Daniel POV

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Depois de alguns minutos ela afasta seu tronco, ainda pendurada em mim. Suas pequenas mãozinhas envolvem o meu rosto com carinho, enxugando lágrimas que eu nem mesmo sabia que estavam lá. Sinto o impulso de fazer o mesmo com as dela, mas minhas mãos estão ocupadas a segurando por trás. Então, ando de costas até uma cadeira a poucos passos de nós e me sento com ela em meu colo.

Com o máximo de cuidado possível enxugo as  lágrimas dela e ela sorri.

Ela é tão linda.

Vou sentir falta de ver o rosto dela.

- Os meninos estão esperando no carro. Acho que devemos ir para casa.

- Você trouxe eles? - Pergunto preocupado.

- Sim. Eu não encontrei ninguém para ficar com eles... Por isso demorei... - Então ela quebra mais uma vez em soluços. - Me desculpe... Não estava aqui quando precisou de mim.

- Você estava. Você está. - Eu digo, levantando seu rosto com minhas mãos e segurando-o virado para mim para que eu possa vê-la.

Eu quero aproveitar cada instante em que ainda posso olhar para ela.

- Você chegou exatamente no momento em que eu precisava. Eu odiaria que você tivesse ouvido o médico dar a notícia. Você teria ficado brava com ele e eu não queria sua atenção dividida.

Ela ri sem força, mas ainda assim é um sorriso.

- E além disso, ele não tem culpa nenhuma e você acabaria se sentindo culpada depois por ter gritado com ele.

Ela sorri mais um pouco.

- Eu amo você. - Ela me diz.

- Eu te amo mais. - Eu respondo encostando minha testa na dela. - Mas agora temos que ir, não podemos deixar seus irmãos sozinhos.

- Sim. Vamos avisar seus pais? Você vem comigo?

- Claro. Eles tem compromissos agora, não vão querer me segurar. Pode ir indo para o carro, eu já chego lá.

- Você vai ficar bem? - Ela pergunta preocupada.

- Vou sim, pode ir.

Ela sorri e me manda um beijinho no ar, então sai correndo na direção do estacionamento.

Quando volto para o consultório eu estou muito mais calmo. Meus pais e o médico me olharam confusos uma vez que eu saí correndo como um desesperado e agora estou calmo com um sorriso no rosto.

- Tudo bem? - Minha mãe pergunta.

- Sim. - Eu respondo sorrindo. - A Elisa chegou mas não tinha com quem deixar os irmãos e trouxe eles, então está esperando por mim no carro, tudo bem por vocês?

Quando digo que Elisa tinha me encontrado meus pais parecem entender minha mudança.

- Pode ir. Eu adoraria passar o dia com você mas eu tenho uma reunião agora... Me desculpe...

Ela parece triste, mas um pouco aliviada. Acho que ela não pode lidar com tudo isso agora. Ela já mostrou o quanto se sente desconfortável em ter que me ajudar quando minha visão desaparece.

Esse pensamento faz meu coração tremer.

Eu não a culpo. Ela sempre foi muito ocupada e nunca soube como deveria agir como mãe, mas ela faz o melhor que pode.

- Tudo bem. Amo vocês, até mais tarde.

- Amamos você. - Meus pais disseram juntos.

Então eu corro para o estacionamento e encontro Elisa com Sarah no colo e os garotos tomando picolé, todos encostados no carro.

- Quer um também? - Ela pergunta apontando para um senhor vendendo picolé na porta do hospital.

Tomar um picolé é uma coisa tão normal e casual, que é quase estranho fazer isso depois de receber uma notícia como a que recebemos, mas na verdade eu estava com vontade de tomar um sorvete.

- Vou querer sim.

- Deixa que eu vou comprar. Preciso esticar um pouco os braços, segura a Sarah para mim? - Ela responde já me passando a irmãzinha dela.

Sarah vem de bom grado sorrindo em me ver. Ela é tão bonitinha e quando eu a pego em meus braços ela passa as pequenas mãozinhas no meu rosto. A idéia de que não vou poder vê-la quando ela crescer dói um pouco, mas fico feliz que ao menos vou estar aqui com ela. E eu não sei como vou fazer isso, mas vou cuidar dela e manter os garotos mal intencionados longe. Ela vai ser muito bonita e atenção de meninos é o que não vai faltar, mas ela não vai cair na deles. Eu me sinto como se fosse o irmão mais velho dela. Quero diser, um dos, porque ela já tem três. Acho que todos pensam assim também.

Acho que a marca do meu choro ainda está em meu rosto, porque ela me olha confusa e pergunta:

- Puquê ta tiste?

Eu penso em como responder essa pergunta e decido dizer a verdade.

- Eu estava triste porque eu descobri que vou ficar cego.

- Cego? - Ela testa a palavra.

Quando ouvem o que eu disse, os meninos desencostam do carro e me olharam cheios de horror. Kellan engasga começando um acesso de tosse e Mat fica pálido como uma folha de papel. Parece que Elisa ainda não tinha dito nada para eles.

Então Kellan começa a chorar e eu estendo um braço para acolher ele junto a mim. Mat permanece catatônico. Sarah fica ainda mais confusa com a reação dos irmãos.

- Quer dizer que não vou poder ver nada. - Eu explico. - Mas eu não estou mais triste, porque eu lembrei que ainda vou ter vocês comigo, então tudo vai ficar bem.

Lágrimas silenciosas escorrem dos olhos de Mat e ele se aproxima me abraçando também.

Elisa chega com nossos picolés nas mãos. Quando vejo a expressão dela entendo. Espertinha... Ela armou para que eu é quem contasse a notícia. Eu sorrio e ela se junta a nós, mas só por um instante. Nos afastamos e ela me entrega o picolé. Temos uma conversa tranqüila enquanto tomamos o sorvete e depois entramos no carro para ir para casa.

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