[...] porém Alamòjú tinha uma sede imperdoável de vingança. O nome Ogún para ela soava como um afronta. Pobre Alamòjú, que devido as circunstâncias era tão nova e já tão rancorosa.
¦ História Narrada Por Alamoju ¦
Para uma moça da minha idade, nada melhor do que ter uma família ao seu lado. Não que eu não tenha uma família. Eu alimento sete irmãos, mas mesmo assim, queria ter um pai, não como Ogún, ninguém pode ser tão sem caráter como ele. E também queria uma mãe, não uma mãe diferente, minha mãe, Oyá. Quero ela ao meu lado, sinto sua falta, minhas lágrimas descem quentes ao lembrar de tudo aquilo.
Mesmo eu sendo tão nova e por ter sido há muito tempo, eu lembro de tudo, cada detalhe, cada palavra, cada respiração ofegante, eu lembro da minha mãe, eu lembro de Ogún, eu lembro das três mulheres, eu lembro.
¦ Narrador ¦
Alamoju tinha uma personalidade forte, mas não a impedia de chorar. Tudo o que ela mais queria era Oyá perto de ti, porém o tilintar dos chifres já não ecoava mais, Oyá já não ouvia o pedido de socorro de seus filhos, Alamòjú estava praticamente sozinha. Aquela aldeia era sempre a mesma, nada mudava. Na mesma época que os chifres pararam, Alamòjú tinha doze anos, Iya Ojú faleceu, Alamoju lembrava dela, Iya Ojú era a única naquela aldeia que sabia da falsa surdez de Alamòjú e com ela esse segredo foi enterrado.
Alamoju andava desesperada há anos tentando chamar sua mãe. Ela já não aguentava mais andar por aí e ouvir "Oyá ainda é fugitiva" "Largou filhos surdos, mudos e cegos nessa aldeia" "A mais velha não dá conta, de sabedoria só tem o nome"... Realmente Alamòjú passou a acreditar que já não dava conta, deixava de comer para dar aos seus irmãos, sempre era a última a pegar água do poço da aldeia, e era obrigada a dar aquela água barrenta de fundo de poço pra ela e para seus irmãos.
Mas os andarilhos e moradores da aldeia eram completos errantes quando diziam que Alamòjú não era sábia. Ela sabia exatamente à quem recorrer para resolver esse problema e assim como sua mãe, era uma menina difícil de amar alguém e nem sequer havia se apaixonado algum dia, junto disso, ela sabia os segredos de muitos naquela aldeia. Se fingir de surda era uma ideia perfeita, porém bem complicada.
Ela após pensar bastante soube a quem recorrer. Foi até um babalawò famoso da região e o ofereceu alguns búzios que sua mãe havia deixado há muito, muito tempo quando partiu, ela soube guarda-los até a hora certa.
- Com licença, Babá Osúmarè- Entre, filha. Sou cobra mansa. - disse com um sorriso estonteante
Era uma casa pequena e sem nenhum apetrecho, apenas uma esteira de palha estendida ao chão, um cordão com algumas pedras e favas, chamado de opelê, usado para consultar ifá e algumas outras coisas.
Ele começava cantando e falando algumas coisas em yoruba, claro, porém Alamòjú não conseguia captar ao certo as palavras, ele falava baixo e em forma de pedido, ele conversava com ifá. Quando começou a jogar o opelê e os búzios, cada vez mais Alamòjú ficava nervosa, será que obteria respostas, talvez ajuda?
Após um longo período de consulta à ifá, Osúmarè falava calmamente o que viu nos jogos
- Sua mãe está bem, minha filha, mas vocês duas não podem se ouvir, nem se chamar. Quando ela te passou a ordem de se fingir de surda, você realmente se tornou surda, surda para ela e ela para você. Ela não pode ouvir a ti e nem a seus irmãos, mas faça uma coisa. Olorun ordenou que tomasse em todo pôr do sol um banho com dendê, e após 14 banhos, se prepare e vá atrás de sua mãe, mas cuidado com as armadilhas da vida, cuidado com as pessoas.
Alamoju assentiu, agradeceu e com muitas lágrimas correndo em seu rosto, ela foi até à aldeia e comprou duas garrafas bem completas de azeite de dendê. Seu irmão cego foi falar com ela, estava muito preocupado.
-" Minha irmã, onde foi? Não me faça passar por um susto desses, não senti sua respiração por aqui.
- Precisava me consultar com Osúmarè, o babalawò-
- Perdeu completamente o juízo, Alamòjú? Você tem que ser surda, esqueceu?
- Ele é um babalawò, me admiraria se ele não soubesse minha condição
A conversa acabou ali, e quando percebeu, estava chegando o pôr do sol. Alamòjú foi relutante em direção àquela cachoeira que sua mãe se banhava, e após refrescar-se, Alamoju jogou um punhado daquele líquido da cabeça aos pés e tirou o excesso com um pouco da água do rio. De repente um barulho alto surge no meio dos arbustos e Alamòjú pula, revelando que tomou um susto muito grande com aquele som.
- Desculpa se te assustei, sofri uma queda, sou um pouco desastrado - Grita 'Idá' morador da Aldeia
De costas, Alamòjú assente com a cabeça e não percebe que poderia ser algum morador da aldeia já que ela é um pouco distante e então se vira para a voz..
- A FILHA SURDA DE OYÁ ME OUVE? - diz Idá indignado e prestando muita atenção nas curvas de Alamòjú
Alamòjú percebe o erro e manda-o se calar pedindo pra guardar segredo
- Me parece bem comum homens descobrirem segredo de mulheres nesse rio - diz Alamòjú
- Do que você tá falando? - questiona Idá, ainda hipnotizado com o corpo de Alamòjú
- Não vem ao caso...
- Prazer, Idá- se apresenta
- Bom, parece que você já me conhece - diz Alamòjú com a voz vagarosamente embargada
- Agora um pouco demais... Adoraria tirar o resto de dendê do seu busto - com a voz um pouco mais sedutora, Idá se aproxima
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OYA - A mãe dos nove filhos
EspiritualAlamoju, filha mais velha dos nove filhos de Oyá, encarregada de cuidar de seus irmãos, conta a história de sua mãe, de como a encontrou e de como conseguiu reunir tudo isso com a ajuda de muitas pessoas que esbarraram pelo caminho de Oyá. Tudo isso...