❄Capítulo 05 ❄

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Fazia algumas horas que o último sol de outono havia se posto e eu mais uma vez aguardava Anna terminar o expediente. Vestia preto e meu casaco possuía um capuz que me ajudava a encobrir a face.

Vinha fazendo isso há tanto tempo que nem me dei conta do quanto se tornava perigoso me esconder por entre os arbustos próximos à saída do hospital, na tentativa de vê-la o mais de perto possível e em segurança.

Naquela noite, parecia que tudo estava a meu favor. Ela não chamou um táxi e nem mesmo foi embora de carona com um de seus amigos. Resolveu percorrer o caminho de casa sozinha e a pé, e ainda cortar caminho por uma rua deserta e mal iluminada.

Aproveitei a oportunidade e a segui.

Caminhava a uma distância segura e a passos macios. Camuflava-me nos pontos mais escuros da praça, e ao ver faróis se aproximar, abaixava-me atrás dos largos troncos das árvores pelo caminho. Eu me sentia como um anjo protetor na calada da noite e acreditava que no silêncio da escuridão seria mais fácil ser invisível.

Ledo engano.

A pouca luz me dava algumas vantagens, mas as folhas secas me pregaram uma peça quando uma leve brisa as espalhou em meu caminho e não tive tempo de alçar um salto impedindo que meus pés causassem um crepitar ao entrar em contato com elas.

Eu sabia o que ia acontecer em seguida, então me encolhi atrás de um amontoado de entulhos bem próximo a mim e aguardei que ela ponderasse se estava realmente sozinha ou não. Quando decidiu seguir em frente, fui avançando pé ante pé conforme ela apressava seus passos.

Meu coração falhou uma batida quando a lâmpada de um dos postes explodiu e ecoou um som de terror ao cenário natural que causaria pânico a qualquer um que passasse por ali sozinho. Corri até o muro e me apoiei de costas na parede de tijolos. Meus sentidos de alerta aguçaram me indicando que eu deveria agir rápido ou colocaria tudo a perder.

Segundos depois eu corria no sentido contrário de Anna e vi de relance quando ela dobrou a esquina que a recebeu com sua vasta claridade.

Eu sabia onde ela morava, é claro, mas além de não ter acesso ao condomínio, até que eu trilhasse o caminho mais longo não a alcançaria a tempo de conferir se chegaria em segurança.

Decidi não me arriscar mais. Segui caminho até meu refúgio e passei o resto da noite em claro.

Mesmo que seu interior seja comparado à uma casa de janelas fechadas, Anna continua a mesma mulher por quem me apaixonei. Consegui com sucesso meu objetivo em fazer com que ela seguisse seu caminho.

Anna é uma mulher forte e não permitiu que os estilhaços de vidros causados pela artilharia da vida levassem junto deles seus sonhos. Juntou cada gota de energia para realizar sua única ambição: ser uma especialista em traumatologia.

Eu sei, é quase impossível deixar toda uma vida para trás, um "passado", sinto na pele essa dificuldade. Também sei que quando ela está a admirar o pôr-do-sol ela o revive em suas memórias. Somente sinto ser tão doloroso e me despedaço inteiro por ser o causador dessa dor que muitas vezes transparece em seu olhar.

Queria tanto poder partilhar com ela esse segredo, mas temo jamais ser compreendido.

Em meus sonhos, não importa o quão assustador eles pareçam, ela ainda anseia estar comigo. Me ver parece ser seu maior alívio. Neles é possível sentir até mesmo o cheiro do xampu em seus cabelos, o perfume floral em sua pele e o toque macio de seus braços enlaçados ao meu corpo.

Vê-la agora, numa pausa do novo turno, sentada em um banco de praça em frente onde passa a maior parte dos seus dias, fico em espreita admirando-a.

Queria mesmo era correr ao seu encontro e beijar de novo seus lábios. Ver seu sorriso fácil se destacar no rosto delicado e ela corar pela minha audácia de beijá-la em público. E, depois disso, enquanto eu acariciar sua face, ouvi-la culpar seus cabelos, flamejantes pelo contato com os raios solares, por causar-lhe o rubor.

Desejos os quais nunca mais poderei realizar, apenas porque para ela creio que eu não exista mais.

Talvez amar seja mesmo o que dizem... deixar livre quem se ama. Mesmo que doa.

A deixei livre para viver o mundo e fui submetido a meu próprio cárcere naquela noite de verão. Recordo cada uma das promessas feitas num sussurro aos seus ouvidos e as quais nunca poderei cumprir.

É um martírio imaginar seu desespero durante as horas de espera de que eu retornasse durante àquela madrugada. Às várias vezes em que ouvia minha voz após o bip do celular, insistindo que deixasse mais uma mensagem na caixa postal. O comunicado aos familiares de meu sumiço repentino, seguido de um oficial às autoridades após quarenta e oito horas.

Osdias, os meses, os anos sem saber, sem nenhuma notícia concreta.

Osdias, os meses, os anos sem saber, sem nenhuma notícia concreta

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