Effy

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     Caio de joelhos sobre as folhas secas e começo a tossir como se meus órgãos quisessem escapar por minha boca. Meu nariz e garganta ardem e parece haver algo errado com meus pulmões quando eu respiro. Atrás de mim, as crianças caem deitadas nas folhas, gemendo e respirando com dificuldade. Olho por cima do ombro e vejo o rosto pequeno de Pekin sujo e molhado com as lágrimas que ele derramou enquanto corríamos feito doidos. Naya tem as duas mãos sobre o peito e encara o chão, meio catatônica.

     Se alguém me perguntasse uma hora atrás, eu diria que fugir com os dois filhos irritantes do casal de Iluminados estava fora de cogitação, não importando as circunstâncias. Mas aqui estou eu e aqui estão eles. De qualquer forma, não é como se eu tivesse alguma escolha. Meus instintos de servidão praticamente me obrigaram a proteger essas duas crianças.

     Tudo aconteceu muito rápido depois que aquele estrondo arrancou metade da casa. Naya e Pekin gritaram feito bebês e eu precisei de dois segundos para pensar em me mexer, devido ao choque. Então simplesmente puxei os dois pelos braços e nós atravessamos o buraco na parede que dava para os fundos da casa e, consequentemente, direto para a floresta fechada. Assim que nos emaranhamos nas árvores e arbustos, uma explosão ainda maior sacudiu a terra e nos lançou ao chão. Naya olhou para trás e gritou ainda mais alto e, ao acompanhar sua linha de visão, vi que a casa toda pegava fogo - completamente tomada pelas chamas e com Raoul e Lail ainda lá dentro. Tive que segurar a menina e impedir que ela voltasse para lá. Puxei Pekin e nós corremos floresta adentro.

     - Effe - o garoto tosse meu nome. - Mamãe e papai conseguiram escapar também, não é? Eles... eles também...

     - Não - é Naya quem responde. - Eles estão mortos, seu burro.

     Eu suspiro e meus pulmões protestam. Acho que respirei fumaça o suficiente para isso.

     Pekin ainda olha para mim, ignorando completamente a resposta de Naya.

     - Eu não sei - digo. E não é para tentar poupar Pekin da verdade ou algo assim, mas porque eu realmente não sei. Iluminados são poderosos e muito capazes de escapar de um incêndio como aquele. Eu não ficaria surpresa se Raoul e Lail também estivessem escondidos por aí.

     Naya choraminga e bate com o punho no chão.

     - O que vamos fazer agora? - ela olha para mim.

     - Eu não sei - digo outra vez. Ainda estou com as ideias bagunçadas.

     Naya dá uma risada cheia de sarcasmo - o que soou antinatural para uma menina da sua idade.

     - Não sabe? Como assim, você não sabe? Não devia ter tirado a gente de casa!

     Trinco os dentes.

      - E você queria ter ficado para morrer?

     - Ao menos eu estaria com os meus pais agora, não com você!

     - Mamãe e papai não morreram! - Pekin chora e dá um empurrão na irmã.

     Ela o encara como se ele não fosse nada e volta a focar os olhos em mim.

     - Você é responsável por nós dois agora - diz, forçando-se a parecer mais adulta. - Tome uma atitude.

     Reviro os olhos e caio deitada de costas nas folhas. Elas fazem um barulho engraçado quando prensadas contra meu corpo. Eu não ouço esse som desde... desde...

     - Effeeee! - Pekin dá um grito assustado e agudo.

     Logo ouço o som de um ronco de motor de carro e a luz dos faróis quase me cega. Por instinto, puxo Naya e Pekin e coloco-os atrás de mim. Não sou muito mais alto que Naya, mas, como ela mesma disse, sou responsável por essas crianças. Se os seus pais estiverem mesmo mortos, é à elas que eu sirvo de agora em diante.

A Consciência de Ricky Prosper (VOLUME 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora