Capítulo 31 - Pelos olhos de Cassandra, parte 3

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Isso é demais para mim. Onde eu estava com a cabeça? Fazer um pacto com o chefe da máfia de Washington e ainda por cima, ser teimosa e estúpida, achando que não encontraria meu pai ali. A regra da vida é clara, se algo pode dar errado, vai dar. E deu. Meu sangue gelou quando vi o sorriso cretino do meu pai. Por que ele estava tão feliz? Ele está preso!

Christopher dirige rápido e em um movimento automático, coloco a mão na barriga, como se isso fosse segurar o mostarda e dar um pouco de proteção enquanto eu vejo a paisagem correr pela janela. Todo esse caminho dá uma pressão no meu peito que não importa quantas vezes eu puxe o ar, ele continua rarefeito nos meus pulmões. A falta de ar, a dor, o medo, tudo me lembra seis anos atrás, mas, na verdade, me lembra uns oito ou nove. 

Quem me conhece, sabe que eu evito falar sobre grande parte da adolescência, especialmente coisas que envolvem minha família, mas uma hora tudo vem à tona. Não consigo mais evitar pensar ou sentir, então fecho meus olhos e me permito reviver. Quem sabe isso me deixe em paz de uma vez?

Quando seu mundo parece perfeito, as coisas ruins parecem longe demais da sua vida. Você sente muito pelo resto do mundo, mas se sente sortuda e com uma vida blindada de problemas. O problema é que isso era apenas ilusão e minha mãe fingia muito bem. Lembro de uma vez que meus pais decidiram ter uma viagem de segunda lua-de-mel para ficarem mais "fortes", parecia bonito, para mim, mas ficarem fortes? Eles eram inatingíveis! Pelo menos eu achava isso.

Dias depois da viagem, minha mãe apareceu com hematomas no braço, que tratou de esconder com camisas três quartos, mesmo que a televisão apontasse que aquele era o verão mais quente desde os anos 80. Pessoas se machucam, ela disse. E eu acreditei. Como os hematomas não eram constantes e vinham a cada período no ano, era mais fácil fingir. Caiu da escada. Prendeu o braço em algum lugar. Se queimou. Bateu a cabeça. Sempre desajeitada, sempre sem querer. Enquanto isso, meu pai passava o dia fora de casa, mesmo nas férias dele.

As viagens em casal ou em família pararam de acontecer. O emprego dele foi perdido pouco tempo depois. A embriaguez deu lugar à um pai escuro — ou àquele que eu não havia percebido ainda. Minha mãe dizia que deveríamos ser pacientes, porque ele estava sofrendo pelo desemprego repentino e a falta de outro. Aguentamos insultos, ausência, dificuldades em manter a casa. Eu estava com quase dezoito anos e sabia que era minha hora de ajudar, o que não contestei. Arrumei um emprego em um mercadinho próximo de casa e as coisas começaram à melhorar... Até que as minhas economias do mês sumiram e quem não tinha dinheiro para estar alcoolizado, voltou pior do que nunca para casa. Eu o confrontei e indaguei sobre as idas ao Alcoólicos Anônimos, o AA e ele riu de mim, dizendo que não havia tomado uma gota. Foi então que percebi, não era álcool. Era droga.

Não pensei duas vezes em expulsá-lo de casa e depois de uma briga verbal, ele realmente foi. Eu não deixaria meu irmão ficar perto dele enquanto não parasse de trazer esse tipo de problemas para casa. O triste foi ver minha mãe passar por cima desses argumentos e aceitá-lo em casa algum tempo depois. Tudo piorou. Gritos o dia todo, hematomas que estavam tão evidentes, mas que eu não via acontecer e ela seguia fingindo. Era sufocante. Passei dois anos focada no meu trabalho, sem condições mentais de pensar em faculdade. Eu só queria salvar todo mundo daquilo, mas não tinha uma resposta de como. 

Em um dia de fechamento do estoque, cheguei tarde em casa. Barulhos de pratos quebrando eram audíveis logo da varanda, mas eu não entrei correndo. Podia ser meu pai, mas também poderia ser um bandido. Girei a chave com cuidado e, sem acender a luz, andei pela sala seguindo a única luz no andar debaixo, vinda da cozinha. Meu pai estava jogando pratos... Na minha mãe e acusando-a de coisas que eu não entendia. Ela se defendia como podia e negava as acusações, o que lhe deixara pior, até que acertou uma das cadeiras de madeira nela e a mesma caiu, tocando a testa que sangrava. Dei um grito e corri para a sala, alcançando o telefone.

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