Hoje eu estava pensativa. Minha mãe e Rennan estavam com um papo estranho de "entrar para família". Acho que eles estão pensando em se casar, o que me desespera. Meu pai foi embora quando eu nem era nascida, não me recordo dele, uso apenas fotos para isso. Eu sinto falta de uma presença masculina na minha casa, claro. Mas não via isso no Rennan. Ele parece um adolescente mal compreendido e não um homem que vai assumir uma adolescente, uma esposa, despesas... Eu acho que ele quer dar é o golpe do baú. Se ele realmente estiver pensando nisso, ele é burro! Pois minha mãe e eu somos duras que nem pedra.
Comecei a pensar no meu pai. Por que será que ele nunca me procurou? Não que isso fosse fazer alguma diferença na minha vida, mas será que ele nunca nem quis saber da filha dele? Será que ele sabia que seria pai? Percebi que nunca havia perguntado para minha mãe se ele sabia que seria pai. Minha mãe sempre foi tão orgulhosa que ela pode nem ter cogitado em contar para ele que seria pai se soubesse que ele iria embora. Ela tinha 14 anos, ele 22 é obvio que tinha algo errado nisso.
"Filha, a gente pode conversar?" Ouvi minha mãe perguntar do lado de fora da porta do meu quarto.
"Claro, mãe. Entra!" Respondi levantando-me da cama para que ela pudesse sentar. Como eu não havia ido para escola pois era feriado, eu acordei tarde. Hoje, eu necessitava arrumar meu quarto porque ele estava uma zona. Ela entrou, observou a minha bela bagunça e se sentou na beirada da minha cama.
Ela estava tensa e respirava forte. Vi que ela tinha algo bombástico a me contar porque ela só fazia esses dramas quando sabia que eu ia dar um ataque. "Filha, Rennan e eu estamos namorando. Há 2 meses e meio."
"Que legal, mãe. Você desencalhou! Só não espere que vamos sair em casal porque não rola né?" Falei fazendo charme. Era só isso? Eles estavam só namorando. Ele não viria morar aqui em casa. Estava tudo bem então.
"Amanda, não é só isso que eu quero dizer..." Epa, quando foi que o clima mudou?
"Mãe, não me peça conselhos amorosos não! Não tenho capacidade mental para dar conselho amoroso para minha mãe!" Falei corando. O que ela estava tentando insinuar?
"Minha menstruação está atrasada, Amanda!" QUE?OI?
"Você está maluca, mãe? Pode parando de tentar me enganar. Se você quer que ele se mude para cá, é só falar. Não precisa dar essa desculpa!" Só então notei que estava quase gritando.
Então percebi que ela estava com uma coisa na mão. Um teste de gravidez.
"Você já fez?" Apontei para o teste na mão dela. Ela não respondeu, só balançou a cabeça negativamente.
"Então faça, mulher! Está esperando o que?" Falei me levantando e quase puxando-a para ir ao banheiro. "Falta a coragem..." Ela disse tão baixo que eu tive que fazer um esforço para entender o que ela havia dito.
Ela entrou no banheiro e ficou uns minutos lá dentro, depois, saiu com os olhos cheios de lágrimas, deu o teste na minha mão e foi em direção a cozinha com passos largos. Olhei para o teste. Duas linhas. Positivo.
"Mãe!!! Mãe!!!!" Sai correndo atrás dela. Cheguei a cozinha e a vi sentada no chão em posição fetal, chorando. Sentei ao lado dela e comecei a chorar junto. Nos abraçamos e ficamos lá. Na cozinha. Sentadas no chão. Chorando.
Eu teria uma(um) irmã(o).
"Filha, eu preciso te contar uma coisa..." Ela falou depois de tanto soluçar.
"Diga, mãe." Falei me afastando dela para que pudesse olhar seu rosto, que estava vermelho de tanto chorar.
"Seu pai nunca te abandonou, na verdade, ele não sabe da sua existência..." Eu sabia. Ela não havia contado por orgulho. Sabia.
"Mãe, você não contou para ele que estava grávida por orgulho, não é? Não vai fazer o mesmo com o Rennan!" Quase gritei.
"Não. Estávamos namorando, e nossa diferença de idade era muita. Com 14 anos, por incrível que pareça, eu já era madura o suficiente para fazer escolhas. Quando descobri que estava grávida, já estava com 1 mês de gestação. Decidi que iria contar para o Carlos que ele seria pai mas aí ele me deu uma notícia antes. Ele havia recebido uma proposta de emprego no Canadá e não poderia levar nada do Brasil e nem ninguém. Deveria ir o mais rápido possível. Ele ainda não tinha aceitado pois queria conversar comigo antes..." Caraca, ele não aceitou uma proposta para antes falar com a namoradinha de 14 anos? Uau... Ela continuou: "Eu sabia, filha, que se contasse para ele que eu estava grávida, ele não iria para o Canadá. Eu acabaria com a chance dele de melhorar de vida e não tive coragem para isso. Então, ocultei minha gravidez e falei que seria ótimo que ele fosse." Então era isso. Minha vida toda eu achei que não tinha um pai por ele ter largado minha mãe, ou o orgulho dela de não querer contar. Mas nunca imaginei que ela faria isso para salvar o emprego dele. Eu estava inenarravelmente apaixonada pela minha mãe. Como uma menina de 14 anos tinha essa cabeça?
"Mãe, mas e depois? Você nunca mais teve a curiosidade de descobrir nada sobre ele? Se já está casado, se tem filhos ou sei lá." Essa curiosidade me consumia todos os dias da minha vida.
"Filha, é claro. Eu tentei procura-lo depois de uns 5 ou 6 anos que você já havia nascido. Mas a mãe dele se recusou a me passar o telefone dele. Ela nunca gostou de mim pela minha idade naquela época. Então eu procurei no Orkut na época, no face mas nunca o achei então desisti.
Subi correndo para meu quarto peguei meu celular que estava jogado em cima da cama e voltei para a cozinha.
"Mãe, eu nunca procurei no face porque não sabia o que procurar. Mas você sabe o sobrenome e a feição dele. Com certeza ela está mudado e não se parece mais com aquela única foto que eu tenho dele. Mas eu sei bem que você pode o reconhecer na hora!" Falei empolgada entregando meu celular para ela.
Ela entrou no face, e olhou para mim, apreensiva. Foi na barra de busca e digitou: Carlos Nunes
"Nós não vamos acha-lo, olha quantos apareceram..." Ela virou o visor do telefone para que eu visse os cinquenta Carlos Nunes que apareceu.
"Você consegue! Vai olhando a foto e onde eles trabalham. Geralmente vem escrito em baixo do nome." Falei virando o celular para ela novamente.
"Mas eu não lembro o nome da empresa em que ele foi trabalhar, Amanda!" Ela se virou para mim com cara de pensativa. Acho que estava tentando lembrar o nome da empresa.
"Mãe, só vê o resto então!" Depois que alguns segundos abaixando a barra de rolagem, ela parou em um perfil.
"Acho que achei..." Ela falou entregando o celular para que eu visse também. Uau, ele não mudou nada da minha foto. Claro que a aparência está mais madura, mas está idêntico.
Nem pensei duas vezes e mandei solicitação de amizade. Ela me encarou sem entender o porquê de eu ter feito isso. Bloquiei a tela do celular e olhei para ela, que levantou sem dizer nada e foi pegar panelas para agitar o almoço. Levantei também, mas fui tomar banho. Não tocamos mais no assunto.
Rennan viria almoçar aqui em casa e Lucas também, e então, minha mãe daria a notícia.
