conta de mim: medo. Não por mim, mas por ele. É como se, de alguma maneira, a vida de Prosper corresse perigo quando Effy está por perto. Ele sente que deve ir atrás dela? Pois eu sinto que devo protegê-lo dela. Algo está errado e todos os meus instintos gritam avisando que há perigo nisso.

     Mas, como sempre, Prosper me ignora e vai atrás da garota.

     E volta a murmurar:

     O camponês, o rei, o monstro e a feiticeira.

     O camponês, o rei, o monstro e a feiticeira.

     O camponês, o rei, o monstro e a feiticeira.

     





A Consciência de Ricky Prosper (VOLUME 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora