Desde antes de eu nascer, minha vida não teve qualquer valor. Minha mãe era uma drogada egoísta e aquele que ela dizia ser meu pai sempre teve certeza de que eu era filho de um dos muitos outros homens com quem ela dormia.
Eu não sei nem dizer como eu consegui sobreviver, mas acredito que foi por minha avó ter feito minha mãe me amamentar até eu ser velho o suficiente para conseguir comer as porcarias que os vizinhos me davam por pena.
A partir do momento que aprendi a andar, passei a procurar restos de comida nos lixos como um ratinho infeliz para me manter, ao menos tecnicamente, vivo.
Mesmo sendo indesejado por todos, meus pais me mantinham com eles para descontarem a raiva de suas vidas fracassadas. Me queimavam com pontas de cigarro, me cortavam com cacos das garrafas de bebidas que quebravam em mim, me espancavam e riam enquanto me mostravam por palavras e ações que eu era apenas um pedaço de lixo miserável.
Eu era triste e estava sempre com medo, mas eu não conhecia qualquer coisa diferente disso.
Eu não me mantinha vivo por qualquer esperança, porque eu não conhecia nada de bom para que eu pudesse desejar. Eu o fazia apenas por instinto, como um animal.
A minha primeira lembrança de algo bom foi a chegada da assistente social. Algum vizinho deve ter cansado de ouvir e ver meus pais me baterem e ligou para o conselho tutelar. Uma moça tão bonita e tão limpa como eu nunca tinha visto antes chegou em uma hora que meus pais não estavam em casa.
Ela demorou para me identificar em meio à escuridão e sujeira da minha casa, mas quando seus olhos pousaram em mim, eu vi neles o que até aquele dia eu só tinha visto nos meus: medo e dor. Eles, no entanto, tinham algo a mais que o meu: eles transmitiam preocupação e carinho. Mas como nunca havia visto algo assim antes, apenas me deixaram confuso.
Quando ela me tocou, eu me contrai esperando a dor, mas aquele foi um toque diferente de qualquer outro que eu conhecesse. Ele era leve e cuidadoso. Ela me pegou em seus braços e me disse suavemente palavras que eu já tinha ouvido na televisão e no rádio, ou entre as pessoas de fora de casa, mas nunca sendo dirigidas para mim.
Ela me levou para o hospital, um lugar mais limpo do que o céu que eu podia ver do meu bairro.
Eles me limparam e a sensação de sentir e ver toda a sujeira que eu pensava que fazia parte de mim ir embora foi a melhor de todas. Pela primeira vez eu vi a diferença entre mim e a imundice que me cobria e cercava.
Eles limparam meus machucados e me enfiaram agulhas. Eles me elogiaram por eu não ter chorado, mas a dor que eu sentia no hospital era a melhor coisa que eu já tinha conhecido, porque eles não estavam me machucando, mas cuidando de mim.
Depois disso eu fui mandado para um orfanato e comecei a ir para a escola. Todas as pessoas eram muito melhores que meus pais, - que até onde me importo, estão na prisão até hoje, se já não mortos - mas logo percebi que isso não queria dizer que fossem pessoas em quem eu pudesse confiar. O que não era problema, porque eu nunca tinha confiado em ninguém antes mesmo.
Eu me sentia vazio e o medo que aprendi a ter desde pequeno nunca foi embora, mas eu não seria um menino que você encontraria pelos cantos chorando. Eu ria e contava piadas e quando a dor em meu coração era muito forte eu gargalhava mais ainda. Nada era pior do que de onde eu tinha vindo de qualquer forma.
Eu era um menino esperto e me saia bem na escola. Eu tinha muitos amigos, mas nenhum deles me conhecia realmente, não além das piadas e comentários espertos.
Eu usava camisas e calças compridas até no verão, e para as cicatrizes que eu não podia esconder inventava histórias mentirosas ou contaria a verdade como se fosse uma piada de mal gosto, o que funcionava porque para aquelas crianças normais, uma vida como a que eu tive não poderia ser real.
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Sempre sua
RomanceElisabeth e Daniel são melhores amigos e vizinhos desde os cinco anos. Para Daniel, todas as meninas eram muito chatas. Até ele conhecer Elisabeth. Ela era diferente. Ela era divertida e engraçada, não era boa em jogar bola e corria devagar, mas me...