Lola

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     Espero por Effy diante de seu armário, como sempre faço. É quase hora do primeiro período e ela ainda não chegou - o que é estranho. Effy geralmente é muito pontual e faz tudo com bastante precisão. Ela não falta às aulas, mesmo doente, e é sempre a primeira a entregar trabalhos e terminar as provas. Será que tem algo a ver com o incidente de ontem das janelas quebradas?

     Suspiro, abraçando meus livros contra o peito e apoiando-me contra a fileira de armários.

     Pela milésima vez nesta manhã, o que aconteceu ontem à noite me vem à mente e de repente meus pensamentos estão todos ocupados por Loyal outra vez. Tenho milhões de perguntas para fazer a ele, especialmente porque não é todo dia que alguém atravessa minha janela com um ferimento daquele. Pensei que Loyal fosse apenas calado e solitário, mas parece que ele tem um lado muito encrenqueiro também. Isso me preocupa. Todos os caras por quem me apaixonei e com quem me relacionei sempre foram gentis, educados e bonitos e não tinham essa atmosfera misteriosa os rodeando como Loyal tem.

     O que foi que eu vi nele, hein?

     - Oh, Dolores, chegou mais cedo? - pergunta o professor de Gramática Avançada, passando por mim no corredor.

     Cumprimento-o com um breve sorriso.

     Cheguei mais cedo porque preciso falar com Effy e já era para ela estar aqui. O que pode ter acontecido?

     Mais cedo do que eu esperava, a sineta toca e eu vejo os alunos ao meu redor se dirigirem às suas salas de aula. Olho para o armário de Effy como se ele pudesse me dizer onde ela está e arrasto meus pés até minha sala para a primeira aula do dia. Talvez minha amiga perdeu a hora ou pegou um resfriado do ontem para hoje. Decido controlar minha preocupação e manter o foco nas aulas.

     Vejo os amigos de Ricky Prosper sentados um ao lado do outro a duas carteiras de distância de mim. A garota se chama Liz, mas não consigo me lembrar do nome do garoto - sei que é relacionado a super heróis ou algo assim, mas não me lembro. Noto que Prosper não está com eles e minha cabeça volta a fervilhar imaginando as possibilidades de...

     Não.

     Não é possível. Effy estava determinada a ficar longe dele.

     O primeiro período acaba sem que eu tenha sequer ouvido falar dela. As pessoas nem parecem notar que não está aqui ou que essa é a primeira vez que falta às aulas desde que se mudou para cá. Pela maneira como falaram de Effy em seu primeiro dia de aula, pensei que nunca mais a deixariam em paz. Agora nem se lembram de sua existência.

     Quando ouço a sineta do almoço tocar, perco de vez as esperanças de que Effy ainda pode aparecer. Sabia que devia ter insistido para que ela me desse seu número de celular, mas não imaginei que precisaria tanto como agora.

     Caminho pelo corredor em direção ao meu armário quando Adeline, da minha turma de Artes, se aproxima de mim com uma caixa nas mãos.

     - Ei, Lola - ela me chama.

     - O que é isso? - pergunto, olhando para a caixa.

     - São as tintas que peguei emprestado na semana passada. Pode devolvê-las para mim? Preciso ir ao laboratório de ciências imediatamente!

     Sorte dela que tenho meia hora livre até a próxima aula.

     Sorrio e estendo as mãos para pegar a caixa.

     - Sem problemas.

     Ela me olha com alívio e gratidão por trás dos óculos enormes e redondos.

     - Obrigada.

     Seguro a caixa com um braço e com o outro guardo meus livros no armário. Terei tempo para voltar e buscar os outros para a próxima aula. Pego o elevador e vou para o departamento de artes, no penúltimo andar - que, aliás, é o meu favorito. A sala de Artes está vazia, como de costume, e eu logo encontro a prateleira de tintas. Abro a caixa e guardo as tintas de acordo com a cor e tom de cada uma e, quando coloco o último pote com as outras tintas azuis, ouço algo se quebrar atrás de mim.

     Viro-me a tempo de ver um dos três homens, tão musculosos que mal posso descrever, tentar colocar um cavalete de pé. Todos os três vestem preto da cabeça aos pés, têm tatuagens e cicatrizes e estão armados com tipos diferentes de facas. Esfrego os olhos para ter certeza de que não estou vendo coisas - e, de fato, não estou.

     Um deles - o do meio e provavelmente mais forte - sorri para mim e seu sorriso é perverso.

     Congelo imediatamente.

     - Então é aqui que o rastro nos trouxe, irmãos - ele diz. Uma cicatriz rosada cruza seu rosto em diagonal, da testa até o queixo.

     - Achei que o garoto não fosse do tipo que se diverte desse jeito... - resmunga outro, o que tentou em vão arrumar o cavalete.

     - Qual é, Miir, todos nós precisamos do consolo feminino mais cedo ou mais tarde, não é? - o fortão da cicatriz gargalha, olhando para mim. - Diga, coisinha, há quanto tempo você é o bichinho de estimação de Boris?

     Levo alguns segundos para perceber que ele está falando comigo.

     - Ahn... Bo-o... Boris? - gaguejo.

     Os três trocam olhares entre si e riem.

     - Não se faça de tonta, garotinha - rosna o que provavelmente se chama Miir -, sentimos o cheiro de Boris Loyal em você.

     Sinto um frio na espinha. O que esses caras têm a ver com Loyal? É com esse tipo de gente que ele anda?

     - E-eu acho que os senhores se enganaram...

     O cara da cicatriz ri alto.

     - Senhores? É a primeira vez que nos chamam assim, não é Hanbul? - cutuca o homem que ainda não fez nada a não ser me encarar de um jeito sombrio.

     - Vamos levá-la - Hanbul diz, com a voz rouca e arrastada, como se sussurrasse.

     Engulo em seco.

     O que é que está acontecendo aqui?

     - Desculpem-me, mas eu tenho aula de Química daqui a vinte minutos - digo. - Isso... isso aqui é uma escola e eu sou uma estudante. Acho que vieram ao lugar errado e encontraram a pessoa errada.

     O Cicatriz dá dois passos grandes e se aproxima de mim. Ele cheira a queimado e de perto vejo que os músculos de seus braços são maiores que a minha cabeça - se quisesse, ele poderia esmagá-la entre o dedão e o indicador. Encolho-me quando ele se inclina e cheira meus cabelos fazendo um barulho nojento. Então ri, apoiando as mãos nos quadris.

     - Sem dúvidas é ela - ele diz, olhando para os companheiros por cima do ombro. - Miir, pode levar.

     Numa tentativa desesperada de escapar, desvio do Cicatriz e corro na direção da porta. Teria sido uma fuga bem sucedida se alto duro não me atingisse na cabeça e me fizesse cair estatelada no chão - a poucos centímetros da porta. Uma mão quente e enorme me puxa pelo pé e eu sou arrastada de volta para os três brutamontes feiosos. O tal de Miir se aproxima de mim, agarra meu pescoço com uma das mãos e me ergue do chão.

     - Você será a isca perfeita, coisinha.

     Engasgo e começo a sentir falta de ar até ser atingida pela inconsciência.

     Pensei que esse tipo de coisa só acontecesse nos livros.

     

     



A Consciência de Ricky Prosper (VOLUME 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora